• Edição 088
  • 5 de julho de 2007

Faces e Interfaces

Chips de neuromemória: realidade ou ainda ficção científica?


Priscila Biancovilli e Kareen Arnhold – Agência UFRJ de Notícias – Centro de Tecnologia

A idéia dos ciborgues – seres metade humanos e metade robóticos – sempre fascinou o mundo. Filmes, seriados, quadrinhos, desenhos animados e outras produções de massa exploram incansavelmente o tema, quase sempre em enredos futuristas, vendendo a esperança – ou o temor - de um dia ser possível a hibridização entre homem e máquina. Em junho deste ano, pesquisadores da Universidade de Tel Aviv demonstraram que neurônios cultivados fora do cérebro podem ser gravados com lembranças rudimentares múltiplas que persistem por dias.

Este resultado auxiliaria na construção de chips de neuromemória que podem, por exemplo, fazer com que deficientes visuais enxerguem e com que deficientes físicos recuperem parte ou todos os seus movimentos. Mas será que o futuro entoado pela ficção científica está mesmo mais próximo da nossa realidade?

Para discutir esta questão, convidamos a professora Bartira Rossi Bergman, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, que pesquisa vacinas e drogas para Leishmaniose, usando ferramentas da nanotecnologia; e o professor José Mauro Brás Lima, do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ.

Bartira Rossi Bergmann

Professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho


“Nanotecnologia é uma ciência multidisciplinar muito vasta, em que o objeto do estudo são as estruturas na escala nanométrica, seja na área da Física (no desenvolvimento da eletrônica), da Medicina (em que se usa sensores ou partículas em escala nanométrica para diagnósticos, terapia.) ou em outras.

Os nanochips – chips que possuem cristais infinitamente pequenos, com propriedades diferentes, variando de acordo com o tamanho, por exemplo –, já são bastante utilizados na Medicina, no que se refere á detecção de doenças. Eles possibilitam diagnósticos sensíveis de doenças, visto que esses cristais são extremamente potentes e podem detectar quantidades ínfimas de soro, por exemplo, do paciente que está sendo analisado.

A potencialidade da nanotecnologia é muito grande. Com os estudos iniciais que temos hoje, que no caso da cegueira, por exemplo, é possível restabelecer a visão, mimetizando a retina com os sensores da luz. Usar chips que conheçam os sinais da luz e os transformem, que passem para os nervos essa informação. Isso é viável, sim. Eu acho que, em termos de memória, é possível saber quais são os mediadores envolvidos no processo de memória para que esses chips consigam detectar esses marcadores e emitir um sinal de forma que eles percebam que há uma alteração.

A tecnologia do nanochip está funcionando bem no que concerne ao estudo com o sistema in vitro, ou seja, quando se tem células cultivadas e se estuda o comportamento delas fora do organismo. Hoje já está sendo possível, também, fazer implantes desses chips no cérebro (ou qualquer outra parte do organismo), em que haverá sensores que detectarão variações bioquímicas em torno das células. Porém, esta tecnologia de nanochip ainda não chegou à fase de estudo clínico; está em uma etapa inicial, sendo aplicada apenas em animais, camundongos.

Também em fase inicial, está a tecnologia de nanochips referente à área de memória, que é extremamente complexa. Eu não sei exatamente o que um chip deveria detectar neste caso. Como os neurônios são ativados quando consomem cálcio, se você coloca-los em uma cultura de células, com sensores que determinem a variação da quantidade dessa substância em volta deles, poderá saber se houve uma sinalização ou não. No entanto, identificar como a excitação de neurônios está interferindo no processo de memória, é algo bastante complexo ainda. Cabe ao neurologista estudar essas células”.

José Mauro Brás Lima

Professor do Instituto de Neurologia Deolindo Couto

“Isso é uma extrapolação de conhecimentos, não pela questão meramente científica. Esta é uma questão maior, de conceitos e de concepção do que é o cérebro. As pessoas que estudam o cérebro humano vêem que existe uma distância muito grande entre esta pesquisa e a realidade. Não se trata simplesmente de um conjunto de neurônios que armazenam informações. Ele está relacionado a algo muito maior, que é o sujeito, o indivíduo, e também o meio psico-social onde vive.

No nosso cérebro, a memória exerce uma função importante, pois é uma habilidade que ele tem de armazenar vivências, mais do que apenas dados isolados. Desta forma, não existe memória em vão, sem sentido ou utilidade. Ela sempre traz alguma vantagem, algum diferencial à performance de um indivíduo, protegendo-o. Hoje, cada vez mais os cientistas percebem que a memória não é algo material, mas funciona como circuitos. O cérebro humano tem na memória a expressão do armazenamento de determinadas vivências que impressionaram o cérebro e o fizeram registrar com circuitos. Estes circuitos não estão em nenhum lugar específico, mas sim no cérebro como um todo. Por exemplo, a lembrança de um fato histórico está ligada a uma carga emocional, a uma carga cognitiva, a uma carga de sobrevivência. Ou seja, a memória é uma forma de guardar experiências que se fazem em forma de circuitos neuronais abertos. Exatamente por isso, cada pessoa terá uma memória particular.

É mais fácil entender a memória como um circuito espalhado pelo cérebro do que como uma gaveta, que armazena tudo num espaço único. Quando se fala em uma cultura de células de memória, quero entender que isto está condicionado a ter determinadas respostas. Comparando este tipo de memória com a humana, fugimos completamente da noção de memória bio-psico-social, que é inerente ao homem. O ser humano pode ser dissociado disto.

Não imagino como seja um chip de neurônios. É difícil acreditar que a memória de um homem possa deixar de receber influências da parte emocional. Muitos cientistas, hoje em dia, podem estar tentando almejar algo que faz parte muito mais da fantasia do que da realidade. Naturalmente, o homem deve sonhar e correr atrás, mas tudo dentro de uma razoabilidade. Embora o computador seja uma máquina fantástica, uma das maiores invenções do homem, ele nunca chegará ao mesmo nível do cérebro.”