• Edição 055
  • 28 de setembro de 2006

Argumento

Mulher na ciência

Mariana Elia

A ciência é ainda um saber dominado pelo pensamento masculino. Apesar de as mulheres serem maioria na formação superior, há uma queda significativa do número delas nas especializações (com apenas cerca de 30% das bolsas) e cargos de direção. O caminho pode parecer longo para atingir a igualdade entre homens e mulheres nos espaços de pesquisa, mas o exemplo de Yraima Cordeiro mostra que elas podem estar mais perto do que se imagina.

Vencedora do Programa bolsa-auxílio L´Oréal/Unesco, cujo tema era O mundo precisa de ciência... a ciência precisa de mulheres..., a jovem professora foi a única carioca, das cinco prestigiadas com o prêmio no Brasil. Yraima iniciou recentemente sua carreira de docente, ao passar na seleção para o Departamento de Fármacos da Faculdade de Farmácia (FF) da UFRJ e aproveitou a oportunidade do concurso, que traçou como perfil recém-doutorandas. O resultado foi o recebimento de nada menos do que U$ 20 mil por seu projeto de pesquisa. “Para quem está começando, é um salto para independência científica. O principal é o financiamento da pesquisa, mas há também o reconhecimento do trabalho, que é importante”, comemora a professora.

Trabalho que ela faz questão de destacar que foi feito coletivamente. “Se não tivéssemos uma equipe legal e unida, eu não teria conseguido. A disputa era muito grande”, comenta. A pesquisa, segundo a professora, é o resultado de tudo que tem estudado desde 1999. Iniciada pelo professor Jerson Silva enquanto ainda era estudante, Yraima encabeçou uma das linhas e hoje atua conjuntamente com o professor e duas alunas, Mariana Gomes e Tuane Vieira.

O objetivo da professora é investir na compra de armários e equipamentos, como computador e impressora, além da realização de obras em sua sala e laboratório. Segundo Yraima, a promoção de concursos como esse é fundamental, pois dificilmente o pesquisador tem recursos para sua pesquisa. Equipamentos, instrumentos e reagentes são muito caros para um empreendimento que não tenha alguma fonte, como também associações ou colaborações.

Estudos biofísicos e funcionais da interação da proteína do príon com ácido nucléico e glicosaminoglicanos é o nome do projeto, que tem a intenção de inferir padrões moleculares para conversão do príon em proteína infecciosa. A hipótese da professora é que os ácidos nucléicos e a cadeia de polissacarídeo, conhecida como glicosaminoglicanos, pode agir como catalisadores para tal conversão.

O príon é uma proteína presente em todos os mamíferos, em grande número nos neurônios, e sobre a qual pouco se sabe em relação à sua ação no organismo. Entretanto, ele é o agente causador de doenças neuro-degenerativas infecciosas, chamadas genericamente de encefalopatias espongiforme. “Não se sabe como ocorre, mas a proteína, por alguma razão, altera sua estrutura e inicia uma atividade de auto-replicação. Dessa forma, os príons próximos também alteram sua estrutura e a doença começa a se manifestar”, explica a professora Yraima.

O interesse da pesquisa é identificar os requisitos que esses príons necessitam para iniciar o processo de conversão, verificando o papel dos ácidos nucléicos e glicosaminoglicanos. A doença mais famosa derivada de príons alterados é conhecida como o mal da vaca louca (encefalopatia espongiforme bovina), mas pode ocorrer também a encefalopatia scrapie, uma doença que acomete ovelhas e as faz sentir coceiras intermitentes, além de perda da capacidade de manter-se em pé. Há ainda a creutzfeldt-jacob, a síndrome de gerstmann-straussler-scheinker e a insônia familiar fatal.

As mulheres, portanto, estão conquistando seu espaço e talvez iniciativas como da empresa L´Oréal, do Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura da Unesco e da Academia Brasileira de Ciências, que também participou da parceria, não sejam mais necessárias exclusivamente para elas. Enquanto isso, a professora Yraima Cordeiro assume seu posto e justifica a importância da homogeneidade para o desenvolvimento científico.