• Edição 064
  • 30 de novembro de 2006

Faces e Interfaces

Rémedio para não dormir

Mariana Borgerth, da AgN/Praia Vermelha

Hoje a tendência das pessoas é estar cada vez mais sobre carregadas de atividades: estudo, trabalho, lazer, entre outras. Para conseguir responder a essa demanda, muitos estão fazendo uso do medicamento conhecido como Modafinil, que permite ficar acordado por até três dias.
Porém no começo não era esse o objetivo da droga. Destinada inicialmente para pacientes que sofrem de narcolepsia, distúrbio raro caracterizado por sonolência súbita e incontrolável, mas se tornou febre entre jovens nos Estados Unidos.

Para falar sobre o assunto, o Olhar Virtual convidou os professores Edson Saggese, do Instituto de Psiquiatria/UFRJ e Michele Dominici, do Departamento de Epilepsia do Instituto Deolindo Couto.

 

Michele Dominici

Médico do Departamento de Epilepsia do Instituto Deolindo Couto

“O sistema de sono e vigília funciona como uma gangorra, ou seja, passamos do estado de sono para vigília e vice-versa de forma bastante abrupta, através do ligamento e desligamento dos sistema neurofuncionais de sono ou de vigília.

O sono é controlado por dois mecanismos distintos: o processo C organiza a hora que vamos dormir e a hora que ficaremos acordados e as funções biológicas de nosso organismo, como a liberação dos hormônios, a oscilação de nossa temperatura, a excreção de diversas subtâncias na urina entre outras.

O outro é o processo S, que controla o equilíbrio das taxas de neurotransmissores (substâncias que fazem a comunicação entre os neurônios). Quando estamos acordados ocorre um acúmulo dessas substâncias, que são destruídas enquanto dormimos, até que o equilibrio se reestabelece e voltamos ao estado de vigília.

Aqui temos um problema: como esses processos se interagem eles podem, em situações indesejadas, sair de sincronia causando a sonolência ou a insônia.

O modafinal atua em parte das vias responsáveis pela manutenção da vigília, inibindo o sistema de recaptação dos neurotransmissores. Com isso diminuido aumentamos o tempo e a sua quantidade nas fendas sinápticas, aumentando assim o estímulo gerador de vigília. A sua potência está diretamente relacionada com sua capacidade de inibir esta recaptação.

Nada substiuí o sono até a presente data. No Brasil, a droga ainda não está liberada para a venda, mas pode-se conseguir através da importação sem dificuldades. Esta medicação tem efeitos colaterais e pode causar alterações físicas, como aumento da temperatura corpórea. Psicológicamente, pode acontecer um excesso de confiança no auto-julgamento, aumentando desta forma o risco para sí e para terceiros.

Como sempre o homem acha que é inteligente, mas esquece da sabedoria da natureza. Na história temos diversas catástrofes causadas por fadiga e sonolência, como Chalenger, Chernobyl e Exco. Estas medicações não são seguras para evitar os ataques de microsono e as conseqüências da fadiga e sonolência, portanto se assim forem utilizadas, devemos encarar estas condutas como um crime contra a humanidade.”

Edson Saggese

Psicanalista e professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ

“O sono tem importância para o bem estar físico e mental. Não se conhece inteiramente todas as suas funções, mas algumas delas dizem respeito ao controle da pressão arterial, a memória e a elaboração de traumas psíquicos. Durante o sono produzem-se os sonhos, que estão ligados a elaboração das vivências diurnas do ser humano. Vamos lembrar também que a privação de sono é uma forma de tortura, com graves conseqüências para a sanidade de quem é submetido a ela.

Vivemos na era que Jean-Pierre Lebrun (psicanalista francês) denominou ‘um mundo sem limite’. Ou seja, os limites que o corpo impõe, que a convivência social pede ou que a natureza exige, estão sendo continuamente ultrapassados. Hoje os limites de trabalho e de gozo do corpo e da mente estão sendo forçados e nesse sentido, drogas estão sendo usadas para fazer com que os pacientes se sintam melhor do que bem. Acreditamos que pode-se enquadrar a nova droga para controlar o sono nesse caso. 

Um dos problemas de novas drogas é que não se conhece bem todo seu potencial de risco. Os testes antes do lançamento comercial são insuficientes para avaliar inteiramente seus efeitos adversos.

O modafinil tem uma indicação médica específica para aqueles que tem distúrbios como a narcolepsia ou a sonolência diurna excessiva. Para caracterizar problemas como distúrbios passíveis de tratamento é necessário um acurado diagnóstico médico. Acontece que muitas pessoas se autodiagnosticam e se automedicam. Outras medicações já são usadas para esses problemas - como as anfetaminas - mas tem um potencial de abuso muito grande, ou seja, as pessoas as utilizam para ficar acordadas em festas, estudar, emagrecer e terem, aparentemente mais energia.

No caso de crianças e adolescentes toda a medicação deve ser usada com redobrados cuidados devido à sensibilidade especial dos organismos em formação. Os adolescentes tendem a não reconhecer a autoridade familiar, principalmente no que se refere ao seu corpo ou seus costumes.Em todo caso, a utilização intensa e indiscriminada de medicação pelos pais pode servir de incentivo para os filhos pensarem que esse uso é isento de riscos”.