• Edição 057
  • 11 de outubro de 2006

Ciência e Vida

Fígado gorduroso: sinal dos novos tempos

Mariana Elia

O mundo está gordo. Quer dizer, o mundo ocidental está gordo. Para ainda melhor dizer, o mundo ocidental está dividido entre a obesidade e a beleza anoréxica. As pessoas estão optando pelo extremismo, seja pela escolha do fast food e do sedentarismo, seja pela compulsão por academia e o culto a magreza absoluta. No primeiro caso, porém, as pessoas estão submetidas a um mal silencioso, o acúmulo de gordura no fígado, ou simplesmente a esteatose.

A população norte-americana foi a que primeiro evidenciou as complicações que as facilidades da modernidade nos trouxeram. Indica-se que 31% dessa população é obesa e que os gastos com tratamento chegam a faixa dos 300 bilhões de dólares por ano. “A obesidade é um problema do mundo atual”, afirma Jorge Segadas, professor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina e chefe do Serviço de Hepatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), da UFRJ, acrescentando que, “a causa mais freqüente, nos EUA, do aumento de enzimas hepáticas é a esteatose”.

A esteatose é o acúmulo anormal de gordura no fígado, inclusive com infiltrações para dentro de suas células (hepatócitos). Tecnicamente, segundo Jorge Segadas, quando a gordura insere-se em pelo menos 5% dos hepatócitos é diagnosticada a doença, que pode ser leve (até 33%), moderada (entre 33 e 66%) ou grave (acima de 66%). Na maioria das vezes ela vem associada a outros distúrbios metabólicos tais como a hipertensão arterial, o diabetes, além, evidentemente, da obesidade. Entretanto, o hepatologista explica que essa doença não é exclusiva dos mais gordinhos. Aqueles que possuem concentração de gordura no abdome (obesidade central) também estão na faixa de risco.

O grande problema é que, seguindo o padrão de algumas doenças hepáticas, apenas em casos raros, a esteatose apresenta sintomas. “Uma pessoa pode passar anos com a doença e descobrir quando o fígado já está lesado”, alerta Segadas. Se não identificada, a esteatose pode tornar-se esteato-hepatite, ou seja, o desencadeamento de uma inflamação do fígado, que é comumente chamada de doença hepática gordurosa não-alcóolica (Nash). Se o quadro persistir, é possível a passagem para a esteato-fibrose e, mais incomum, para a cirrose.

- Um exame rotineiro, como uma ultrasonografia ou radiografia, pode deflagrar um fígado mais brilhante, esbranquiçado. Esse sinal já demonstra o alto índice de gordura, mas para só a biópsia pode dar certeza do diagnóstico completo - explica Jorge Segadas. Como o exame é muito invasivo, no entanto, o hepatologista recomenda o início do tratamento sem a necessidade deste.

Não existe um medicamento específico para esteatose. O tratamento se baseia na mudança do regime alimentar e em remédios que combatem a resistência insulínica, com duas classes medicamentosas, as glitasomas e as metforminas. É imprescindível, segundo o hepatologista, emagrecer e praticar exercícios, para queimar a glicose na musculatura.

A esteatose é uma doença que ainda tem muito a preocupar. As condições de vida são favoráveis para seu desenvolvimento e, aos poucos, ela vai mostrando ao que veio. Os primeiros danos ao fígado podem surgir após cerca de dez anos de acúmulo de gordura, e a inflamação hepática também prejudica outros órgãos. “Síndrome metabólica, hipertensão, índice de HDL (o chamado ‘colesterol bom’) baixo e, ao contrário, grande quantidade de triglicerídeos aumentam o risco de infarto do miocárdio, por exemplo”, diz Jorge Segadas. O organismo não funciona de maneira isolada, cada parte tem sua responsabilidade para a manutenção do ritmo metabólico. O fígado, principalmente, tem funções fundamentais para essa harmonia e para isso é fundamental maior preocupação com o rigor alimentar no cotidiano.