• Edição 092
  • 02 de agosto de 2007

Por uma boa causa

Manhê, quero emagrecer!

Mariana Mello

Lidar com crianças é algo complexo. Com comportamentos distintos e muitas vezes inesperados, os pais freqüentemente se vêem diante de um impasse: como educar os filhos? O que permitir e o que proibir? Longe de solucionar essa infindável questão, porém com o intuito de auxiliar os pais nessa constante tarefa, a editoria Por uma boa causa do mês de agosto traz a série de reportagens Crianças: pode ou não pode? abordando assuntos atuais e polêmicos. Para inaugurar o mês, a questão em pauta é a dieta na fase infantil.

Influenciadas pelo conteúdo veiculado pela mídia – que, apesar das críticas, ainda impõe um padrão de beleza estética fundamentado na magreza –, além da pressão exercida por professoras de balé e dança, colegas de escola e pelos próprios pais, as crianças, de modo precoce e inusitado, vêm aderindo às dietas da moda. Esse é o ponto de vista de Naylor Alves, professor adjunto da Faculdade de Medicina e médico especialista em Nutrologia Pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG), da UFRJ.

Naylor garante que esse constante policiamento em relação às crianças, principalmente às meninas, faz com que seja instituído hoje um pavor da obesidade. As informações sobre dietas, que para ele ocupam quase a totalidade das revistas, são assimiladas pelas crianças e adolescentes. Informações como essas, na concepção do professor, não são seguras, principalmente em uma fase de alta exigência metabólica como a infância. “As meninas não querem ficar gordas. Uma pesquisa mostra que, em cada cem meninas com no mínimo nove anos de idade, vinte já fazem uma dieta por conta própria, seja porque ouviram dizer que o refrigerante causa celulite ou porque o chocolate causa espinha”, relata.

Restrição de nutrientes

As dietas adotadas pelas crianças fundamentam-se, acima de tudo, na restrição de nutrientes. Restrições que são adotadas sem orientação alguma de médicos, nutrólogos ou nutricionistas e que acompanham os “terríveis mitos sobre alimentação” hoje existentes, segundo Naylor. É também devido às dietas e à pressão social sofrida na fase da infância e, principalmente, na transição para a adolescência, que são “germinados” alguns distúrbios alimentares de ordem psiquiátrica, como anorexia e bulimia.

A supressão de alguns nutrientes, pregada por essas dietas, compromete seriamente o desenvolvimento da criança. Naylor Alves exemplifica essa situação com a implicância, desenvolvida por algumas meninas atualmente, com a ingestão de leite e seus derivados.

– Há uma grande necessidade de as meninas, principalmente caucasianas e asiáticas, entre nove e dezesseis anos, ingerirem cálcio, a fim de prevenir uma futura osteoporose, que ocorre somente na mulher idosa e que não tem cura. Porém, os mitos sobre alimentação influenciam tanto as meninas que muitas passam a não tomar mais leite nem seus derivados, acreditando que eles propiciam o surgimento de espinhas. O correto, nessa fase da infância, seria ingerir de 1500 a 1800 mg de cálcio por dia – ele explica.

Falta orientação

Naylor acredita que falta instrução alimentar às crianças e aos pais e sugere a criação de um órgão orientador, que forneça informações válidas e importantes para a composição de um bom cardápio. “O problema no Brasil não é a falta de alimento, mas sim a falta de informação. Campanhas televisivas, voltadas às crianças, do tipo: você não toma leite? Por que não experimenta iogurtes? Ou então: queijo não dá espinhas. Experimente!”, opina o nutrólogo, que citou alimentos altamente prejudiciais à alimentação infantil, como a geléia de mocotó, o macarrão instantâneo e o chocolate branco e acredita na profilaxia alimentar.

Deficiências vitamínicas, de zinco, de ferro e outros nutrientes são acarretadas por essas dietas irresponsáveis. Pela ausência de frutas e legumes e a grande ingestão de condimentos, jovens podem ter seu desenvolvimento morfológico e até mesmo sexual comprometido.

Casos sérios exigem dietas

Em relação às crianças doentes e obesas, as dietas devem ser encaradas com outros olhos. Crianças com hipercolesterolemia e intolerância a determinadas proteínas necessitam de acompanhamento nutricional constante, assim como aqueles que já atingiram níveis de obesidade. Para Naylor, nesse caso é altamente recomendada uma completa reeducação nutricional, o que é extremamente difícil.

– Atingir uma alimentação e rotina saudáveis com um paciente infantil obeso é muito difícil e exige um envolvimento familiar completo, uma vez que todo o ambiente da casa provavelmente é obesogênico – conta Naylor, que acredita na relação intrínseca entre a obesidade infantil e a adulta. “O que não se pode é deixar uma criança chegar ao estado de obesidade. Mães jovens, que se consideram inexperientes, acabam acatando conselhos da família, que estimula a entupir a criança de comida. Ainda hoje persiste a idéia de que criança saudável é sinônimo de criança gordinha”, descreve o médico.

Segundo ele, os pais procuram tratamento para seus filhos “gordinhos” apenas quando eles já se encontram em um grau muito avançado de obesidade. Essas crianças já cultivam hábitos arraigados, como comer em prato fundo – em vez de raso – e com colher – em vez de garfo. “A refeição dessas crianças já é cortada pelos pais, o que facilita a ingestão de uma quantidade maior de comida, e eles não costumam tomar água, porque os pais lhes dão sucos de frutas adoçados”, finaliza Naylor.