• Edição 046
  • 27 de julho de 2006

Faces e Interfaces

Cidade do Sexo: quebra de tabus ou domesticação do sexo?

Por Mariana Elia e Mariana Granja

Um projeto de intervenção arquitetônica vem suscitando discussões na cidade do Rio de Janeiro. Cidade do Sexo é um trabalho de final de curso apresentado pelo estudante Igor Vetyemy na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ que projeta a construção de um complexo ao longo da Avenida Princesa Isabel, em Copacabana, famosa por suas boites noturnas, e parte do morro da Babilônia.

O projeto prevê centros médicos, um museu, uma área de comércio, um centro de estudos e pesquisa, entretenimento e cápsulas do sexo – espécies de camas fechadas onde pessoas poderiam pagar um pequeno preço para praticar atividades sexuais.  Para comentar o assunto  O Olhar Vital convidou o professor Paulo Canella, do Instituto de Ginecologia da UFRJ, e a professora Luciana Zucco, da Escola de Serviço Social da UFRJ.

 

Paulo Canella

Professor-titular de ginecologia da UFRJ e chefe do ambulatório de sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ

"Do ponto de vista da saúde, a implantação não tem sentido nenhum. Há um propósito turístico, que desperta a curiosidade. É importante que haja um centro clínico, mas dentro da área de psicologia e medicina, por exemplo. Muitos precisam de ajuda nesse assunto, mas me estranharia que houvesse procura por esses centros, porque normalmente a pessoa quer manter a consulta em segredo e procura uma clínica especializada. E da mesma forma, aquelas que necessitarem de informações ou esclarecimentos, que deveriam vir da família, escola e universidade, não procurariam no centro. Por isso que parece na prática, uma forma de fazer alarde para atrair turistas, mesmo que sejam previstos também ambulatórios e clínicas.

No aspecto erótico, tem sua validade, mas não acredito que vá haver procura em manter numa intimidade sexual. Terapeuticamente, cuidar da sexualidade dessa maneira ampla me soa esquisito. Mesmo não aprovando à primeira vista, só saberemos com a implantação do centro, é possível que dê certo.

A maioria das exibições sexuais tem o interesse em atrair para as atividades puramente eróticas, e estas são as que mais trazem riscos à saúde. Gastar dinheiro com a construção da cidade do sexo só vale a pena pelo interesse turístico. A oficialização desse erotismo traz mais riscos do que  benefícios.

Se remetermos à Antiguidade Clássica, lembraremos de dois Eros. O Eros puramente erótico e o Eros celestial, da união através do amor. A cidade do sexo é dirigida ao Eros popular, ligado às festas de reprodução e isso vai à contra-mão do ensino. Se eu considerar as pessoas que trato, no âmbito unicamente médico, é impossível ser a favor, pois elas querem o segredo. É difícil lidar com problemas como de transexuais ou de deformidades na genitália publicamente. Existem coisas pessoais, secretas. Por outro lado, o erotismo está aí, em todo lugar, não quero negar ou moralizar o assunto, mas a institucionalização e a oficialização do apelo ao erotismo é o que não concordo".

Luciana Zucco

Professora do Departamento de Política Social e Serviço Social da Escola de Serviço Social da UFRJ e coordenadora do Núcleo de Saúde Reprodutiva e Trabalho Feminino

"É bom deixar claro que a questão maior não diz respeito ao trabalho do estudante Igor de Vetyemy, que teve uma idéia inovadora e por isso está sendo avaliado, mas à série de questões que o tema sexo levanta. Foucault já dizia que é próprio das sociedades modernas a disposição à discussão sobre o sexo. Muito se fala sobre o assunto e já existem muitos trabalhos desde a década de 1970.

Mas o sexo é, principalmente, visto como um bom produto mercadológico. E como um objeto de mercado, o sexo acaba por ser também banalizado. Os tabus não foram quebrados, mas suscita a fantasia, a curiosidade e tudo aquilo que é do interdito. E não deixo de considerar o lado cultural, mas o mercado também traz a indústria cultural de massa. E, assim sendo, o projeto tem uma idéia ambígua e contraditória. Se é uma idéia inovadora, objetivando a discussão e o fim de preconceitos, traz também aspectos conservadores, que criam guetos de exclusão.

Outra questão a ser levantada é a imagem que será sedimentada do Rio de Janeiro como um reduto sexual. O combate ao turismo sexual já é uma séria preocupação do poder público e a prática pode se intensificar com essa oficialização. Além desse aspecto, devemos considerar a possibilidade da profissionalização da prostituição. Quais serão as medidas governamentais relativas à saúde e educação? E como são tratados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) os homossexuais, transexuais e mulheres? Tudo isso tem que ser discutido antes da pretensão da implantação de um projeto como uma cidade do sexo.

Existem duas leis municipais no Rio de Janeiro que traduzem bem a importância do ensino e da democratização do assunto, pois referem-se a uma capacitação dos professores de escola para orientação sexual. Essas medidas são mais eficazes do que uma cidade do sexo, que eu, na verdade, colocaria como um mercado do sexo.

É interessante a construção de um museu com o tema, assim como um espaço para o gênero cinematográfico, mas isso não implica uma cidade do sexo. Instituições de pesquisa também já existem e não é novidade. Temos que aproveitar a característica do Rio de ser uma cidade aberta a diversidades, porém a cidade do sexo pode ser apenas a criação de um gueto para uma prática que já faz parte do cotidiano carioca."