• Edição 055
  • 28 de setembro de 2006

Por uma boa causa

Voz: não deixe parte da sua identidade ser danificada

Isabella Bonisolo

Cansaço, rouquidão, dificuldade para falar, variação no tom da voz e até perda desse instrumento essencial na comunicação. Todos, principalmente os “profissionais da voz”, como professores e cantores, devem estar alertas para qualquer sinal de anormalidade na fala. Na última semana de setembro, o Olhar Vital fecha a sua série de matérias sobre problemas fonoaudiológicos com as alterações disfônicas.

A voz é a ferramenta auxiliar de trabalho de cerca de 25% da população. Cogitar a sua perda parece estar longe de qualquer realidade. Porém, a disfonia, disfunção que compromete a qualidade da fala, é mais comum do que se imagina.

Ela pode ser provocada por distúrbios orgânicos, como por exemplo, doentes de Parkinson que por problemas neurológicos têm a sua comunicação prejudicada ou pelo desenvolvimento do espessamento do epitélio nas cordas vocais – nódulos. Há também os que sofrem com a disfonia graças aos distúrbios emocional-comportamentais, que caracterizam pessoas extremamente agitadas, falantes e que abusam da potência de sua voz, mas que não possuem lesões na estrutura no corpo.

— Há pessoas que gritam demais, seja por estresse ou costume, que não respiram ou pausam corretamente, que trabalham em ambientes ruidosos e por isso tem que fazer uma espécie de competição vocal com o local para serem ouvidos, os que vão a discotecas diariamente e falam sem parar, esses todos estão propensos a ter alterações na voz — enumera Ângela Garcia, professora do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina, ao explicar sobre os disfônicos comportamentais.

Para melhor ilustrar casos de disfonias emocionais, Ângela recorda de uma paciente evangélica que disse ter perdido a voz por que Deus a estava punindo. A religiosa, porém, continuava cantando perfeitamente na sua igreja. Na verdade tudo não passou de um bloqueio criado pelo imaginário. A professora ressalta que esse é um exemplo grave de alterações na fala por problemas psicogênicos.

Há certos hábitos preventivos, porém, que podem contribuir para a manutenção da qualidade da voz. A hidratação favorece o umedecimento da corda vocal, por isso a ingestão de sete a oito copos de água por dia é fundamental. As frutas cítricas também são benéficas, já que elas diminuem o muco preso na laringe.

Não se deve usar spray e inaladores sem qualquer indicação médica, fumar ou beber. As pessoas que têm dependência de uma dessas substâncias devem rever seus hábitos. E para quem sempre pensou que a balinha do tipo halls “limpava” a garganta, errou. Isso não passa de um mito.

Assim como para fazer exercícios físicos, há a necessidade do alongamento do corpo, para a voz não seria diferente. Já existem técnicas desenvolvidas por pesquisadores da fonoaudiologia que ajudam os “profissionais da voz” a aquecerem e desaquecerem sua voz. A professora Ângela Garcia explica que “São exercícios para os músculos da laringe, faringe, boca, língua e lábios que precisam de um aporte sanguíneo e flexibilidade maior, para que possam funcionar sem ocasionar lesão”.

A maioria das pessoas desconhece essas dicas e, pensando nisso, a professora Ângela Garcia está montando um projeto na UFRJ que visa organizar palestras e oficinas preventivas da saúde vocal. O programa tem previsão de iniciar suas oficinas na Faculdade de Educação, curso que forma professores que tem a voz como o principal meio de exercer sua profissão. Futuramente, espera-se que a idéia estenda-se para as faculdades de comunicação, direito e muitas outras.

Atenção especial no final da puberdade

Os pais devem ficar atentos aos seus filhos no momento da puberdade, quando acontece a muda vocal. Os meninos tendem a ganhar uma voz mais grave, enquanto as meninas perdem apenas um pouco do tom extremamente agudo. Caso o jovem chegue aos 18 anos com uma voz infantilizada ou afeminada demais para um homem, é sinal de disfonia e se incomodar, pode ser tratado. “A muda vocal é um processo natural que depende de hormônios. Na menina observa-se menos essa mudança. Nos meninos, algumas vezes, a laringe não se posiciona no lugar correto, gerando uma voz afeminada, mesmo ele tendo a sua identidade masculina afirmada”, esclarece a professora.

- O problema para um homem que chega aos 21 anos com a voz afeminada ou de uma mulher que mantêm uma voz infantil é o preconceito na hora de procurar um emprego. A voz revela para sociedade quem você é, ela é parte da sua identidade. Geralmente eles acabam isolando-se, não querem mais sair de casa ou ver os amigos, ficam inibidos e envergonhados – explica Ângela Garcia, que deixa claro que a disfonia não é uma doença e sim um sintoma de que a balança do equilíbrio corporal não está ajustada.

Se ao ler essa matéria, você percebeu que a sua voz não está com a qualidade natural, a UFRJ disponibiliza um serviço para o diagnóstico e tratamento de disfonias e de reabilitação de seqüelas na fala por razões oncológicas, todas as quintas, de 8h às 17h. O ambulatório, localizado no Instituto Neurológico Deolindo Couto, é coordenado pela professora Ângela Garcia.