• Edição 062
  • 16 de novembro de 2006

Ciência e Vida

Raças, Biologia e sociedade

Mariana Elia

20 de novembro, dia Nacional da Consciência Negra. Nessa data é relembrado o assassinato de Zumbi - um dos heróis do Quilombo dos Palmares - ocorrido há 311 anos. Além de uma questão de afirmação, a discussão sobre brancos, negros ou amarelos ganha importância na elaboração de políticas em saúde voltadas para cada grupo humano. As doenças do negro são avaliadas hoje desde o aspecto sócio-econômico e a herança genética da raça. Existem, entretanto, algumas contradições quanto a classificação de doenças da raça, e mesmo se pudermos falar de raça atualmente.

É o que pensa a professora Diana Maul, que coordena a Extensão do Centro de Ciências da Saúde (CCS). Para a professora, que é médica, não existe uma justificativa biológica para separarmos a espécie humana em raças. "Existem raças de animais de criação, para as quais se estabelecem alguns fenótipos, que são controlados. As raças humanas são uma questão social". Dessa forma, não se pode estabelecer doença da raça, seja do negro, do branco do amarelo.

A anemia falciforme, por exemplo, foi e é, em alguns, uma doença ligada aos negros. Estudos provam que tal doença está associada a uma resistência à malária, que assolou a África Ocidental durante muito tempo. "Isso foi determinado por seleção natural, ocorrida em áreas em que, coincidentemente, a população era de cor negra", explica Diana Maul. O engano é provocado ainda porque muitos negros vieram dessa região para a América no período escravocrata. A idéia de que apenas negros possuem a doença, entretanto, é equivocada.

Principalmente em um país como o Brasil, em que a miscigenação é marca maior, a gradação de cor de pele impede a determinação indubitavelmente de quem é branco ou negro. Além disso, "miscigenação já implica raça para misturar", o que é, também, questionável. Segundo Diana, entretanto, essa questão é de importância menor ao debate sobre a nossa sociedade. "Discussão sobre raça apenas tem sentido se tiver relação com a discriminação social, segregação, e não com algum atributo biológico". Segundo a professora, já que a discussão está posta dessa maneira - a partir da definição de raças -, o objetivo é "pensar no que a discussão traz, no horizonte de construirmos uma sociedade em que as pessoas não se diferenciam em suas oportunidades. Diferenças que não implicam direitos apenas para uns".

Existem, porém, questões que ainda não são explicadas. Há, por exemplo, prevalência de mulheres negras com diagnóstico hipertensivo. Apesar de alguns estudos indicarem a vinda de escravas com maior retenção de sódio, razão pela qual seriam mais resistentes às viagens de travessia pelo Oceano Atlântico, não há uma comprovação científica até o momento. São aspectos que serão ainda clarificados, mas a ligação com as condições sócio-econômicas, também herdadas do escravismo não solucionado, dificilmente pode ser separada de uma análise em saúde.

Em 1995, foram realizados, por grupos de trabalho interministerial projetos para Valorização da População Negra. Nesses encontros, foram estabelecidos quatro grupos de doenças que afetam os afro-descendentes, baseados, de uma forma geral, em duas causas: genética e condições sócio-econômicas. Um programa político que considere a prevalência e o alerta a grupos de risco, como também se observa sobre o diabetes mellitus na população negra, é importante na medida que promove um atendimento mais direcionado, entretanto, não se pode esquecer de tratar cada caso de acordo com suas necessidades específicas.

- Os dois principais pontos são a discussão ampla pela sociedade e um cuidado com o diagnóstico. Se um médico avalia um paciente por sua cor de pele, descartando ou confirmando uma doença sem análise completa, ele perde diagnósticos. Não se pode diagnosticar apenas pela aparência" - destaca Diana Maul.