• Edição 044
  • 13 de julho de 2006

Faces e Interfaces

A pesquisa deve ultrapassar os limites da Universidade?

Mariana Elia

O Brasil ocupa o décimo sétimo lugar em produção científica, responsável por 1,7% do conhecimento criado no mundo e, segundo dados da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei), apenas 10,5% dos cientistas trabalham no setor privado, em realização de atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D). A Lei de Inovação, datada de 2 de dezembro de 2004, veio na tentativa de mudar esse quadro, aprovando as relações entre empresas privadas e instituições públicas com P&D. A intenção é incentivar a pesquisa e inovação, através da aproximação entre as instituições acadêmicas e as empresas de capital privado.

O financiamento de pesquisas, no entanto, suscita questionamentos relativos ao caráter público das universidades, pois, poderia submeter as instituições a interesses empresariais. Esse aspecto impediria o retorno direto que as universidades devem à sociedade, já que passaria pelo crivo mercantilista da empresa financiadora. Vale a pena descredibilizar a universidade pública em prol de um aumento nas atividades em P&D ou as instituições públicas mantêm sua autonomia com o fortalecimento da relação com o setor produtivo? Para falar sobre o assunto ouvimos os especialistas da UFRJ Franklin Rumjanek e Carlos Rangel Rodrigues

 

Franklin Rumjanek

Diretor do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ

“Não tenho nenhuma objeção contra a participação de empresas como financiadoras ou com interesse nas pesquisas realizadas na universidade. Isso é uma prática que acontece no mundo inteiro, principalmente nos países ricos, e estabelece um elo muito importante entre a indústria, que é uma das principais empregadoras de material humano, e a universidade. Essa é uma idéia muito interessante que talvez não tenha tomado fôlego aqui porque a empresa não conhece bem a universidade ou os projetos científicos demorem muito tempo para entrar em processo de aplicação.

Essa parceria manteria o caráter público das universidades, só que passa a haver uma interação maior entre essas e a comunidade através da indústria ou outras companhias. Se a empresa quer desenvolver um determinado tipo de pesquisa, mas não possui instalações, ela pode recorrer a universidade. Evidentemente a empresa tem um interesse comercial no produto, mas eu não vejo como isso afeta o caráter público. Por um lado eles vão poder executar o projeto de pesquisa, e por outro, atenderá o desejo da empresa.

Muita gente pensa que a empresa teria, com isso, papel de dominar o interesse público, ser o patrão das universidades. Para mim, o que acontece é o oposto. Uma empresa precisa de lucro, de venda, e vê a universidade como uma instituição muito lenta e ultrapassada (excesso de burocracia e estrutura arcaica). Por conta dessa oposição, acredito a empresa não tem interesse em fazer uma parceria.

Obviamente que os recursos humanos que a universidade tem são inestimáveis - a UFRJ possui profissionais excelentes -, mas por falta desse tipo de relação, estes acabam se concentrando nas instituições públicas. Uma vez que a empresa consiga agilizar esse processo, essa mentalidade talvez mude e a paranóia em relação às empresas acabe em função do conhecimento mútuo. Eu acho que beneficia os dois lados.

Penso que é um pouco de exagero imaginar que uma empresa se recuse a divulgar a cura do câncer simplesmente para manter suas vendas dos produtos já existentes, por exemplo. Inclusive porque a venda com esse novo produto a levaria à liderança de mercado. Por outro lado, acredito também que empresas particulares não se interessam em desenvolver produtos que atinjam a população mais pobre da sociedade. As parasitoses são um exemplo. Por serem, geralmente transmitidas pela água, e portanto afetam basicamente a camada mais desfavorecida, o tratamento será feito através do governo. Isso talvez não interessa a uma grande empresa.

Mas pesquisas com esse objetivo não deixam de ser desenvolvidas na universidade pública. O principal problema é que a universidade não incentiva do ponto de vista financeiro. Nós, professores e pesquisadores, temos que angariar o financiamento de pesquisa. A lei de inovação tem uma visão progressista e é bem vinda, mas a gente ainda não pode sentir os efeitos dela, é cedo. Acredito certamente que as pesquisas devem ultrapassar os limites da universidade. A pesquisa nunca deve ser tolhida e deve certamente extravasar a outros setores da sociedade”.

 

Carlos Rangel Rodrigues

Diretor da Faculdade de Farmácia da UFRJ

“A Lei de Inovação veio propiciar esse desenvolvimento, dando mais liberdade aos pesquisadores. Antes de discutirmos o assunto propriamente, devemos considerar o papel do Estado, que deve motivar e apoiar pesquisas básicas, não impondo qualquer objeção sobre a escolha do objeto de pesquisa, segundo a Constituição de 1988.

Não acredito que haja imposição de interesse, ainda que seja realmente possível, porque a empresa procura um grupo de pesquisa que trabalhe dentro de seu objetivo. O pesquisador não muda sua linha de pesquisa básica, pois o poder de barganha é muito pequeno frente aos objetivos científicos.

Temos que pensar, portanto, por que há tão pouca procura pelo setor privado. Não temos critérios para aferir se determinado recurso provocou a transformação da realidade social a que ele foi destinado. Os recursos destinados à pesquisa não são tão escassos, mas até chegar ao final da cadeia que percorre, muito pouco resta. A infra-estrutura na qual o pesquisador trabalha não tem manutenção, é precária. A falta de comunicação entre o Ministério da Educação e o Ministério de Ciência e Tecnologia é um dos grandes agravantes, pois os recursos e as aplicações práticas não são compatíveis. Não adianta aumentar o número de vagas para docentes, é preciso que o Ministério de Ciência e Tecnologia despenda recursos para aumentar as instalações universitárias. Se aliarmos a falta de estrutura física com as atribulações administrativas burocráticas, veremos que essa conjuntura inibe o processo de desenvolvimento. E além disso, o conhecimento gerado na universidade não tem condições de ser transformado em produto.

Temos que ver o setor produtivo como um aliado, e que está, no momento, desestimulado com a lentidão da instituição pública. Quer dizer, temos que considerá-lo capaz de cooperar com a universidade para transformar nosso conhecimento para sociedade. A indústria funciona como um mediador entre a universidade e a sociedade, pois é o responsável pela fabricação do produto desenvolvido por pesquisadores. Acredito que, hoje em dia, é vital para sobrevivência da universidade pública a parceria com o setor produtivo.

A lei de inovação visa desburocratizar todo esse processo e inova, uma vez que contempla financeiramente também o pesquisador. Então, acho que se o Governo, o Ministério da Educação e o Ministério de Ciência e Tecnologia atuassem de forma integrada teríamos um aproveitamento muito melhor dos recursos humanos. E ainda um mediador entre a universidade e o setor produtivo, como a criação de um órgão público que pudesse manter a comunicação entre as partes."

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