• Edição 092
  • 02 de agosto de 2007

Faces e Interfaces

Dieta sem Dieta – mais uma forma de perder peso?


Priscila Biancovilli

Dieta dos pontos, da lua, do tipo sanguíneo, do leite, ortomolecular... assim como no mundo da moda, a cada estação uma dieta nova vem à tona, sempre arregimentando milhares de adeptos ansiosos por perder dois, três ou cinco quilinhos. Desta vez, mais uma técnica mirabolante acaba de chegar ao Brasil, e promete conquistar uma legião de fãs. A “Dieta sem Dieta”, lançada em livro pelo psicólogo inglês Ben Fletcher, já faz grande sucesso nos Estados Unidos e Europa. Seu grande diferencial é a possibilidade de perder peso sem se preocupar com alimentação, apenas alterando alguns aspectos da rotina – ou melhor, acabando com ela.

Para Fletcher, ao fazer algo novo, a pessoa automaticamente incorpora uma dieta mais saudável e passa a se movimentar mais. Por exemplo, ao invés de um cidadão chegar em casa à noite, preparar um balde de pipocas amanteigadas e ligar a televisão, que tal dar uma volta pelo bairro, telefonar para um velho amigo ou brincar com seu cachorro? De acordo com sua teoria, ao alterarmos hábitos que não necessariamente estejam ligados à alimentação, mudamos nossa organização mental, que se reflete no consumo mais correto e moderado dos alimentos.

Será esta uma dieta revolucionária ou apenas mais um modismo de estação? Para discutir este assunto, convidamos os professores José Egídio de Oliveira, chefe do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e Glorimar Rosa, professora do Instituto de Nutrição da UFRJ.

José Egídio de Oliveira

Chefe do Serviço de Nutrologia do HUCFF

“Estas mudanças na rotina que o livro propõe não estão relacionadas apenas ao gasto energético, mas também ao prazer da vida. Mudar alguns aspectos da vida faz com que as pessoas se transformem, saiam de suas zonas de conforto e, em conseqüência, mudem seus hábitos alimentares. Ele pretende com isso que a pessoa divida seus momentos de prazer com outras atividades, que não apenas a refeição. Quando a pessoa fica muito presa à rotina, perde muito do gosto pela vida, e um dos poucos momentos de prazer é mesmo a alimentação. A proposta da dieta é intervir nesta questão, mostrando que existem outras boas coisas na vida além da comida.

No tratamento da obesidade esta estratégia é bastante utilizada. Em geral, os que têm metabolismo mais lento – e isso é determinado muito em parte por fatores genéticos – devem o tempo todo controlar a alimentação. Isto significa uma dieta restritiva e a prática de exercícios diários. Quem desenvolve obesidade mórbida tem uma tendência a isso, ou genética ou por alguma doença. Entretanto, a maior parte das pessoas engorda por mudanças no estilo de vida. Quando o homem se casa, por exemplo, costuma parar de praticar exercícios físicos e vira ‘do lar’. Ou seja, abandona as corridas, os passeios, as viagens, e se acomoda à casa, à rotina, sempre atrelada a uma alimentação mais rica em calorias. Nessas situações, fica mais fácil aplicar a dieta sem dieta.

A maioria das pessoas engorda por mudanças comportamentais, e também da própria sociedade. Nos último século, com a substituição gradual do trabalho humano pelo das máquinas, as pessoas tendem a gastar cada vez menos energia. Tudo é computadorizado, e pode ser feito de casa, pela internet, sem grandes esforços. Então, surge a necessidade de compensar esta maior retenção de energia em outras atividades, como academia, algum esporte, caminhada, entre outros.

Geralmente, toda pessoa que faz atividade física passa a se interessar por alimentação, gastos calóricos, componentes nutricionais... ou seja, tudo que compõe uma dieta equilibrada. Daí talvez tenha partido o pressuposto do psicólogo de não se preocupar tanto em ditar uma dieta equilibrada, já que esse interesse surgiria naturalmente.

No entanto, por experiência própria de vários anos, digo que esta experiência proposta no livro não é fácil. A pessoa pode ler tudo, concordar, mas simplesmente não praticar, por acomodação. É como a história do pneumologista que fuma. É necessário que a pessoa esteja muito mobilizada para obter sucesso.

Em suma, toda pessoa que se sente bem tem menos espaço para ansiedade e angústia, fatores que estão bastante relacionados ao ganho de peso. É a melhoria na qualidade de vida que influencia a perda de peso. Por isso gostei da idéia desta nova dieta.”


Glorimar Rosa

Professora do Instituto de Nutrição da UFRJ

“Eu achei a proposta do psicólogo bem interessante, porque leva em conta mudança de hábitos, acima de tudo. Estas transformações fazem com que o indivíduo indiretamente ingira alimentos mais saudáveis.

Aquilo que o autor propõe é a melhoria do estado emocional do indivíduo, da auto-estima, e isso se reflete em um cuidado maior com a saúde, e com a alimentação. Ele não vai mais se entregar tanto aos impulsos. Vai começar a pensar duas vezes antes de ingerir algum alimento gorduroso em excesso. Ou seja, nessa linha, a idéia do livro é bastante boa. Ele condena as dietas restritivas, algo que nós aqui da nutrição também condenamos. Retirar algum tipo de alimento da dieta é uma bobagem. Nosso organismo necessita diariamente de uma quantidade enorme de nutrientes, e por este motivo uma dieta monótona não é saudável. Qualquer um pode se dar ao luxo de ingerir um hambúrguer ou uma batata-frita às vezes, desde que com parcimônia. Isto é o que chamamos de reeducação alimentar.

A relação do indivíduo com o alimento é bastante emocional. Comemos muitas vezes para melhorar a ansiedade, a tensão. Hoje, nossa rotina corrida propicia o estresse, e isso se reflete de maneira clara na dieta. Muitas pessoas abrem a geladeira no ‘piloto automático’, sem raciocinar, apenas por impulso.

Quando falamos de obesos, podemos afirmar que eles possuem características genéticas que facilitam o ganho de peso. Mas existe também a interação gene-ambiente, e isto faz o determinismo genético sair de cena. Uma pessoa pode ter uma boa educação alimentar e viver em um ambiente cujo consumo moderado e saudável de alimentos é estimulado. Assim, ela poderá ter um peso normal, perfeitamente. Quando tratamos pacientes obesos, percebemos que muitos deles não conseguem discernir algumas coisas, como por exemplo a diferença entre fome e sede. Ele pode, então, beber pouca água e comer em excesso. Indiretamente, a obesidade é uma das maiores causas de mortalidade no mundo, pois se relaciona de forma direta ao surgimento de doenças cardiovasculares.

O autor sugere diversas atividades que melhoram a auto-estima e aumentam a qualidade de vida da pessoa. Mesmo que não se relacione diretamente à perda de peso – como, por exemplo, conversar com um amigo que não vê há muito tempo – isso faz com que o indivíduo se sinta melhor consigo mesmo. O aumento de atividades físicas, algo que ele também propõe, faz o cérebro produzir endorfinas, substâncias prazerosas e relaxantes. Tudo isso somado leva ao emagrecimento saudável, e, acima de tudo, à melhoria da vida como um todo.”