• Edição 094
  • 20 de agosto de 2007

Ciência e Vida

Novos rumos para o tratamento da leishmaniose no Brasil

Através de ferramentas da nanotecnologia, laboratório da UFRJ trabalha para tornar vacinas e medicamentos contra a doença mais eficazes e baratos e menos dolorosos para o paciente


Kareen Arnhold, Agência UFRJ de Notícias – Base CT

O Laboratório de Imunofarmacologia, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ), inova na área de tratamento da leishmaniose: após a descoberta de um fitoterápico e um fármaco sintético usado por via oral e de uma vacina de DNA administrada por via nasal, os pesquisadores trabalham com ferramentas da nanotecnologia para potencializar sua ação no combate a doença que hoje atinge aproximadamente 25 mil pessoas no Brasil.

De acordo com Bartira Rossi Bergmann, pesquisadora da UFRJ e coordenadora do estudo, para tornar os fármacos contra a leishmaniose mais eficazes, a aposta está centrada na utilização de nanopartículas (partículas da ordem de um milionésimo de milímetro) que encapsulariam a droga, facilitando sua absorção pelo organismo e promovendo sua atuação pontual em direção ao tipo de célula que pretende atingir.

Tratamento por pomadas ou comprimidos

Para tornar o tratamento menos doloroso e garantir sua continuidade por parte dos pacientes, o grupo de pesquisadores avalia novas formas de administração dos medicamentos: ao invés de injeções intramusculares e endovenosas aplicadas diariamente num período de vinte dias, coloca-se a possibilidade de medicação pelas vias tópica e oral.

“Baseado na aplicação que queremos, desenvolvemos ferramentas nanotecnológicas específicas para cada via de administração”, explica Bartira, que apresenta a chalcona — ativa no tratamento da leishmaniose cutânea em camundongos — como substância a ser associada às nanopartículas testadas.

Para administração oral, a chalcona deve ser combinada às partículas de quitosana, que potencializariam sua captação no intestino. Já para aplicação tópica, a pesquisa aponta as partículas de dendrímeros como indicadas: “elas poderiam carrear a chalcona através do estrato córneo e da epiderme, o que não acontece com a droga livre”, expõe a professora.

Outra potencialidade para o tratamento da leishmaniose é a utilização de micropartículas de plásticos biodegradáveis — um produto nacional cuja tecnologia está atualmente aplicada a embalagens. “Após constatar que elas não causam reações adversas como alergia, estamos testando seu potencial farmacêutico, utilizando-as como sistema de liberação oral da chalcona”, declara Bartira.

Além de reduzir o custo do tratamento — devido à diminuição das doses e do maior espaço entre sua ingestão — o carreamento dos fármacos e sua liberação controlada por meio das nanopartículas ainda diminuiriam a incidência tóxica provocada pelo principio ativo da substância, assim como evitariam seus efeitos colaterais.

Leishmaniose no Brasil

A leishmaniose, enfermidade crônica causada por protozoários do gênero Leishmania, pode manifestar-se de duas maneiras: a leishmaniose tegumentar, que afeta pele e mucosas; e a visceral, que atinge órgãos profundos como baço, fígado e medula óssea.

A forma visceral da doença representa um terço dos casos notificados no país. Transmitida principalmente no Nordeste, ela tem se espalhado pelo território e atingido áreas onde antes não existia. Belo Horizonte, por exemplo, hoje é considerada uma zona endêmica.

No Brasil, a maneira predominante de se tratar a doença é através da injeção de antimoniais. Esta substância, no entanto, provoca reações diversas, como problemas no coração e dores nos ossos. Para os cardíacos, a alternativa seria a utilização de um antibiótico composto por Anfotericina B, o qual, por sua vez, provoca crises renais.

Bartira afirma que “se o paciente for cardíaco e apresentar disfunção renal, ele está perdido. Todos os medicamentos disponíveis no mercado hoje têm um ou outro problema, seja pela toxidez, teratogenicidade ou alto custo como as formulações lipossomais de Anfotericina B”.

Livre dos efeitos colaterais, as nanopartículas de lipossomas, compostas pelo mesmo material dos lipídeos das células de nosso organismo seriam a melhor alternativa se não fosse o seu custo. As injeções, além de dolorosas, também são sentidas no bolso: cinco doses do medicamento lipossomal de Anfotericina B custam aproximadamente três mil dólares.

Vacina de DNA para prevenção

Além de aplicadas ao tratamento da leishmaniose, as nanopartículas de lipossomas também podem servir para a veiculação de um vacina de DNA: “com modificações na sua superfície, essas nanopartículas promovem maior captação pela mucosa do nariz e melhoraram a eficácia da vacina em camundongos”, revela Bartira, ressaltando que o maior custo desta vacina lipossomal não seria tão evidente como no tratamento, pois espera-se que uma dose única possa ser suficiente.

Além dos lipossomas, as nano e micropartículas de quitosana — mais baratas — também promoveriam uma maior captação da vacina na mucosa, por apresentarem uma propriedades mucoadesivas.