• Edição 074
  • 29 de março de 2007

Saúde em Foco

Pacientes tomam remédios não-testados

Revista científica 'Nature' alerta para compra de drogas contra o câncer sem aprovação. Testes em camundongos divulgados em janeiro deram esperança a milhares.

Do G1, em São Paulo

Pacientes com câncer estão tomando remédios que ainda não foram testados para uso em seres humanos, alerta reportagem da revista científica britânica “Nature” nesta semana. Drogas que funcionaram em  camundongos estão sendo compradas pela internet e tomadas sem acompanhamento médico. Os cientistas alertam que a prática é arriscada – 95% dos remédios que entram em testes em humanos não são aprovados, ou porque não funcionam, ou porque fazem mal à saúde.

Em janeiro deste ano, um trabalho feito na Universidade de Alberta em Edmonton, no Canadá, mostrou que um composto conhecido como dicloroacetato (DCA) reduz tumores em ratos sem qualquer efeito colateral nos tecidos saudáveis (saiba mais aqui). A descoberta foi comemorada. Ao dar a notícia, a revista americana “Newsweek” afirmou: “se existir uma bala mágica, será algo como o dicloroacetato.”

A boa notícia dos testes em roedores ainda precisa ser confirmada em testes clínicos, mas a pesquisa enfrenta barreiras porque o DCA é uma molécula que existe há alguns anos e não pode ser patenteada. Por isso, as empresas farmacêuticas não têm interesse em fabricar o remédio.

Foi o que bastou para começar uma corrida de pacientes buscando um pouco de esperança. Enquanto os testes clínicos do DCA não desempacam, eles assumem os riscos e estão comprando o remédio, sintetizado em um laboratório caseiro e vendido na internet.

A polêmica reacende uma velha discussão da pesquisa contra o câncer. Remédios de sucesso no laboratório, mas que não passaram por testes em humanos, podem ser prescritos para pacientes em estado terminal? Dos dois lados da discórdia, há a esperança de se salvar vidas. Os médicos temem efeitos colaterais perigosos e imprevisíveis nas drogas não-testadas. Os pacientes afirmam que o risco vale a pena e que eles não tem nada a perder.

Os passos que levam uma droga do laboratório aos hospitais são longos e podem levar anos. O sucesso de uma droga em cobaias não significa que ela não fará mal a seres humanos. É por isso que os testes são feitos com tanto cuidado. Entre um trabalho com animais e um com seres humanos, há muitas dúvidas que precisam ser esclarecidas, para não causar riscos à saúde. Os próprios testes com pacientes são processos demorados. O que parece lentidão para quem está a procura de uma esperança é cuidado. Vidas estão em jogo.

O DCA está sendo vendido na internet por Jim Tassano, dono de uma empresa de controle de pragas na Califórnia, que sintetizou a molécula em casa, com a ajuda de um amigo químico, para ajudar seu instrutor de dança de salão, vítima da doença. Tassano possui dois sites. Em um, dá informações sobre o medicamento. No outro, vende, dizendo que é para uso veterinário, já que o remédio não tem autorização do governo dos Estados Unidos para ser vendido para seres humanos.

O americano diz que tem certeza de que há pessoas comprando a droga para uso próprio – algumas até relatam seus progressos no site. Segundo ele, centenas de pessoas, do mundo todo, já compraram dele. Algumas agora planejam organizar uma base de dados para relatar seus resultados - uma espécie de teste clínico informal.

Os autores do estudo se dizem preocupados. Testes anteriores foram interrompidos porque alguns pacientes relataram danos nos nervos. Sem um grupo de controle para comparação, não há como comprovar qualquer avanço. Além disso, o DCA que eles estão tomando pode não ser o próprio para uso farmacológico e conter impurezas perigosas.

“Isso está destruindo os esforços de fazer o trabalho da maneira certa”, disse à Nature o autor do estudo de janeiro, Evangelos Michelalis. “De qualquer maneira que você encare isso, é um desenvolvimento negativo”. Segundo os especialistas, esse tipo de iniciativa desestimula a participação em testes clínicos oficiais. Os resultados também são pouco confiáveis, porque os pacientes estão desesperados para ver resultados.

O órgão americano responsável pela regulação de remédios, a Administração de Alimentos e Drogas (FDA, na sigla em inglês), disse que vai averiguar o assunto.

28/03/2007 - 18h20

http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL15320-5603-71,00.html