• Edição 074
  • 29 de março de 2007

Faces e Interfaces

Divã eletrônico

Julianna Sá e Mariana Borgerth, da AgN/PV

No mundo inteiro, a proliferação de serviços oferecidos on-line não é novidade. A gama de possibilidades para execução de tarefas simples que vão, desde compras, até leitura de livros inteiros disponíveis na Internet é uma prática cada vez mais corriqueira. No entanto, não é somente a aquisição de produtos que vêm despertando o interesse de quem navega na rede. A exemplo de serviços de eficácia e credibilidade já questionados, como o ensino à distância, por exemplo, começa a se destacar no Brasil a terapia on-line, ou cyberterapia, como pode ser intitulada. A prática, que consiste no atendimento dos pacientes por meio digital, com auxílio de aparatos tecnológicos, via web, já sofreu proibições por órgãos reguladores da profissão e tem gerado adesão e polêmica, por parte dos pacientes e profissionais da área.
           
Realidade em outros países, no Brasil a nova forma de atendimento psicoterapêutico, que crescia em proporções expressivas, sofreu restrições por parte do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e atualmente só pode ser praticada para fins de pesquisa, sem custo ao cliente, dependendo, inclusive, da autorização desse para o uso dos resultados em estudos. É necessário, também, que o profissional apresente um pré-projeto sujeito à aprovação. Apesar de cerceado, ainda é possível encontrar ajuda nos sites que, para escaparem das regras, abdicam do termo “tratamento” para oferecer “conselhos” aos interessados. Os serviços oferecidos são diversos, podendo ir desde a interpretação de sonhos, ao tratamento e orientação ao paciente. Os métodos utilizados também variam; alguns atendem através da troca de e-mails; outros vão mais longe e lançam mão de tecnologia avançada, com o uso, inclusive, de videoconferências, introduzindo, portanto, som e imagem ao atendimento.

As críticas são inúmeras e se referem a diversos pontos, principalmente no que diz respeito à necessidade do contato direto com cliente. Já a defesa é feita a partir de argumentos que utilizam a regulamentação do modelo no exterior como respaldo e sugerem que os avanços tecnológicos já podem simular um contato real.  Diante do embate criado acerca da eficiência da terapia on-line, o Olhar Vital convidou dois especialistas para tratarem do assunto.


Edson Saggese

Psicanalista e professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

“Na polêmica sobre a psicoterapia on-line o primeiro aspecto que chama atenção é a afirmação de que a comodidade de tratar o emocional em casa está conquistando pacientes. Seria comodidade algo a ser privilegiado quando se busca uma psicoterapia? Talvez essa questão corresponda a uma característica da sociedade contemporânea que se inclina a acreditar que o sofrimento inerente à vida seria alguma coisa que poderia ser evitado ou facilmente superado. Dessa forma proliferam, não só inúmeros tipos de terapia, como variadas promessas de superação rápida e fácil das dores emocionais através de medicação, dietas e outros processos médicos ou pedagógicos.

Não é recente a busca humana pela felicidade, mas é nova a expectativa que viver permanentemente bem seria, com a ajuda da ciência, uma tarefa fácil. Nesse contexto, quem vende facilidades sempre encontra comprador. Este parece ser, ao menos em parte, o caso da terapia on-line.

É possível prestar a alguém ajuda a distância, mas daí a formalizar um tratamento psicoterápico é muito ambicioso. A transcrição de um pretenso tratamento bem sucedido soa bastante simplificado quando se trata de um processo realmente terapêutico. A terapia analítica é muito mais complexa, envolve uma relação com o analista – a transferência – para a qual a eficácia da sua presença apenas virtual está longe de ter sido assegurada.

Acredito que manter a exploração da psicoterapia on-line no terreno da pesquisa e sem fins lucrativos é a melhor opção no momento. Rechaçá-la liminarmente seria também incorrer num erro, que o poeta denuncia quando canta que “a mente apavora o que ainda não é mesmo velho/ Nada do que não era antes quando não somos mutantes”."

