Todo mundo adora uma batata-frita e um salgadinho. Mas o que fazer com
o óleo utilizado na preparação desses alimentos?
Se você joga no ralo, está agindo errado. E se põe
o resíduo no lixo comum, também. Quando o descarte ocorre
em uma região provida com rede de coleta de esgotos, parte do óleo
adere às paredes e absorve outras substâncias. Essa mistura
se solidifica e reduz o diâmetro das tubulações, prejudicando
o transporte do esgoto, aumentando a pressão interna e os vazamentos,
diminuindo a vida útil das bombas e, em casos extremos, provocando
o completo entupimento da rede coletora.
As estações de tratamento também não estão
preparadas para receber a enorme quantidade de óleo de cozinha despejado
pela população (200 milhões de litros por ano). A gordura
prejudica o desempenho de diversos dispositivos da mesma, entre eles os decantadores;
os reatores aeróbios, que têm seu pH alterado; e os biodigestores
anaeróbios, que acabam produzindo lodo difícil de transportar e
com maior carga orgânica. As informações são do professor,
pesquisador da COPPE da UFRJ, do CEFET-RJ, e engenheiro da CEDAE, a Companhia
Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro.
Segundo Marcos Vinícios Marques Fagundes, professor e pesquisador do Instituto
Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia
(Coppe/UFRJ), se uma localidade conta apenas com uma galeria de águas
pluviais, além do entupimento dos canos, o despejo de óleo reduz
o oxigênio dissolvido no corpo hídrico, e pode atrair animais perigosos,
além de provocar mau cheiro. Quando o óleo utilizado é lançado
no lixo comum, ele acaba chegando aos lixões, onde muitas vezes é enterrado
com os demais resíduos, podendo contaminar o lençol freático.
Nesse caso, os danos ao meio ambiente são enormes.
Para se ter uma idéia, um litro de óleo contamina cerca de um milhão
de litros de água. Isso acontece porque apesar de o óleo vegetal
se dispersar em uma camada muito fina sobre a água, é suficiente
para prejudicar a transferência de Oxigênio na interfase ar-água.
Entretanto, devido a sua biodegradabilidade esse problema não é tão
grave quando comparado aos óleos de origem fóssil, como o petróleo,
que além de tudo é tóxico. É bom lembrar que a biodegradabilidade
do óleo vegetal, que o torna muito menos danoso que os demais, não
ocorre instantaneamente, sobretudo nas metrópoles, com grande adensamento
urbano.
Mas há solução. O óleo vegetal utilizado na preparação
de alimentos pode ser empregado como matéria-prima para diversas indústrias,
como, por exemplo, a de sabões e detergentes, de ração animal
e até na produção de biodiesel de alta qualidade. Segundo
Luciano Basto Oliveira, pesquisador do Instituto Internacional de Mudanças
Globais, Ivig/Coppe/UFRJ, o material tem preço no mercado e existem algumas
empresas operando no ramo de coleta de óleo usado em restaurantes e residências.
Os resíduos colhidos pelos catadores que trabalham nos lixões também é aproveitado.
Mas para receber esse fim, é necessário que o óleo seja
descartado de forma adequada, de preferência em recipientes lacrados, que
podem ser doados ou vendidos para os sistemas de coleta de resíduos que
já existem há décadas no país.
Na verdade, os processos de produção de sabão e de biodiesel
são similares e concorrentes, sendo que a saponificação
ocorre espontaneamente quando os óleos vegetais e os materiais alcalinos
são misturados. Para favorecer a produção de biodiesel pode-se
inserir mais álcool do que o necessário ao processo, mas existem
outras técnicas. Uma equipe interdisciplinar da UFRJ se uniu para tentar
descobrir formas alternativas mais baratas e fáceis de produção
de um biodiesel de qualidade que possa ter aplicação no mercado.
Luciano Basto conta que a Engenharia Química participa com o projeto e
a operação da usina de produção do combustível;
além da análise sobre a qualidade do produto, garantindo o atendimento às
especificações. A Engenharia Mecânica planeja e realiza os
testes de emissões, durabilidade e desempenho, para verificar os efeitos
do combustível produzido por motores e no meio ambiente. O Planejamento
Energético e Ambiental analisa a disponibilidade de insumos na atualidade
e no futuro; os mercados para escoamento dos co-produtos (farelo e glicerol);
a possibilidade de redução de emissões de poluentes; e a
viabilidade de solicitação de créditos de Carbono para este
tipo de combustível.
Já foram utilizados mais de 20 tipos de insumos, desde óleos vegetais,
novos ou usados, gorduras animais, resíduos industriais e sanitários.
Os testes mais relevantes foram realizados durante mais de dois anos com caminhões
novos de coleta de lixo hospitalar da COMLURB. Dois veículos utilizaram
5% de biodiesel de óleo de soja e outros dois utilizaram a mesma porcentagem
de biodiesel de óleo de fritura. Outros cinco caminhões continuaram
usando o óleo diesel comum. O projeto contou com o apoio da Petrobrás
e da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), que cederam a planta-piloto
e arcaram com a maior parte dos custos; da Ford, montadora dos caminhões
utilizados, que apoiou a realização dos testes, mantendo a garantia
dos veículos (exigência da Comlurb), da Bosch, fornecedora das bombas
injetoras de combustíveis nos motores, um dos equipamentos mais sensíveis às
mudanças de combustíveis; e da Cummins, fabricante dos motores.
Os resultados dos testes revelaram que o óleo de fritura favoreceu uma
queima mais completa do óleo diesel ao qual estava misturado, reduzindo
a emissão de fuligem quatro vezes mais que a mistura entre óleo
diesel e biodiesel de óleo de soja. “Estes dados apontam a segregação
do resíduo de óleo de fritura como uma possível solução
para os danos causados pela seu descarte irregular no ambiente, e pelas emissões
de poluentes. Ao substituir o óleo diesel, o biodiesel reduz emissões
de enxofre (responsável por chuva ácida e doenças respiratórias);
de material particulado (responsável por doenças respiratórias);
de hidrocarbonetos; de aromáticos (cancerígeno); além de
dióxido de carbono (gás do efeito estufa). No que concerne à redução
da poluição decorrente de seu lançamento no ralo, evita
metano (gás do efeito estufa, mais potente que o CO2)”, acrescentou
o pesquisador Luciano Basto, especialista em Análise Ambiental, e Doutor
em Planejamento Energético com Ênfase Ambiental.
Para tentar motivar a utilização do biodiesel, o governo brasileiro
desenvolveu um programa nacional que permite o consumo de 2% do novo combustível
misturado em todo o óleo diesel comercializado no país, a partir
de 2008. O biodiesel pode ser utilizado puro ou misturado, em quaisquer quantidades,
nos motores ciclo-diesel, desde que se comunique à Agência Nacional
de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
As estimativas mostram que a quantidade de óleo de cozinha usado, produzido
pela população, é apenas 25% do volume necessário
para atender à obrigatoriedade que será iniciada em 2008. “O
encaminhamento desse resíduo para ser transformado em combustível é uma
demonstração de evolução; as pesquisas desenvolvidas
na universidade estão chegando ao cotidiano da sociedade, para auxiliar
a todos, inclusive aos mais carentes”, ressalta Luciano Basto.