• Edição 092
  • 02 de agosto de 2007

Microscópio

Um olhar mais amplo na luta contra os medos do homem contemporâneo


Marcello Henrique Corrêa

Entender o comportamento do homem como indivíduo na sociedade tem sido uma ocupação dos estudiosos dos mais variados campos. A interação de diferentes saberes cada vez mais contribui para o aprofundamento de estudos em diversas áreas. O assunto é vasto o suficiente para reunir especialistas no evento “Saberes e Experiência”, composto simultaneamente pelo XIII Simpósio de Psicomotricidade e o VI Encontro de Psicopedagogia, que acontece dia 25 de agosto, no Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (Uni IBMR).

Gladis dos Santos, professora de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ (FM/UFRJ), participa da mesa redonda sobre o principal tema do evento: “Saber e experiência: contribuição de Oliver Sacks à Psicopedagogia e à Psicomotricidade”. Sacks, neurocientista renomado e conhecido por seu olhar mais amplo sobre o indivíduo. A professora ressalta no trabalho do neurologista o diagnóstico diferencial. “O que ele leva muito em consideração é olhar para além da doença. Olhar para o indivíduo.” Segundo a professora, a idéia exposta por Oliver Sacks é observar as experiências e contexto no qual o paciente está inserido. “Eu o vejo mais trabalhando com a saúde do que com a doença”, afirma a professora.

A felicidade do indivíduo, na proposta terapêutica de Sacks, é um fator que ganha muito mais valor do que a simples cura da doença. Gladis explica que se identifica com a proposta dessa forma de diagnosticar com uma visão mais abrangente. Para exemplificar a aplicação do diagnóstico diferencial, a fonoaudióloga relata um caso de um paciente que apresentava um distúrbio e procurou Oliver Sacks para se tratar. Após o diagnóstico, foi receitada a medicação adequada. Entretanto, o paciente tocava bateria e, em seus surtos decorrentes do distúrbio, passava por ímpetos criativos. Ao relatar isso ao neurologista, Sacks diminuiu a dose, o que permitiu sua vida social, porém preservou sua naturalidade. “No diagnóstico diferencial, o indivíduo tem uma conduta ativa no seu próprio tratamento”, explica Gladis.

Na infância

“O mundo não nos é dado. Construímos nosso mundo através de experiência, classificação e reconhecimento incessante.” Com essa frase, de Oliver Sacks, Gladis analisa como a apreensão do conhecimento se faz através do outro. Segundo a professora, essa valorização da interação interpessoal é marcante no texto de Oliver Sacks.

Na infância, essas relações e interações com a sociedade são fundamentais para a criação de parâmetros. “A forma como ela lida com o seu próprio processo de aprendizagem vai depender muito de como ela vai estabelecer a relação com o outro”, explica a professora. Uma criança muito cobrada, por exemplo, pode favorecer a criação de idéias cristalizadas, formando um trauma na maneira de aprender da criança.

O trabalho junto à família, para a professora, é fundamental para uma terapia bem-sucedida. “Muitas vezes as imagens cristalizadas da criança têm eco na família”, alerta a professora, referindo-se às situações difíceis por que as crianças passam e muitas vezes são rotuladas de “burras”, “distraídas” ou “incapazes”.

A terapia é focada não na idéia do que a criança não sabe, não pode ou não consegue. O tratamento busca estimular os pontos fortes e os sucessos que a criança obtém. Com um paciente com dificuldade de leitura, por exemplo, ainda não tenha sido capaz de compreender o texto inteiro, o terapeuta trabalha sobre os trechos compreendidos. “Tudo isso gera no paciente a idéia de ‘olha como você consegue’”, explica Gladis.

Esse método baseia-se na idéia da zona de desenvolvimento proximal, idéia exposta no postulado de Vygotsky, autor muito citado também por Sacks. Esse conceito consiste na idéia do conhecimento latente da cada um, do investimento no potencial do paciente. Significa que o indivíduo desempenha uma função que está próxima de ser desenvolvida.

A professora faz uma análise do contexto atual das escolas no Brasil. Gladis lamenta a falta de preparo do sistema de ensino, o qual acredita não estar pronto ainda para seguir essa tendência. Para a professora, o ensino no país está muito mais próximo do ensino formal e criador das idéias cristalizadas de “certo e errado”. Gladis acredita que o potencial das crianças nas escolas, ambiente em que passam a maior parte do tempo, poderia ser aproveitado de uma melhor forma.

A integração entre experiência de vida e sala de aula é considerada pela professora como uma ferramenta de excelência para o desenvolvimento da aprendizagem. Gladis relata que, certa vez, uma criança, seu paciente, apresentava distúrbios de fluência na fala. Entretanto, quando o menino falava sobre pipa, seu assunto favorito, a conversa fluía naturalmente. “Esse conhecimento em pipa, na construção do brinquedo, poderia ser usado para o ensino da Matemática, por exemplo”, sugere a fonoaudióloga. Ao contrário, o menino era analisado por pais e professores ainda com uma visão restrita às notas na escola.

As conseqüências na vida adulta

Os reflexos dos distúrbios do comportamento não se limitam à infância. Especialmente os adultos dessa geração, apresentam, segundo Gladis, problemas principalmente decorrentes da falta de estudos nessa área há 30 ou 40 anos atrás. Dessa forma, os transtornos dessa natureza acabaram sendo ignorados com o passar do tempo.

Hoje, esses jovens de algumas décadas atrás formam uma geração com dificuldades nos relacionamentos, no trabalho, de adaptação a novas experiências. O medo de errar adquirido na infância não se dissipa, mas persiste na vida adulta.

Buscar a ajuda para tratar esses distúrbios, segundo Gladis, é fundamental. A fonoaudióloga acredita que se vivencia uma tendência de buscar terapias relacionadas à mente, desarticulando um preconceito existente nas últimas gerações. “Hoje, a pessoa que investe em si mesma — seja no corpo, nas academias, seja na mente, nas terapias psicopedagógicas ou fonoaudiológicas —, é bem vista. O importante é a pessoa aprender a se conhecer e a ir se observando, obtendo sucesso”, completa, otimista, Gladis dos Santos.