• Edição 068
  • 25 de janeiro de 2007

Faces e Interfaces

Hipnoterapia: alívio rápido da dor?

Fabíola Ortiz - Agn / Praia Vermelha

A hipnose é a solução mais rápida para pessoas atarefadas e apressadas, sem tempo para a vida pessoal? Quais os benefícios que a prática da hipnose apresenta? Ela tem alguma validação científica e prática para os pacientes?

A hipnose moderna é muitas vezes indicada para tratamentos clínicos e psicológicos como depressão, ansiedade, stress, além de construir a auto-estima, mudar hábitos, parar de fumar, melhorar a memória e modificar problemas comportamentais em adultos e crianças.

A hipnoterapia pode acelerar o processo de terapia e encurta o tempo de tratamento. As áreas em que a hipnose pode apresentar bons resultados são: problemas de aprendizagem, transtorno obsessivo compulsivo, stress pós-traumático, anorexia, síndrome do pânico, dor, impotência, gagueira, insônia, sonambulismo, além de preparar para entrevistas de emprego, provas escolares, testes de direção, papéis dramáticos e competições esportivas.

Tendo surgido em fins do século XIX, os primeiros experimentos da hipnose foram realizados por Freud ao desenvolver a psicanálise, Charcot na Inglaterra e Pavlov na Rússia. Durante a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, ela foi utilizada como agente anestésico e formas de tratamento de neuroses traumáticas de guerra.

No Brasil a prática da hipnose é regulamentada por decreto sendo seu exercício profissional restrito aos profissionais médicos. Ela está presente em quase todas as especialidades médicas e tem sido utilizada a fim de reduzir o uso de medicamentos, tensões e ansiedades que chega a ser recomendada por psiquiatras, clínicos e psicólogos, como terapia coadjuvante em diversas patologias.

Essa prática, porém, ainda gera muitas desconfianças por parte profissionais da saúde. A fim de ampliar a discussão sobre a hipnoterapia e seus benefícios, o Olhar Vital convidou o aluno graduando George de Oliveira Santos do Instituto de Psicologia (IP/UFRJ), com formação no Instituto Brasileiro de Hipnose Aplicada no Rio de Janeiro (IBHA), e o diretor do Instituto de Psiquiatria (IPUB), Márcio Valadares Versiani.

 

George de Oliveira Santos

Aluno graduando em Psicologia pelo IP e em Licenciatura em Psicologia pela Faculdade de Educação (FE); foi aluno e estagiário do IBHA. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Tratamento e Prevenção Psicológica.

“Eu não sei se a hipnose é uma solução mais rápida para as demandas que as pessoas apresentam hoje em dia. O processo terapêutico na área da psique é muito raramente um processo rápido. Existem as psicoterapias breves, mas não são inferiores do que três a quatro meses.

Existe a diferença entre a hipnose sintomática que é pontual e a hipnose terapêutica. A primeira atua para aliviar e contornar os sintomas, mas eles geralmente reaparecem depois. Há uma resistência das pessoas em procurar profissionais gabaritados e, por outro lado, existe uma grande procura por soluções miraculosas e imediatas. A hipnose pode até fornecer esse tipo de ajuda, mas não é o indicado.

O grande salto da hipnose, a partir da metade do século XX, é acabar com a idéia de que a hipnose foi feita para aliviar sintomas. Ela também alivia, pois atua com os estados alterados da pessoa, nível de lembranças e memórias. A hipnose contorna a dificuldade de lembrar um fato da infância, por exemplo.

Trabalha-se com uma capacidade maior de assimilação por parte do paciente. Ela é um tipo de atividade neurológica, um estado de funcionamento do cérebro. A princípio, a hipnose não é um fim nem uma técnica com abordagem terapêutica, ela é uma ferramenta utilizada para ganhar um plus, um diferencial na aplicação da técnica em tratamentos clínicos, psicológicos e de enfermidades.

Por exemplo, hoje está em moda a terapia cognitivo-comportamental que trata de sintomas exigindo uma pequena investigação do paciente. Essa terapia tem determinadas vantagens e quando empregada a hipnose, o tempo de tratamento pode ser abreviado.

