• Edição 088
  • 5 de julho de 2007

Ciência e Vida

Da dengue para a paralisia flácida

Stéphanie Garcia Pires

Paralisia flácida, dormências, dores musculares de instalação aguda, discreta alteração da sensibilidade nos membros inferiores, abolição dos reflexos. Esses são os sintomas da Síndrome de Guillain-Barré, atualmente, a causa mais comum de paralisia aguda generalizada. Esta doença é também o objeto de pesquisa do grupo coordenado por Marzia Puccioni Sohler, doutora responsável pelo Laboratório de Líquido Cefalorraquidiano do Serviço de Patologia Clínica no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ), e por José Mauro Peralta, doutor em Imunologia e chefe do Laboratório de Imunosorologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ.

Iniciado em 2003, após uma epidemia de dengue no Rio de Janeiro no ano anterior, Marzia revela que o estudo foi incentivado pela suspeita de que a infecção viral podia ser precipitante da síndrome de Guillain-Barré. Esta situação torna-se mais agravante no Brasil justamente por causa da dengue, “uma infecção endêmica no país causada por um arbovírus (o mais comum do mundo), transmitido pelo mosquito Aedes aegypti”. Acredita-se que a invasão deste vírus no organismo humano, ao induzir a produção de anticorpos, pode gerar uma reação auto-imune que vai contra a estrutura que protege a raiz nervosa, a mielina.

Esta pesquisa integra um projeto apoiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para a análise “das manifestações neurológicas e das alterações, na dengue, do líquido cefalorraquidiano – um fluido que reveste o sistema nervoso e que tem sido utilizado como apoio diagnóstico para as enfermidades neurológicas, inclusive a síndrome de Guillain-Barré”, explica Marzia.

A médica detalha que na etapa inicial da pesquisa foram reunidas amostras da síndrome independente da suspeita de infecção pela dengue. Além disso, foram armazenadas as amostras de soro e líquido cefalorraquidiano – colhidas durante a epidemia de dengue em 2002 – com hipótese diagnóstica de manifestações neurológicas na vigência de infecção pela dengue.

Com a colaboração de Cristiane Soares que, então, defendia sua tese de mestrado a respeito deste assunto, as informações clínicas dos pacientes foram detalhadamente avaliadas, junto com o estudo imunológico para dengue nas amostras extraídas de líquido cefalorraquidiano e de soro. Em quatro dos 15 pacientes reunidos existia a hipótese da síndrome estudada em associação com a infecção pelo mosquito Aedes aegypti. A relevância deste processo foi correlacionar as informações clínicas e laboratoriais de pacientes com dengue do sistema nervoso e ampliar os conhecimentos científicos a respeito do tema. 

José Mauro enfatiza a necessidade de checar a intervenção de algum componente no Sistema Nervoso Central (SNC) durante ou depois da infecção pelo vírus da dengue. “Isso era pouco investigado. Fazia-se o diagnóstico da dengue, constatava-se a febre, mas depois não havia um acompanhamento mais detalhado do que ocorria depois” – observa o especialista.

Ele é responsável no projeto pela manipulação de novas técnicas de diagnósticos. Estuda mais especificamente o vírus da dengue com a técnica de PCR – reação em cadeia pela polimerase – bastante utilizada atualmente na detecção de doenças virais. “Este procedimento permite pegar um vírus e multiplicá-lo para uma melhor observação. Assim, é possível amplificar o DNA viral para, então, conseguir o diagnóstico”, esclarece o pesquisador.

– Para eliminarmos a influência de outras infecções virais, tal como a herpes, na manifestação da Síndrome de Guillain-Barré, fizemos uma observação detalhada dos anticorpos presentes nos indivíduos estudados. Em sete casos, pudemos constatar uma forte correlação entre a infecção por dengue e a síndrome porque encontramos nos pacientes altos índices de anticorpos IgM específicos dos Aedes aegypti – explica José Mauro. Ele continua detalhando que o organismo humano tem duas respostas imunológicas, uma de anticorpos IgG, característico de doenças mais antigas que o indivíduo tenha contraído ao longo da vida, e o IgM, importante no estudo porque revela a presença recente de uma infecção, no caso, a dengue.

A Síndrome de Guillain-Barré

Marzia esclarece que esta síndrome é uma doença inflamatória das raízes nervosas de instalação aguda e que ocorre em todas as idades, sendo predominante entre 16 a 25 anos e entre 45 a 65 anos. Evolui em cerca de sete a dez dias, segue por uma fase de estabilidade, de duas a quatro semanas e, finalmente, a recuperação, de duas a três semanas. Segundo José Mauro, o indivíduo fica na cama, paralisado devido a uma fraqueza muscular que o impede de se sustentar em pé.

– Em geral, o quadro é auto-limitado e a recuperação é completa. Entretanto, seqüelas do tipo paralisias e atrofia muscular podem ocorrer. Os casos de pior prognóstico são aqueles que evoluem com a paralisia ascendente e com o comprometimento dos nervos cranianos inferiores. Hoje, a morte raramente ocorre, considerando a adequada assistência médica em centro de tratamento intensivo dos casos que evoluem com insuficiência respiratória – explica Marzia.

A médica continua explicando a conclusão da pesquisa. Revela que “a infecção pela dengue pode ser oligossintomática, o que dificulta o diagnóstico das manifestações neurológicas associadas a esta infecção, inclusive da Síndrome de Guillain-Barré”. Ainda assim, os estudos indicaram a necessidade de, nas áreas endêmicas, avaliar através de testes imunológicos os casos de dengue como possível fator precipitante da síndrome.

– A importância do nosso trabalho é justamente alertar neurologistas e clínicos que é imprescindível observar melhor os pacientes diagnosticados por dengue. É preciso estar alerta de que esses indivíduos podem vir a desenvolver a síndrome de Guillain-Barré – destaca José Mauro.

Premiação

O grupo de pesquisadores coordenados por Marzia e José Mauro recebeu recentemente o Prêmio Austregésilo do comitê da Academia Nacional de Medicina. Segundo eles, a premiação foi um importante reconhecimento e um estímulo a continuar o estudo.