Maria Tavares Cavalcanti

Professora adjunta do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFRJ e diretora clínica do IPUB.

“Há alguns anos fui a um Congresso na Organização Mundial de Saúde em Genebra sobre psicoterapias e lá foi apresentado um programa para tratamento de depressão on line, seguido de amplo e caloroso debate. Havia os partidários da nova técnica “revolucionária” de terapia que poderia atingir milhões de pessoas, citando inclusive estudos controlados que comprovariam a eficácia deste tipo de terapia e aqueles mais “reacionários”, entre os quais eu me incluía, que apresentavam inúmeras críticas a esse tipo de terapia via computador, questionando a validade e mesmo a possibilidade de se fazer terapia mediada por uma máquina. É claro que é preciso entender do que está se falando. Estamos falando de programas estruturados de terapia, feitos através de módulos, com questões, exercícios, etc., para a pessoa ir respondendo, o que se enquadraria muito mais em uma pedagogia do que em uma clínica, ou estamos falando de duas pessoas conversando através do computador, com encontros repetidos, marcados, etc., ou seja, aonde uma relação entre duas pessoas possa se estabelecer?

Mesmo nesse segundo formato, tenho muitas dúvidas a respeito desse tipo de terapia. Mas como estamos em tempos de intensas transformações, vejo muitos jovens, por exemplo, se relacionado e construindo amizades, namoros etc. via internet, não sei até que ponto isso poderá vir a influenciar os formatos de terapias, mas em princípio considero essencial, para que uma terapia se dê, o Encontro entre terapeuta e paciente, visto que é a partir dele que o laço transferencial, fundamental para que possamos falar em terapia, possa vir a se fazer.

Não há como justificar a necessidade de um distanciamento que possa favorecer o atendimento porque não é de distanciamento que se trata em uma terapia, mas em lugares diferenciados ocupados pelo terapeuta e paciente.

Sem a Presença nada pode se passar. Sem o Encontro nada pode ocorrer. Encontro, que se entenda bem, também não é garantido apenas porque duas pessoas se encontram no mesmo setting. Eu posso estar sem estar. Então quando falamos em Presença, estamos falando de algo diferente do simples estar diante de um outro. Estamos falando da criação de um espaço transferencial aonde algo possa se passar e ser dito. A partir desse espaço transferencial, não preciso muitas vezes estar na presença física do paciente para que uma intervenção tenha o seu efeito. Por vezes os pacientes psicóticos, por exemplo, necessitam apenas que falemos com eles por telefone, um minuto que seja, para que uma tranqüilização se dê. Mas isso só é possível se este espaço transferencial já estiver sido construído através de uma relação no espaço e no tempo.
No que diz respeito aos avanços tecnológicos, independente do uso de aparatos para simulação do real, não acredito que possa funcionar da mesma forma que um atendimento com presença, pois, em minha opinião, a terapia não tem como prescindir da presença. Guardadas as devidas diferenças, seria o mesmo que dizer que o namoro virtual é exatamente a mesma coisa que o namoro real.

Não sou favorável a essa prática. Uma coisa é o aconselhamento, a pedagogia, outra coisa é a clínica, a terapia.

Quanto ao favorecimento do tratamento para os pacientes com dificuldade de comunicação com o profissional da área, creio que a internet pode favorecer os encaminhamentos, mas não substituir o encontro com o terapeuta. Aqui mesmo no IPUB, recebemos muitos pedidos de orientação, de encaminhamento via internet (e-mails) e isso pode ser feito através da internet sem problemas. Mas há uma distância enorme entre isso e o desenrolar de uma terapia.

Isso, a meu ver, vale para toda a medicina. É como se disséssemos que podemos tratar de um paciente prescindindo da relação médico-paciente, reduzindo em muito a função e o papel do médico nesse tratamento.”