• Edição 046
  • 27 de julho de 2006

Ciência e Vida

O perfil de um psicopata

As características que transformam uma pessoa comum em uma ameaça à sociedade

Taisa Gamboa

Em 31 de outubro de 2002, o casal Manfred e Marísia von Richthofen foi morto a pauladas no próprio quarto onde dormia. O cruel assassinato foi arquitetado pela filha do casal, Suzane, com então 19 anos. A adolescente recebeu ajuda do namorado, Daniel Cravinhos e do irmão dele, Cristian, para a execução de um plano que tinha por objetivo abrir caminho para o namoro dos dois.

Durante as investigações, a frieza, o comportamento linear e a falta de remorso de Suzane chamaram a atenção dos pesquisadores. O motivo torpe, o meio cruel e a impossibilidade de defesa das vítimas delimitaram características típicas de um psicopata.

Mas de acordo com o psiquiatra forense Miguel Chalub, professor associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ, a própria palavra psicopatia tem muitos significados. Inicialmente usada como sinônimo de doença mental (seu sentido etimológico), com o tempo, passou a designar as pessoas que, sem serem propriamente doentes mentais, tinham importantes alterações de conduta ou aspectos de personalidade que a sociedade não aceitava como "adequadas ou convenientes". Seguindo essa análise, a psicopatia pode ser entendida, hoje, por transtorno de personalidade.

Entre os vários tipos clínicos que compõem a personalidade psicótica, está o transtorno anti-social, caracterizado por pessoas que têm graves e importantes alterações da conduta social, precocemente instalada ainda na adolescência. Essas pessoas frequentemente cometem atos anti-sociais ou mesmo criminosos e são designados pela psiquiatria norte-americana, preponderante em todo o mundo, como "psicopatas". Assim, psicopata seria a pessoa que comete crimes ou infrações, que por suas características de execução exibem uma grave anomalia da personalidade tais como extrema crueldade e insensibilidade.

Segundo o psiquiatra, a idéia da existência de pessoas que não correspondem à expectativa da sociedade vem do começo da Idade Moderna quando o capitalismo, inicialmente mercantil e depois industrial, excluiu muitas pessoas das atividades produtivas. As idéias econômicas e sociais do protestantismo emergente, particularmente em sua versão calvinista, defendiam que todos deveriam produzir e enriquecer, seguindo a vontade de Deus. Aqueles que assim não procedessem eram marginais à sociedade, como os mendigos, vagabundos, errantes, prostitutas, bandidos e os loucos.

— Tempos depois, a loucura foi tomada como doença, e parte dos loucos passou para o contingente dos psicopatas, com conduta ou personalidade não socialmente aceita, ainda que não necessariamente anti-sociais — lembrou Miguel Chalub. Na verdade, a psicopatia não é considerada propriamente uma doença, pois não há nenhuma fundamentação médica (anatomopatológica ou fisiopatológica) para afirmá-la como tal. Ela é apenas uma variação anormal do modo de ser, um transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais e falta de empatia para com os outros.

Para o professor da UFRJ, a psicopatia é um transtorno que vai se instalando aos poucos na mente da pessoa, desde o final da primeira infância até a adolescência. Assim, ainda que não seja uma tarefa fácil, a educação pode mudar tal curso. Uma educação excessivamente repressora ou muito permissiva contribui para a instalação da psicopatia. A exclusão social, a carência afetiva, o abandono social, e a miséria são também fatores causais, mas não exclusivos. Postula-se também um fator constitucional ou genético, mas de difícil comprovação.

Os psicopatas apresentam um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. Há uma baixa tolerância às frustrações e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Ocorre também uma tendência a culpar os outros e a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento  que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade.

Em virtude da falta de consciência do distúrbio, o tratamento da psicopatia é muito problemático. A pessoa afetada não demanda ajuda e sua tendência é colocar a culpa nos outros e não em si mesmo. De qualquer forma, a terapia cognitivo-comportamental, a socioterapia, a terapia familiar e a laborterapia são algumas medidas que podem surtir efeito.

— O recolhimento hospitalar não é indicado, pois em nada mudaria o comportamento da pessoa, que continuaria a ser um psicopata dentro do hospital. A internação muitas vezes é usada como medida coercitiva, de pouca eficácia, aliás. Permanecer no convívio familiar, recebendo apoio psicossocial é a melhor solução, — alerta o psiquiatra forense Miguel Chalub.

De acordo com ele, na imensa maioria dos casos, os psicopatas são penalmente responsáveis por seus crimes e assim devem ser tratados. É preciso lembrar que eles têm pleno discernimento para praticar o ato e que poderiam ter agido de outra forma, já que não possuem nenhuma anomalia mental e sim comportamental. Em casos muito especiais, talvez coubesse uma diminuição da pena, acompanhada de outras medidas de recuperação social.