• Edição 081
  • 17 de maio de 2007

Saúde em Foco

Exame de sangue tende a reduzir uso da biópsia hepática

Paula Lourenço

Os portadores de hepatite C, de esquistossomose ou das duas doenças conjuntamente poderão saber qual o grau de fibrose (lesão) que apresentam no fígado por meio de simples dosagens sorológicas de rotina laboratorial. Essas dosagens servirão, possivelmente, para avaliar o prognóstico e o tratamento dos pacientes contra as duas enfermidades. O primeiro passo para que essa prática se torne realidade, reduzindo o uso da biópsia hepática, no caso de pacientes com hepatite C ou co-infectados com esquistossomose e hepatite C, foi dado por um estudo desenvolvido no Departamento de Imunologia do Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco.

As dosagens de marcadores biológicos no soro dos pacientes com essas doenças poderão detectar o grau de fibrose e atividade inflamatória no fígado, assim como ocorre com testes comuns de sangue para dosagem de colesterol, por exemplo. Para avaliar que marcadores melhor se relacionavam com a identificação do grau da fibrose, a biomédica Clarice Lins de Morais precisou estudar algumas enzimas do fígado (marcadores bioquímicos). Foram elas: bilirrubinas, transaminases e fosfatase alcalina, que se elevam durante o processo de fibrose e inflamação do fígado. Além disso, analisou quatro citocinas: IL-13 e TGF-ß, que estimulam a produção de colágeno e com isso estão envolvidas na formação da fibrose; IFN-?, com papel antifibrótico; e TNF-a, cuja ação é inflamatória.

Cada marcador foi avaliado individualmente, em laboratório, e seus níveis foram comparados com os graus de fibrose obtidos por meio de biópsias hepáticas e exames ultra-sonográficos. Os testes foram realizados em 95 pacientes selecionados no Ambulatório de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O total de voluntários dividiu-se em três grupos: um formado por 37 portadores de hepatite C, outro por 23 portadores de esquistossomose e um último por 19 pacientes com hepatite C e esquistossomose. Além desses, houve um grupo de 13 pacientes sadios (grupo de controle), para averiguar as variações biológicas normais. Os voluntários foram alvos da pesquisa de janeiro de 2004 a dezembro de 2006.

Com a aplicação dos possíveis marcadores biológicos de fibrose espera-se diminuir a realização de biópsia hepática no paciente portador de hepatite C, que hoje é obrigatória, dependendo do grau da atividade inflamatória e da fibrose, para que o Ministério da Saúde libere os medicamentos necessários ao tratamento, que chega a durar um ano dependendo do tipo de vírus. “A biópsia hepática é um procedimento de risco. O paciente tem que ficar internado, receber anestesia local, pode ocorrer sangramento e o processo implica dor”, argumenta Clarice. A fibrose provocada por hepatite C pode atingir do grau 0 ao 4 (cirrose), conforme a classificação Metavir. A partir do grau 2, com nível de atividade inflamatória também 2 (pode ir de 0 a 3), o paciente já é indicado para tratamento anti-viral.

“No caso da esquistossomose, o paciente não sofre intervenção da biópsia. No entanto, o principal benefício do exame será fazer o prognóstico da doença e avaliar a regressão da fibrose pós-tratamento”, argumentou a biomédica. A fibrose nesse tipo de doença é avaliada por meio de exame ultra-sonográfico pela classificação do Cairo, que varia do grau 1 ao grau 3.

A pesquisadora explica, ainda, que exames de sangue simples para as dosagens de marcadores que possam diagnosticar o grau de fibrose nos portadores de hepatite C e esquistossomose poderão reduzir riscos e custos, em relação a uma biópsia hepática. Além disso, a proposta não requer mão-de-obra especializada, como clínicos e patologistas. Porém, para o método atingir o estágio de aplicação prática no laboratório de rotina serão necessários estudos prospectivos posteriores para validação de um índice de marcadores para fibrose com um maior número de pessoas. “Na França, há uma equipe que já está em fase avançada de alguns marcadores de fibrose, mas apenas para a hepatite C. E os pacientes daquele país possuem vírus de outros genótipos diferentes dos encontrados no Brasil”, frisa Clarice.

O trabalho da biomédica contou com a colaboração dos professores Ana Lúcia Domingues, responsável pelo Ambulatório de Esquistossomose do HC, e Edmundo Lopes, chefe do Ambulatório de Hepatites também do HC. Intitulado Avaliação da relação entre marcadores biológicos e graus de fibrose no complexo hepatite C e esquistossomose, o estudo resultou na tese de doutorado em saúde pública do CPqAM, que será defendida em 25 de maio, sob a orientação de Silvia Montenegro e de Frederico Abath (em memória), do Departamento de Imunologia do Centro.

Link Original: http://www.fiocruz.br/ccs/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=986&sid=9