Paralisia flácida, dormências, dores musculares de instalação aguda, discreta alteração da sensibilidade nos membros inferiores, abolição dos reflexos. Esses são os sintomas da Síndrome de Guillain-Barré, atualmente, a causa mais comum de paralisia aguda generalizada. Esta doença é também o objeto de pesquisa do grupo coordenado por Marzia Puccioni Sohler, doutora responsável pelo Laboratório de Líquido Cefalorraquidiano do Serviço de Patologia Clínica no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), e por José Mauro Peralta, doutor em Imunologia e chefe do Laboratório de Imunosorologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ.
Iniciado em 2003, após uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro no ano anterior, Marzia revela que o estudo foi incentivado pela suspeita de que a infecção viral podia ser precipitante da síndrome de Guillain-Barré. Esta situação torna-se mais agravante no Brasil justamente por causa da dengue, “uma infecção endêmica no país causada por um arbovírus (o mais comum do mundo), transmitido pelo mosquito Aedes aegypti”. Acredita-se que a invasão deste vírus no organismo humano, ao induzir a produção de anticorpos, pode gerar uma reação auto-imune que vai contra a estrutura que protege a raiz nervosa, a mielina.
Esta pesquisa integra um projeto apoiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para a análise “das manifestações neurológicas e das alterações, na dengue, do líquido cefalorraquidiano – um fluido que reveste o sistema nervoso e que tem sido utilizado como apoio diagnóstico para as enfermidades neurológicas, inclusive a síndrome de Guillain-Barré”, explica Marzia.
A médica detalha que na etapa inicial da pesquisa foram reunidas amostras da síndrome independente da suspeita de infecção pela dengue. Além disso, foram armazenadas as amostras de soro e líquido cefalorraquidiano – colhidas durante a epidemia de dengue em 2002 – com hipótese diagnóstica de manifestações neurológicas na vigência de infecção pela dengue.
Com a colaboração de Cristiane Soares que, então, defendia sua tese de mestrado a respeito deste assunto, as informações clínicas dos pacientes foram detalhadamente avaliadas, junto com o estudo imunológico para dengue nas amostras extraídas de líquido cefalorraquidiano e de soro. Em quatro dos 15 pacientes reunidos existia a hipótese da síndrome estudada em associação com a infecção pelo mosquito Aedes aegypti. A relevância deste processo foi correlacionar as informações clínicas e laboratoriais de pacientes com dengue do sistema nervoso e ampliar os conhecimentos científicos a respeito do tema.
José Mauro enfatiza a necessidade de checar a intervenção de algum componente no Sistema Nervoso Central (SNC) durante ou depois da infecção pelo vírus da dengue. “Isso era pouco investigado. Fazia-se o diagnóstico da dengue, constatava-se a febre, mas depois não havia um acompanhamento mais detalhado do que ocorria depois” – observa o especialista.
Ele é responsável no projeto pela manipulação de novas técnicas de diagnósticos. Estuda mais especificamente o vírus da dengue com a técnica de PCR – reação em cadeia pela polimerase – bastante utilizada atualmente na detecção de doenças virais. “Este procedimento permite pegar um vírus e multiplicá-lo para uma melhor observação. Assim, é possível amplificar o DNA viral para, então, conseguir o diagnóstico”, esclarece o pesquisador.
– Para eliminarmos a influência de outras infecções virais, tal como a herpes, na manifestação da Síndrome de Guillain-Barré, fizemos uma observação detalhada dos anticorpos presentes nos indivíduos estudados. Em sete casos, pudemos constatar uma forte correlação entre a infecção por dengue e a síndrome porque encontramos nos pacientes altos índices de anticorpos IgM específicos dos Aedes aegypti – explica José Mauro. Ele continua detalhando que o organismo humano tem duas respostas imunológicas, uma de anticorpos IgG, característico de doenças mais antigas que o indivíduo tenha contraído ao longo da vida, e o IgM, importante no estudo porque revela a presença recente de uma infecção, no caso, a dengue.
A Síndrome de Guillain-Barré
Marzia esclarece que esta síndrome é uma doença inflamatória das raízes nervosas de instalação aguda e que ocorre em todas as idades, sendo predominante entre 16 a 25 anos e entre 45 a 65 anos. Evolui em cerca de sete a dez dias, segue por uma fase de estabilidade, de duas a quatro semanas e, finalmente, a recuperação, de duas a três semanas. Segundo José Mauro, o indivíduo fica na cama, paralisado devido a uma fraqueza muscular que o impede de se sustentar em pé.
– Em geral, o quadro é auto-limitado e a recuperação é completa. Entretanto, seqüelas do tipo paralisias e atrofia muscular podem ocorrer. Os casos de pior prognóstico são aqueles que evoluem com a paralisia ascendente e com o comprometimento dos nervos cranianos inferiores. Hoje, a morte raramente ocorre, considerando a adequada assistência médica em centro de tratamento intensivo dos casos que evoluem com insuficiência respiratória – explica Marzia.
A médica continua explicando a conclusão da pesquisa. Revela que “a infecção pela dengue pode ser oligossintomática, o que dificulta o diagnóstico das manifestações neurológicas associadas a esta infecção, inclusive da Síndrome de Guillain-Barré”. Ainda assim, os estudos indicaram a necessidade de, nas áreas endêmicas, avaliar através de testes imunológicos os casos de dengue como possível fator precipitante da síndrome.
– A importância do nosso trabalho é justamente alertar neurologistas e clínicos que é imprescindível observar melhor os pacientes diagnosticados por dengue. É preciso estar alerta de que esses indivíduos podem vir a desenvolver a síndrome de Guillain-Barré – destaca José Mauro.
Premiação
O grupo de pesquisadores coordenados por Marzia e José Mauro recebeu recentemente o Prêmio Austregésilo do comitê da Academia Nacional de Medicina. Segundo eles, a premiação foi um importante reconhecimento e um estímulo a continuar o estudo.