• Edição 084
  • 06 de junho de 2007

Faces e Interfaces

Computador biológico: um modelo experimental

Amanda Wanderley - Agência UFRJ de Notícias- Praia Vermelha

Pesquisadores israelenses criaram um novo tipo de computador de DNA que funciona em células humanas, e que talvez abra caminho para uma tecnologia capaz de separar células doentes de um tecido saudável. O objetivo é fazer com que o DNA injetado em células humanas seja capaz de diagnosticar uma célula cancerosa ou doente tomando como base a composição molecular da célula.

Para discutir a eficácia da nova tecnolgia ouvimos os especialistas da UFRJ Franklin David Rumjaneck, diretor do Instituto de Bioquímica Médica e Ane Nunes, pesquisadora de Pós-doutorado do Laboratório de Fisiologia Renal, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.   

Franklin David Rumjaneck

Diretor do Instituto de Bioquímica Médica


"O grupo de pesquisa que desenvolveu o chamado 'computador' de DNA está interessado basicamente na parte de informática, em fazer um equivalente com qualquer célula que possa ser usado como um modelo experimental, por exemplo, a célula humana. Eu não acredito que eles queiram transformar a célula em um computador no sentido popular da noção desse equipamento. O objetivo não é construir computadores à base de DNA. A intenção é fazer os processos que acontecem no interior da célula, já que esses se assemelham em muitas situações a um computador.

As células parecem obedecer à lógica que é usada para construção de circuitos lógicos em computador. Isso quer dizer que a célula pode responder de uma maneira condicional a um determinado estímulo, conforme o computador. Ela pode ter uma resposta que pode ser considerada uma resposta dentro da álgebra utilizada em circuitos lógicos, a partir de condições de programação. Nesse sentido a célula se assemelha a um computador porque ela tem respostas parecidas com as de um computador.

A informação está contida no DNA, nos genes. O gene transcreve o RNA que se transforma em um RNA mensageiro (RNAm). O que esse grupo fez foi acrescentar as células a alguns marcadores na forma de RNAm que tem um código em sua seqüência que corresponde a uma proteína. Logo, a proteína é formada em função de uma informação que existe no RNAm que por sua vez vem do DNA. Então, sabendo que essa informação do DNA vai ser decodificada em proteína e que muitas vezes essa proteína dá a célula o fenótipo celular, a aparência, essa técnica pode ser utilizada na identificação de patologias.

Na doença, o fenótipo pode estar alterado produzindo mais ou menos uma determinada substância. O grupo de pesquisa fez uma série de RNAs diferentes e usaram essa ferramenta para medir como a célula se comporta e eles chegaram a conclusão que podiam prever o comportamento da célula em função do experimento feito dentro das restrições de pouca complexidade que eles usaram para abordar esse processo. A conclusão deles é que a célula pode se comportar como um computador e que é possível dar a ela dispositivos que façam que ela responda de formas específicas e reconhecíveis.

A aplicabilidade esperada do computador de DNAs é em diagnósticos. Isso ainda não foi feito. Até agora as pesquisas relacionadas a essa técnica só foram realizadas em cultura, não houve testes em células de um individuo com suspeitas de ter uma doença genética. A possibilidade da abordagem dessa técnica em diagnósticos foi identificada. E os pesquisadores vão além, quando todo esse processo for mapeado e dominado do ponto de vista técnico, nós poderemos também interferir nele.

Quando diagnotiscarmos algo produzido em excesso, poderemos injetar algum produto que pára essa produção. Mas, no momento, os pesquisadores só mostraram que a célula pode responder de uma forma previsível com relação ao que eles estão transfectando na célula, determinando através do tipo de RNA utilizado.

A linguagem do artigo publicado é de informática, descreve circuitos lógicos. Provavelmente, dentre esses pesquisadores, há bioinformatas, especialista em biologia molecular, bioquímica e linguagem de computação".

Ane Nunes

Pesquisadora de Pós-doutorado do Laboratório de Fisiologia Renal, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho

"Não podemos confundir computador de DNA com o chip de DNA. Esse último é uma técnica utilizada em biologia molecular para avaliar simultaneamente vários pontos do DNA. Essas terminologias que nós adotamos de outras áreas, nesse caso, das ciências da computação, acabam gerando no imaginário leigo essa confusão.

