• Edição 054
  • 21 de setembro de 2006

Faces e Interfaces

Vaidade vicia

Isabella Bonisolo

Há alguns anos, descobriu-se uma bactéria que poderia ser a grande aliada da mulher nos tratamentos de rejuvenescimento. Estamos falando da Clostridium botulinum, produtora da toxina botulínica tipo A, que dá origem ao medicamento conhecido como BOTOX® . A novidade do mercado da beleza garantia, a quem se submetesse às injeções locais, o alívio das marcas de expressão do rosto e a felicidade de aparentar alguns anos a menos. O que parecia ser a eterna fonte da juventude, porém, apresentou baixa durabilidade do efeito que prometia, deixando desoladas as que acreditaram que poderiam ter de volta as feições que hoje só podem ser vistas através de fotos antigas.

O BOTOX® foi liberado em 2002 pelo Food and Drug Administration (FDA), um órgão dos Estados Unidos responsável pela aprovação de novos medicamentos e alimentos que surgem. A Associação de Cirurgiões Plásticos de Estética da Grã-Bretanha através de pesquisas mostrou que a cada ano, cerca de 100 mil britânicos submetem-se as aplicações de BOTOX® . As estimativas não são as mais positivas, já que cientistas afirmam que 40% dos pacientes que utilizaram a substância expressaram vontade “compulsiva” de passar novamente pelo processo e mais de 50% disseram sentir-se mais jovens psicologicamente.

Para discutir esse novo vício da beleza, que demonstra causar sérias dependências, o Olhar Vital entrevistou as professoras Phrygia Arruda, chefe do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da UFRJ e  Mônica Azulay, responsável pelo Setor de Dermatologia Cosmética do Serviço de Dermatologiado Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

Phrygia Arruda

Professora e Chefe do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da UFRJ e pesquisadora da área das subjetividades contemporâneas

“Sempre, em qualquer época, houve a preocupação com a beleza. Só que, contemporaneamente, há uma preocupação muito maior porque as mídias, de uma maneira geral, vem incrementando essa idéia de ser jovem para sempre. Eu tenho a impressão de que quando uma pessoa usa incessantemente BOTOX® , que é uma substância de pouca durabilidade de efeito — seis meses no máximo — ela tenta criar uma imagem midiática. A questão atual é a do corpo ideal e imaginário, que coloca o peito, a boca proeminente, as maçãs do rosto coradas, por exemplo, como da ordem de extrema importância.

As pessoas que tem problemas psíquicos referentes à auto-estima, realmente olham para si ou imaginam que os outros as olham de uma maneira não muito boa. Pode-se dizer que elas têm mais vocação para buscar essas interferências externas, como o BOTOX® . Nelas, há uma falta de investimento denominado narcísico. Com isso, estão sempre em dúvida do seu valor como pessoa humana e começam a tentar buscar na estética certas respostas. Elas acabam considerando que ao seguir um certo padrão, serão mais aceitas, amadas, queridas, bajuladas. Cria-se toda uma expectativa em cima da estética.

É importante ressaltar que essas pessoas não possuem um distúrbio e sim um problema de identidade. E isso é algo muito dialético. Não podemos dizer que se alguém tem ‘X’ coisa, logo é por isso que se desenvolveu um problema com a auto-estima. Pode-se analisar como foi a infância para saber se algo da relação familiar influenciou nesse comportamento. Mas às vezes isso é da própria pessoa.

A questão da estética tem atingido não somente as mulheres, mas homens também. A beleza padrão tão disseminada leva a procura de uma espécie de “conserto” do que se imagina estar faltando. È uma espécie de composição de um novo corpo e no caso do BOTOX®, um novo rosto. Quem se aceita com as suas dificuldades, limitações, belezas, feiúras, não recorre a essas intervenções tão frequentemente. O problema é que se depende muito do olhar e aprovação do outro. Há gostos para vários tipos de beleza. Quando não se consegue ver isso, tende-se a querer buscar as novas possibilidades de colocação de material para cobrir uma falta subjetiva.

Os dependentes do BOTOX® , que sentem a necessidade da aplicação por que se sentem mais jovens com o produto, têm que ser tratados. Quando algo se torna compulsivo e repetitivo, é uma dependência igual a qualquer outra, como a de bebida e drogas, por exemplo. Porém, é necessário que a pessoa reconheça o seu problema. Ao contrário, elas irão ver suas atitudes extremas como uma vaidade comum”.

Mônica Azulay

Chefe do Departamento de Dermatologia Cosmética do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e professora da Faculdade de Medicina da UFRJ

“Na verdade, essa dependência que a pesquisa britânica fala não é orgânica e sim psicológica. A Grã-Bretanha realmente é um país que lida muito com a vaidade. O Brasil já é o segundo maior usuário de toxina butolínica na área de dermatologia cosmética. Em termos de dependência que ela pode causar, como vício, eu não consigo enxergar essa possibilidade muito clara.

A toxina botulínica faz uma denervação química, dispensando a habitual intervenção cirúrgica. Ela foi um grande achado e já é utilizada há mais de 10 anos. Quem primeiro observou essa propriedade dela, foi um casal russo em que a esposa é oftalmologista e o marido é dermatologista. Ao utilizar a toxina em problemas oftalmológicos, como estrabismo, por exemplo, ela percebeu que os pacientes apresentavam melhoras das rugas ao redor dos olhos. Eles começaram então a estudar essa técnica, que hoje é aprovada, ética e elegante.

No início, quando eu trouxe essa técnica de um curso que fiz nos Estados Unidos, eu dizia para os meus pacientes que era uma intervenção estética. Brincava com eles dizendo que agora era possível ir a uma festa importante sem aquela indesejada ruga e ficar o tempo de um verão inteiro sem elas. Porém, aqueles pacientes que utilizaram aplicações da toxina uma vez e quiseram continuar fazendo, — em média faz-se no máximo duas vezes ao ano — efetivamente tiveram as suas as rugas melhoradas.  Viu-se então que não era só um tratamento momentâneo e cosmético e sim um tratamento dermatológico.

Hoje em dia eu tenho pacientes que estão fazendo as aplicações apenas uma vez ao ano. A questão não é se dura mais ou menos. Se for um trabalho bem feito, no músculo facial correto do indivíduo, o paciente terá uma melhora efetiva. Algumas rugas até desaparecem de vez. Às vezes o que acontece é que alguns profissionais diluem muito o produto, para render mais, e é essencial a concentração correta para que os resultados sejam satisfatórios e durem.

Se você submete o paciente à paralisia facial de alguns pontos específicos através da toxina, com o tempo, o sulco da pele não se faz mais. Isso ameniza as rugas, quando não faz algumas desaparecerem. Têm pacientes que voltam até dez meses depois e estão muito bem e uns que fazem apenas uma vez ao ano. Tudo depende do procedimento adequado. Se as pessoas procurarem um bom profissional, que trabalhe com ética e conheça perfeitamente a anatomia da face, os resultados são muito bons e duradouros. Mas se você percebe que a sua toxina botulínica está durando apenas dois, ou três meses, repense o seu profissional.

O médico também tem que impor limites no paciente. Explico que o uso do BOTOX® é uma técnica elegante, mas que depende do rosto de cada paciente. É de responsabilidade do dermatologista avisar o que é possível fazer naquela determinada pele, para não criar frustrações. Ainda mais no país que vivemos, onde há um extremo culto à vaidade”.