Com a hipnose pode-se tratar qualquer tipo de dificuldade psicossomática, ou seja, problemas da mente que se refletem no corpo – coceira, dor de cabeça, hipertensão, angina ou dor no peito. Além de problemas de ansiedade, estresse elevado, vícios (toxicomania), inclusive a depressão. No caso da depressão não basta tratar só com terapia ou só com medicamentos, tem que ser os dois ao mesmo tempo. O ideal é ter uma abordagem multidisciplinar.

Uma sessão de terapia é exatamente igual a todas as outras, a diferença é que o profissional vai utilizar a hipnose para atingir um resultado, fazer uma investigação ou regressão de memória. A regressão de memória é uma ferramenta muito útil da hipnose, infelizmente é confundida com a terapia de vidas passadas, seu funcionamento ainda não é explicado, além de não ser autorizada legalmente. Mas e a regressão de memória sim, é inclusive um processo que ocorre espontaneamente na hipnose.

A hipnose foi autorizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em dezembro de 2000, apesar de já ter sido reconhecida desde a década de 1950 por dentistas e a partir da década de 1960 para uso médico-hospitalar.

O profissional pode usar a hipnose quando está apto através de cursos reconhecidos. As três grandes áreas da hipnose no Brasil são Medicina, Psicologia e Odontologia.

Há uma diferença entre hipnotizador, hipnólogo e hipniatra. O hipnotizador é qualquer pessoa que aplica a hipnose independente do fim, o hipnólogo é um profissional de psicologia e o hipniatra, um médico psiquiatra.

Existem limiares de funcionamento da mente como sendo consciência, inconsciência, sono e vigília. A pessoa está em transe quando apresenta determinados sinais físicos, por exemplo, o aumento da salivação, a falta de sensibilidade na pele, formigamento das mãos e dos pés. O transe que geralmente se trabalha é o transe de leve a médio e a pessoa aparentemente está consciente, se for um transe mais profundo não há a garantia de que a pessoa vá lembrar depois.

O transe hipnótico é uma manifestação natural do ser humano.  Digamos que 10% da população jamais entrará em transe produtivo terapeuticamente. Outros 10% da população simplesmente entra em transe do nada, pois tem maior sensibilidade.

Existem vários mitos que envolvem a hipnose hoje em dia: não voltar da hipnose, o perigo de o hipnólogo desmaiar ou morrer durante a sessão, a lenda do poder do hipnotizador, o medo de revelar segredos.

A hipnose tem uma característica que independe exclusivamente do terapeuta, ela depende também do cliente. A hipnose pode evoluir para o sono comum (o sono fisiológico), ou o transe faz o processo reverso e fica cada vez mais leve. Se a pessoa não permitir ou não quiser, ela não entra em transe. A lenda de que o hipnotizador pode fazer qualquer coisa com o paciente também é falsa. é muito comum sair do transe quando chega a algum ponto que atinge uma dificuldade de expor algo da vida pessoal. Se a pessoa não quiser revelar o segredo, ela não faz. Há também um grande medo das mulheres de sofrer abuso, o paciente geralmente acorda se é algo que ele não está disposto a fazer. Tudo depende da aceitação do paciente.

O profissional pode realizar a hipnose dentro do consultório de acordo com a ética da psicologia, não expor ao ridículo, não pedir para fazer coisas absurdas. A prática da demonstração de hipnose em shows, não é autorizada.

Geralmente quando uma pessoa procura terapia ela já está num processo de sofrimento que beira o insuportável, quando apresenta alguma dificuldade que não conseguiu resolver. Existe apenas uma parcela pequena, menos de 30%, que geralmente freqüenta terapias porque identificou uma dificuldade logo de início.

Quanto aos benefícios da hipnose: ela atua para o alívio de dor, na área de aprendizado, melhora a concentração, também no esporte, desenvolve a capacidade criativa, melhora a memória e o raciocínio e vence a timidez.

Há casos contra-indicados como a psicose e acredito que também a esquizofrenia, pois a hipnose necessita que o cérebro esteja em seu estado normal de funcionamento.

Legalmente a hipnose é reconhecida, mas existe ainda uma resistência grande por parte do público. Não são todos que aceitam a prática da hipnose para tratamentos terapêuticos, muitos ainda a rejeitam.

