• Edição 051
  • 31 de agosto de 2006

Argumento

Perigoso reflexo da vaidade

Isabella Bonisolo

As novelas do autor Manoel Carlos têm a marca registrada de ser um retrato do cotidiano. Em sua atual trama da Rede Globo, um núcleo aparentemente secundário vem ganhando destaque pela seriedade e realidade do problema que aborda. Anna (Deborah Evelyn) é uma bailarina frustrada e sempre obrigou a filha Giselle a freqüentar aulas de balé e a exercitar-se exaustivamente em casa. A mãe tem pavor que a menina engorde e por isso, sem perceber a gravidade de suas atitudes, a fez crescer em um meio de pressão e vigilância constante. Na adolescência, a jovem transformou em hábito o ato de comer compulsivamente e depois vomitar.

A história de Páginas da Vida é mais comum do que se imagina. Bulimia Nervosa, um transtorno alimentar que ocorre quase que exclusivamente em mulheres jovens. Menos de 10% dos pacientes são homens. Segundo Marco Antônio Brasil, professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ, “a preocupação com a boa forma e a pressão social é muito maior na mulher. É mais ‘socialmente aceitável’ um homem obeso do que uma mulher, principalmente se ela for jovem. Embora hoje em dia haja a tendência para que essa exigência também se faça no homem. A imagem corporal do modelo de desfile de modas passa a ser referência. Essa preocupação contribui, embora não seja suficiente por si só, para o desencadeamento da Bulimia Nervosa. Outros fatores também podem estar presentes, como traços de personalidade e história pessoal e familiar de obesidade e abuso de drogas”.

Um bulímico não consegue ter controle de sua compulsividade e, com freqüência, tem momentos de “farra alimentar”, que consiste na ingestão exagerada de alimentos calóricos em um curto espaço de tempo. Daí a etimologia da palavra bulimia, originada do grego bous (boi) e limos (fome), que caracterizaria uma pessoa tão afoita por comida, que hipoteticamente seria capaz de comer um boi inteiro. “Os episódios bulímicos variam na freqüência e na regularidade, sendo, em média, de cinco a seis episódios por semana. Nesses episódios, a paciente bulímica pode ingerir cerca de duas a três mil calorias em poucos minutos”, explica Marco Antônio.

Após a ingestão exagerada dos alimentos, o sentimento de culpa conduz a atitudes de agressões ao corpo. O doente pode provocar vômitos, usar purgativos e diuréticos. Existem, ainda, os que começam a fazer, repetidamente, exercícios físicos aeróbicos. Essas ações não são apenas uma espécie de autopunição, mas uma tentativa desesperada de compensar todas as calorias do episódio bulímico.

— Há certos quadros psiquiátricos, como o de depressão e de ansiedade grave, que podem levar a Bulimia. Há pessoas que fazem dietas rigorosas. Chega um momento que não agüentam mais fazer, tem um episódio bulímico que pode levar a uma tendência à repetição de outros. Não se sabe exatamente a causa, mas existem fatores predisponentes — esclarece o especialista.

Cerca de 2 a 4% das mulheres jovens viram escravas de episódios bulímicos. Elas passam a manter suas vidas em função da doença, tendo atitudes extremas que vão desde guardar alimentos exclusivamente para esses momentos, até sair desesperadamente de casa no meio da madrugada para comer. Marco Antonio diz que “bulímicos podem chegar a abrir mão de compromissos sociais. O tema que os absorvem o tempo todo é o peso corporal”.

As conseqüências do transtorno vão além desses problemas psicológicos. Como a “farra alimentar” é composta por comidas muito calóricas, não há a ingestão dos nutrientes que o corpo necessita. E o mínimo que o organismo recebe, ainda é posto para fora. A provocação de vômitos, presente em 95% dos bulímicos, pode causar ainda lesões graves no esôfago.

O tratamento de um paciente com Bulimia deve ser feito por uma equipe médica composta por nutricionistas, psicólogos (da linha cognitiva-comportamental) e um médico clínico para avaliar os problemas conseqüentes. O primeiro passo, porém, é a consciência do paciente sobre a doença, já que na maioria das vezes, ela é escondida por vergonha ou simplesmente por ignorância.

Marcos Brasil aconselha aos pais a ficarem atentos às atitudes de seus filhos e lembra que a melhor forma de saber se existe algum problema com o adolescente é através da manutenção do diálogo na família. “É importante enfatizar, porém, que um caso de ‘farra bulímica’ isolado, nem sempre é sinônimo de bulimia”, alerta o especialista.