• Edição 067
  • 11 de janeiro de 2007

Por uma boa causa

As misteriosas células de Gaucher

Renata Magliano

Para dar continuidade à série de doenças metabólicas, o Olhar Vital aborda nesta edição a Doença de Gaucher, hereditária causada pela deficiência de glicocerebrosidade (enzima que faz a degradação de glicolipídios), o que resulta no acúmulo de gordura dentro dos macrófagos (células de limpeza do organismo). Este processo é responsável pelo inchaço, principalmente, do fígado e do baço.

A médica Renata Souza Pereira da Silva, do serviço de hematologia pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da UFRJ explica que existem três tipos desta doença.

- O tipo 1 ocorre tanto em crianças quanto em adultos havendo a ausência de sintomas neurológicos. O tipo 2 é infantil agudo e excessivamente raro, sendo caracterizada pela deterioração neurológica rápida e morte precoce. O tipo 3 é uma doença neuropática (que acomete o sistema nervoso) sub-aguda com sintomas neurológicos mais tardios e um melhor prognóstico do que no tipo infantil agudo (tipo 2). O tipo 3 ainda se subdivide em A, B e C.

Quanto aos sintomas, a hematologista comenta que há uma grande variação na severidade dos tipos. “O tipo 1 pode ser totalmente assintomático, podendo ser descoberto acidentalmente em investigação de uma desordem hematológica não relacionada. Os pacientes sintomáticos apresentam fadiga crônica, doença pulmonar severa, baço e fígado aumentados, os quais podem causar sintomas mecânicos, perda óssea no local com freqüentes lesões do esqueleto, causando dor óssea. Também são comuns lesões no olho e no intestino. Pode ainda haver febre, mesmo sem infecção. Em crianças é comum retardo no crescimento”, detalhou Renata.

Nos tipos 2 e 3  os sintomas neurológicos são variantes, principalmente com anormalidade dos movimentos oculares, opistótono (rigidez da musculatura do pescoço), rigidez de membros e convulsões. No tipo 3A, a doença neurológica progressiva é dominada, por exemplo, pela demência. No tipo 3B, a doença agressiva de esqueleto e vísceras apresenta manifestações neurológicas mais leves. No tipo 3C, ocorrem manifestações neurológicas amplas e pouca doença visceral.        

A Doença de Gaucher, mais comum em judeus, sendo 6,8% deles heterozigotos, com uma proporção de 1:1000, tem seu tratamento baseado na oferta da enzima deficiente (glicocerebrosidade) para todos os três tipos. O medicamento é a Imiglicerase (Cerezyme®), que, em torno de seis meses, diminui o tamanho do baço e do fígado, melhora o nível de anemia e corrige o número de plaquetas. A melhora das lesões ósseas é muito lenta, podendo ser evidente após dois anos.

O uso do medicamento é indicado para pacientes com importante aumento do fígado, anemia e plaquetopenia (diminuição do número de plaquetas) moderadas ou severas, ou pacientes com intenso envolvimento ósseo. Como as células de Gaucher também se acumulam na parte interna da medula óssea, enfraquecendo os ossos, existe a chance de tratamento com realização de transplante da medula óssea.  

O Instituto Estadual de Hematologia (HemoRio) é o centro de referência para tratamento da Doença de Gaucher. O IPPMG realiza apenas o diagnóstico e encaminha os pacientes para tratamento no HemoRio. “Após o uso contínuo de Imiglicerase (Cerezyme®), as pessoas voltam a ter vida normal, podendo realizar atividades do dia-a-dia”, ressaltou a médica.

Segundo Renata é recomendável que se faça o aconselhamento genético antes do casamento. “As pessoas devem procurar saber, antes de ter filhos, se além delas, seus companheiro(as) possuem alterações genéticas, tornando-se cientes da probabilidade dos seus filhos manifestarem certa doença”, conclui a hematologista.