• Edição 053
  • 14 de setembro de 2006

Faces e Interfaces

A Saúde Pública para os próximos quatro anos

Mariana Elia e Taisa Gamboa

O que devemos esperar para os próximos quatro anos de um novo governo, em termos de saúde pública? A pergunta é simples, mas sua resposta é complexa. O abandono que o sistema de saúde nacional ficou relegado durante anos atrasou o progresso da Medicina do país e acabou com vidas.

Projetos sem financiamento, hospitais sem infra-estrutura adequada, carência de remédios e pesquisas estagnadas são apenas alguns dos problemas a serem solucionados. E quais serão os planos para os hospitais universitários? Local de congruência entre Ensino, Pesquisa e Extensão, os HU não recebem apoio compatível à sua importância na Medicina nacional.

A menos de um mês das eleições, o Olhar Vital pergunta o que esperar em relação a políticas voltadas para a saúde pública. A garantia de recursos básicos para o bom funcionamento dos hospitais e o reajuste da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) dependem de ações específicas do governo e de sua relação com municípios e estados. Para analisar essas e outras questões, convidamos Almir Fraga Valladares, professor da Faculdade de Medicina (FM)  e decano do Centro de Ciência da Saúde (CCS), e o professor José Luiz de Sá Cavalcanti, diretor do Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) da UFRJ.

Almir Fraga Valladares

Decano do Centro de Ciências da Saúde  da UFRJ

“Meu maior anseio é que sejam restabelecidas a moralidade e a ética em todos os níveis, estadual e federal, no Legislativo e no Executivo. É fundamental investir mais em Saúde e Educação. Existe uma lógica, que não é específica do último governo, de que se deve priorizar o pagamento de juros, em detrimento da melhoria na área social. E a Saúde é indissociável da Educação, pois, com essa, a prevenção e o tratamento das doenças são mais eficazes.

Especificamente em relação à Saúde, espero que o Tesouro Nacional destine um orçamento que garanta o custeio dessa necessidade, pois o repasse pela prestação de serviços do SUS não é suficiente. Dessa maneira, será possível garantir investimento, manutenção e recursos para os hospitais universitários.

Destaco três pontos essenciais para a melhoria da política em saúde pública. Decisão política de investir na área de Saúde, ou seja, direcionar capital, considerando-o realmente um investimento; garantir que esses sejam realmente aplicados na área, estancando a sangria de desvio de recurso público; e destacar uma boa gestão desses investimentos, porque não adianta ter recursos, se não forem bem aplicados.

A orçamentação dos HU garante investimentos em pesquisas, que é uma obrigação das universidades. Os HU são vinculados ao SUS através da prestação de serviços à população, em acordo feito pelos municípios. A autonomia universitária, entretanto, preserva o Ensino e a Pesquisa, pois o governo municipal não tem poder de interferir em seu modelo pedagógico.

Em sua concepção, o projeto de sistema de saúde é um dos melhores do mundo, mas sua aplicação, desde a Constituinte de 1988, é caótica. Em tese teríamos um atendimento universal, descentralizado e hierarquizado, pois haveria um pólo de atenção de acordo com a gravidade, seguindo o esquema de referência e contra-referência (esses termos são utilizados para indicar o encaminhamento do paciente a unidades mais complexas e a volta deste após seu parcial restabelecimento). O atendimento básico ocorreria no próprio local de residência. Esse esquema resolveria a maior parte dos casos.

No Rio de Janeiro, nós já estivemos em momentos melhores, tanto na promoção, quanto na atenção à saúde. Hoje os hospitais de emergência não são mais tão confiáveis, porque não têm condições de atender o enorme contingente populacional. Ainda sofremos com a questão de municípios menores utilizarem seus recursos em transporte, como ambulâncias, e programas assistencialistas. Os pacientes mais graves, com isso, são levados aos grandes centros urbanos, que não têm como receber tanta gente. A gestão municipal da Saúde está muito precária.

O principal, portanto, é destinar capital suficiente para o que é necessário, como a prevenção de doenças prevalentes e estruturação de atendimento hierarquizado, onde no estágio mais alto estão as cronicidades e a reabilitação. Isso evita o inchaço e o mau atendimento.

Essas melhorias serão possíveis se houver uma organização social, seja de modo genérico ou por entidades de classe. A área de Saúde está pouco acostumada a cobrar seus direitos e lutar por melhores condições. A ação política, com apoio e parcerias políticas é um caminho viável, mas a restauração da moralidade deve ser o primeiro passo do próximo Governo.”

José Luiz de Sá Cavalcanti

Diretor do Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ

“A questão da Saúde Pública pode ser dividida aqui em três aspectos: a Saúde no município, os hospitais de Ensino como centro de referência e os hospitais especificamente da UFRJ.

Realmente, é fundamental que haja uma política de Saúde no município do Rio de Janeiro, com desenvolvimento e homogeneização dos Centros de Atenção Psicossociais (Caps), para que haja um projeto de Saúde local, com centros de atendimento domiciliar e pagamento de serviços prestados pelos seguros de Saúde. Isso porque, por exemplo, nós atendemos pessoas que possuem seguros, mas não recebemos o pagamento pela prestação de serviço, uma vez que não há política de governo para isso.

Os hospitais públicos trabalham regionalmente, através de contrato com SUS, porém todos atendem além de suas áreas programáticas, principalmente os hospitais com serviços especializados. Nós atendemos pacientes residentes da Baixada, o que aumenta o contingente de maneira insuportável para o município. É preciso que haja uma política organizacional que defina a estrutura de atendimento. Os municípios de origem desses pacientes têm que repassar esse capital para o Rio de Janeiro.

Existe uma outra problemática que são os postos de saúde 24h. Trata-se de um projeto que determina o funcionamento desses postos para atendimento de emergência. Entretanto, a função primordial dos postos de saúde é proporcionar profilaxia e atendimento preventivo. Isso, portanto, desvia o caminho para a estruturação de um sistema de saúde abrangente e setorizado.

Há um consenso entre os diretores dos hospitais da UFRJ para formar uma rede, com seções complementares, em que cada hospital contribui e juntos decidem o que deve ser concentrado em um complexo hospitalar. Essa rede mantém as características particulares de cada hospital e evita o gasto em recursos que podem ser divididos, como aparelhos de ressonância magnética, por exemplo. O problema maior encontra-se sempre na disputa de poder, pois apesar de todos concordarem sobre o compartilhamento de recursos, dificilmente um diretor dispensará equipamentos já adquiridos aos outros hospitais.

É importante que haja uma interação mais aberta com o Ministério da Saúde e que os projetos dos hospitais de ensino que são enviados ao Fundo Nacional de Saúde (FNS) sejam apreciados com isenção, para evitar casos como o do ‘sanguessugas’, pois hoje não existe uma política adequada de utilização dos investimentos.”