• Edição 089
  • 12 de julho de 2007

Saúde e Prevenção

Um zumbido no ouvido

Stéphanie Garcia Pires

Os ruídos são variáveis — semelhantes a um apito, um chiado, o barulho do vôo de um inseto. Mas a definição não muda: o zumbido é um som que nasce nas vias auditivas de uma pessoa sem o estímulo de uma fonte externa. Afeta, aproximadamente, 30 milhões de brasileiros, entretanto, não é uma doença. Assim como a febre e a dor de cabeça, o zumbido é um sintoma, cujas causas são inúmeras. Patrícia Ciminelli, otorrinolaringologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ) e coordenadora do Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido (Gapz) do Rio de Janeiro, forneceu mais informações a respeito do assunto.

— Este é um problema silencioso, muito individual. Na maioria das vezes, apenas a pessoa que sofre do zumbido é capaz de escutá-lo, e nem sempre ela relata seu incômodo para seus conhecidos — revela a especialista.

Existem os zumbidos idiopáticos, para os quais não são encontradas causas, mas a literatura médica aponta cerca de 200 motivações para este ruído interno. Ele pode ser sintoma de alterações hormonais (principalmente a nível da tireóide), de disfunções metabólicas (glicose e lipídio), de doenças cardiovasculares e de pressão alta. Indicam, inclusive, problemas odontológicos ligados à articulação têmporo-mandibular, alterações na coluna cervical, distúrbios em áreas do cérebro responsáveis por controlar a audição, e doenças no ouvido interno ou externo. Distúrbios emocionais, tais como a ansiedade e a depressão, também não podem ser descartados. “Porém, a principal causa é a perda gradativa da audição, que é natural do envelhecimento humano, e explica a grande freqüência do zumbido em pessoas acima de 50 anos”, revela Patrícia.

Diante de tantas possibilidades de diagnóstico, argumenta a médica, faz-se necessária uma investigação minuciosa do histórico clínico do paciente, complementado por testes físicos, exame de sangue e pela audiometria — método usado para medir a audição. É um longo caminho para descobrir de quais doenças o zumbido é o sintoma.

— O médico precisa ter em mente que cada paciente é um caso específico, e que o zumbido, muitas vezes, ocorre por uma associação de causas: é um idoso, que vem sofrendo uma perda auditiva, tem diabetes e sofre de pressão alta. E, identificadas as doenças de base, tratar cada uma delas é o primeiro passo para amenizar e até mesmo eliminar o zumbido — alerta a especialista.

Terapia de Habituação do Zumbido (TRT)

Esse método surgiu a partir da observação de que 80% das pessoas com zumbido o classificavam como um fator indiferente. Dos 20% que relatavam sentir-se incomodadas com isso, apenas 5% sofria com um zumbido incapacitante, chegando a evoluir para quadros de depressão, ansiedade e síndrome do pânico. Foi essa disparidade de reações que atraiu a atenção de alguns cientistas.

— O incômodo ativa algumas áreas do cérebro (sistema límbico e sistema nervoso autônomo) que são responsáveis pelas emoções humanas e por reações do corpo. É um ciclo vicioso. Quanto mais o paciente presta atenção no zumbido, condicionando-o como um fator negativo e limitante, mais ele incomoda. Quanto mais incomoda, mais ele prende a atenção do paciente, que fica submetido a alterações de humor e, inclusive, a tremores, taquicardia, entre outras coisas, — detalha Patrícia, ressaltando, ainda, que “não é tanto a altura do ruído que influencia no seu potencial de incômodo, é principalmente o significado que esse som assume na vida da pessoa”.

Ainda não foi descoberta a exata fisiopatologia do zumbido. O mais provável é a ocorrência de uma atividade excitatória da via auditiva. Essa hiperatividade, que está muito ligada com a perda auditiva, seria geradora de um sinal sonoro, o zumbido. Segundo Patrícia o paciente precisa ser bem esclarecido a respeito do seu problema. “Tirar do paciente o pensamento de que o som interno que ele ouve representa uma ameaça à sua vida já é uma maneira de ajudar essa pessoa a prestar menos atenção no zumbido”.

— Nossos sentidos funcionam muito no contraste. Portanto, se a pessoa tem um barulho dentro do ouvido e está em um ambiente silencioso, tudo que seu cérebro perceberá é o zumbido. Com o enriquecimento sonoro, a intenção é tornar o sinal do ruído mais fraco para a percepção cerebral. Vamos habituando o cérebro, desfazendo as alças do sistema nervoso através da neuroplasticidade, para que o indivíduo não perceba mais tão nitidamente o zumbido, e perca as emoções ruins — afirma a médica.

Nesta técnica, sugerimos que o paciente esteja sempre envolto por um som ambiente neutro, um pouco abaixo do som do zumbido, e que seja facilmente ignorado. Muitas vezes, funciona usar os sons da natureza. O importante é que seja um som competidor, capaz de enfraquecer o sinal do zumbido seja enfraquecido.

— Alguns pacientes gostam do som da televisão. Mas ele diminui o incômodo do zumbido porque distrai a atenção para outros fatores. Essa não é bem a proposta da TRT. Os pacientes precisam, na verdade, acostumar-se a não prestar atenção no zumbido apesar de os outros estímulos sonoros estarem sendo ignorados, por isso a indicação de um som neutro — esclarece Patrícia.

Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido (Gapz)

O grupo foi criado, em 1999, pela doutora Tanit Ganz Sanches, professora da USP, atuante no Hospital das Clínicas. Inicialmente concentrado em São Paulo, o Gapz foi ganhando sedes regionais em Salvador, Brasília, Curitiba, Campinas e, em março de 2007, chegou no Rio de Janeiro.

— São marcadas reuniões mensais, toda primeira quinta-feira do mês, sempre no mesmo horário e no mesmo local — às 15h30, no 12° andar do HUCFF, auditório Alice Rosa. O encontro dura duas horas. Primeiro fazemos uma aula expositiva, esclarecendo o assunto com uma linguagem de fácil acesso para os pacientes. A idéia é a cada reunião aprofundar mais um pouco na questão do zumbido, até a discussão do tratamento em si. O segundo momento da reunião fica aberto para as pessoas fazerem as perguntas, e falarem de suas experiências com o zumbido — explica Patrícia.

A médica define o Gapz como uma iniciativa muito interessante que, de fato, ajuda as pessoas a melhorarem. Porque “não adianta o paciente fazer o tratamento com som ambiental, se ele continua com a mesma postura negativa em relação ao zumbido. Alguns pacientes antecipam os momentos ruins. Por exemplo, sabem que a hora de dormir é mais complicada, porque a prevalência do silencio faz destacar o som do zumbido. Mas em ficar com essa idéia fixa na cabeça, de que a noite de sono não será proveitosa por causa do incômodo do zumbido, aí mesmo é que o paciente não consegue relaxar”, finaliza Patrícia.