O termo ´computador de DNA´ também pode confundir as pessoas. Seria o computador de DNA um equipamento doméstico, com teclado, cpu, movido a DNA? Não, por enquanto não é isso. Na verdade, é uma sopinha de moléculas combinadas que pode ser injetada dentro de uma cultura de células e essas moléculas são capazes de identificar determinada reação química, perceber que ela não está adequada e eventualmente promover uma correção. Esse processo é natural do DNA no organismo: para toda mutação existe um mecanismo de reparo potencial.

As ciências da computação abraçaram essa idéia como um modelo de análise porque o DNA, em uma idéia bem filosófica, seria o melhor computador possível, pois é uma máquina biológica que diante de um problema, reconhece-o e corrigi-o, ou seja, é auto-suficiente. Tanto é que como modelo biológico deu certo. A fórmula de combinar reações, reconhecer e corrigir defeitos funcionou, tendo em vista toda a evolução partindo da primeira célula até os organismos mais complexos de hoje.

O que chama atenção nesses computadores é que o DNA, como uma molécula capaz de armazenar informação e capaz de transmiti-la, gira em um sistema quaternário: armazena informações em combinações distribuídas de quatro em quatro, que são os nucleotídeos – ATCG. É uma análise combinatória que tem como base quatro possibilidades iniciais que podem se auto-combinar entre si, gerando diferentes informações. Isso por si só é muito mais do que o mecanismo básico que rege a computação, tal como temos hoje, baseada no modelo binário – combinações de 1 e 0. O computador lê nossas informações, transformando-as  armazenando-as em códigos binários. Toda vez que quero buscar dados na memória do meu computador, ele fará buscas binárias por tentativa e erro. Daí que vem a idéia de velocidade de computador, nós temos processadores com velocidades ótimas, mas ainda assim utilizam o mecanismo de busca binário, é limitado.

Além disso, há outro viés: a velocidade para encontrar informações simultaneamente. A capacidade de busca do computador é linear, se quisermos procurar dois arquivos ao mesmo tempo, não conseguiremos. Primeiro ele buscará um, para depois buscar o outro.
A célula consegue fazer isso. Simultaneamente, ela é capaz de gerenciar uma série de questões metabólicas. É absurdamente rápida a velocidade com que as reações metabólicas ocorridas no nosso organismo acontecem. Nenhuma máquina consegue atingir essa velocidade e o que se acredita é que isso se dá pelo mecanismo de busca simultânea. Daí surgiu a idéia de usar essa molécula para transformá-la em uma máquina.

Acredito que essa nova tecnologia não será pulverizada. Como ela tem a capacidade de reconhecer e resolver problemas, quem se beneficiará muito disso serão as ciências biomédicas, em especial a Oncologia. Área que mais tem dificuldades de encontrar um mecanismo pelo qual se consegue reconhecer o não próprio (tumor) e diante disto, pensar em uma estratégia para removê-lo. A idéia dos computadores de DNA é aproveitar esse raciocínio biológico e transformá-lo em um veículo de finalidade terapêutica.

Sei que pesquisadores têm criado células em cultura capazes de responder a determinados estímulos e gerar outros. Processo que tangencia o que coloquialmente se chama de inteligência artificial, que é a criação artificial de uma molécula capaz de reconhecer comandos, independente do inicial. Existem softwares que a partir de uma repetição de imagens conseguem distinguir um padrão de tecido normal de tecidos patológicos. Se imagens analisadas fogem do padrão normal, ele chama atenção para elas, podendo com o tempo, dar o diagnóstico.

O quanto isso vai crescer é perigoso dizer, mas não tem porque não arriscar, em vista da velocidade que a ciência evoluiu nas últimas décadas. A finalização do projeto Genoma era previsto para 15 anos, em cinco anos conseguiram finalizar. É possível dizer que em três anos não haja aplicabilidade terapêutica para o computador de DNA, mas impossível dizer que em 15 anos isso não aconteça.”


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