Primeiro, pela dificuldade de Freud para a aplicação da hipnose. Ele usava o tipo da hipnose profunda que pouquíssimas pessoas conseguem entrar, além de ser difícil de controlar e de obter um resultado prático, pois o cliente geralmente não se lembra depois.  A experiencia de Freud com a hipnose foi muito ruim. Outra coisa também é a confusão que se tem da hipnose com esoterismo e misticismo.O interessante da terapia é a participação do cliente.“

Para mais informações: http://www.ibha.com.br

Márcio Valadares Versiani

Diretor do IPUB/UFRJ, membro da Sociedade Internacional de Psicanálise. Atua nas áreas de Ciências da Saúde, Clínica Médica, Neuropsicofarmacologia e Psiquiatria.

 “Atualmente a hipnose vem sendo cada vez menos utilizada pela psiquiatria, isso porque a hipnose é uma técnica que não tem comprovação científica. A medicina hoje caminha para uma medicina baseada em evidências científicas, isso ocorre cada vez mais e em diferentes áreas.

Todos os tratamentos são aprovados por agências reguladoras, e essas aprovações de tratamentos dependem de estudos que comprovem a eficácia do tratamento. De modo que toda a medicina está caminhando para isso inexoravelmente no mundo inteiro. E no caso da psiquiatria, no uso, por exemplo, das psicoterapias cognitivo-comportamentais, já estão se enquadrando na linha científica e determinados estudos já demonstram a sua eficácia. A psicanálise já enfrenta uma dificuldade maior na questão da comprovação em estudos clínicos.

Mas no que diz respeito a hipnose, não existe nada de pesquisa científica.
N-A-D-A, nada.

A hipnose não é aprovada pelos órgãos reguladores, pelas associações de profissionais ou pela comunidade científica.

Se você colocar o termo hipnose no medline, que é um índice de jornais científicos mais usados no mundo, você não vai encontrar uma única pesquisa científica feita nos últimos dez anos. Zero de pesquisas. Então por conta disso, a hipnose praticamente não é usada como uma técnica de tratamento da psiquiatria.

Historicamente a hipnose foi utilizada principalmente no início da psicanálise. Freud começou o seu trabalho com a hipnose, e ele próprio achou que não funcionava e por conta disso, criou a técnica psicanalítica que difere completamente da hipnose. Porque ela procura atingir o inconsciente com o indivíduo acordado. Enquanto na hipnose o inconsciente seria atingido com o indivíduo no estado de transe hipnótico, o que não foi muito definido o que é cientificamente.

De qualquer maneira, a hipnose foi usada no século XIX com Mesmer na França, mas agora no século XX ela praticamente deixou de ser usada por falta de comprovação científica. Inclusive houve uma época que no Brasil a hipnose era utilizada em shows.

A hipnose hoje seria vista como uma terapia alternativa, uma entre tantas outras terapias alternativas que existem. A procura por essas terapias alternativas é comum, a motivação dessa procura sempre existiu e sempre vai existir na medida em que os tratamentos chamados de eficazes deixam a desejar.

Muitos tratamentos não resolvem, na psiquiatria são em média 30 a 40% dos casos, mas há 60% de casos em que os tratamentos deixam a desejar. São em geral tratamentos crônicos e de longa duração, existem ainda casos refratários e casos que não respondem ao tratamento. A grosso modo, 20% dos doentes mentais não respondem. Então a família e o paciente parte para terapias alternativas.

Essa procura de tratamentos vem desde que o homem é homem, até nos templos da Grécia antiga dedicados a tratamentos de diversas doenças. Acredito que a procura da hipnose não tem a ver com a rapidez da vida moderna, por sinal a hipnose foi muito mais popular numa época que a vida era bem mais calma.

Se você consultar o site da Associação de Profissionais, Associação Americana de Psiquiatria, Associação Alemã de Psiquiatria, etc, você não vai encontrar nada de hipnose. Se você for a um congresso internacional de psiquiatria não tem um trabalho sobre o assunto.

Hoje em dia não há nenhuma indicação para a hipnose, não é que haja uma contra-indicação, é que simplesmente não existe indicação. Os efeitos da hipnose não são estudados nem acompanhados, não existe nenhum centro de formação de profissionais que seja respeitável.”