• Edição 049
  • 17 de agosto de 2006

Argumento

Mercado brasileiro de medicamentos antiretrovirais

Kareen Arnhold, da AgN UFRJ/Praia Vermelha

O Brasil apresenta uma das maiores demandas mundiais por medicamentos antiretrovirais (ARVs). Apesar disso, o mercado de compras governamentais de princípios ativos (matéria prima) para esses medicamentos é dominado por empresas grandes e estrangeiras.

Esta é uma constatação da pesquisa Propriedade intelectual, política industrial-tecnológica e mercado de antiretrovirais, desenvolvida pelo Grupo Inovação Instituto de Economia (IE) da UFRJ. O objetivo do trabalho é aprofundar o estudo das condições para se constituir uma oferta brasileira de ARVs genéricos e de custos sustentáveis para o programa de saúde pública DST/Aids.

Os laboratórios oficiais brasileiros dominam na geração de medicamentos ARVs finais similares, mas não fabricam o princípio ativo; eles dependem de produção interna ou de importação. Porém, o setor privado nacional não investe na produção de matéria prima para ARVs porque não recebe incentivo do governo. Ao contrário, a política brasileira de compras governamentais para ARVs baseia-se em licitação e coloca-se como uma barreira aos produtores nacionais. Os laboratórios públicos, então, importam os princípios ativos e fortalecem as empresas estrangeiras. "Este cenário pode levar, ao longo do tempo, a uma situação de monopólio bilateral, que será exacerbada pela falta de ofertantes internos", segundo o que consta no relatório do trabalho do Grupo Inovação.

Com o reduzido orçamento do Ministério da Saúde e com o aumento da demanda por medicamentos ARVs patenteados (ofertados por multinacionais, principalmente norte-americanas), o preço torna-se o referente para as negociações públicas. Amparado na Lei 8.666/93, "o governo não faz diferenciação entre empresa nacional e estrangeira; quem oferecer o princípio ativo mais barato vai ganhar a licitação", afirma o assistente da pesquisa, Rodrigo Silva Lopes dos Santos.

As empresas nacionais não conseguem concorrer com as multinacionais para participar do mercado governamental de compras. Os custos que se impõem são proporcionalmente mais elevados para menores empresas. Como a demanda brasileira por antiretroviras é essencialmente pública, os produtores nacionais não têm vez.

Por não conseguirem participar das licitações e pela baixa rentabilidade obtida na produção de princípios ativos, o setor privado brasileiro "prefere investir na produção verticalizada, onde produz a matéria-prima e o medicamento, porque compensa eventuais perdas de produtividade na primeira etapa, com ganhos na segunda", afirma Lia Hasenclever, professora do IE e coordenadora da pesquisa,.

Prejuízos com a concessão de patentes retroativas

No período de 2001 a 2005, as compras de medicamentos com patentes retroativas (pipeline) atingiram o valor de 60 milhões de reais. Esse gasto poderia ter sido evitado se o Brasil tivesse postergado as mudanças na Lei de Propriedade Intelectual, até o ano de 2005.

Os prejuízos provindos do pagamento de patentes vêm desde o tempo da transição facultada pelo Trips (Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights), acordo internacional, firmado em 2001, segundo o qual os países em desenvolvimento não precisavam reconhecer patentes imediatamente. O Brasil, porém, concedeu patentes retroativas às multinacionais e "prestou um favor às empresas farmacêuticas estrangeiras", afirma Rodrigo Lopes. Mas, segundo ele, em contrapartida, acumula maus negócios.

Essas empresas estrangeiras dominam não apenas na produção de princípios ativos, mas também na de medicamentos finais patenteados, preenchendo 80% (em termos de valor) das compras do setor público farmacêutico brasileiro, com a oferta de produtos novos.

Em 2003, o Programa DST/Aids incorporou três desses novos produtos. O acréscimo aumentou o custo médio anual do tratamento de US$ 1.359, em 2003, para US$ 2.500, em 2005. Neste último ano, 170 mil pacientes estavam registrados, custando US$ 1 bilhão ao Ministério da Saúde.