• Edição 043
  • 6 de julho de 2006

Saúde em Foco

Adrenalina pouca é bobagem

Inês Garçoni

Ao ver morrer um colega oficial, alvejado por tiros de um criminoso, a primeira reação de uma equipe de policiais que fazia incursão em um morro carioca foi invadir o baile funk da favela e sair atirando em quem surgisse na frente, bandido ou inocente.

- Se não fosse o controle do comandante da operação, que argumentou com todos que aquilo não levaria a nada, certamente seria uma chacina. O policial perde a noção de certo e errado quando está no auge do estresse – conta Rodrigo Pimentel, ex-policial do Batalhão de Operações Especiais, o BOPE, do Rio.

Naquela situação, a frieza de um comandante desarmou o ímpeto assassino de uma equipe de oficiais no auge da tensão. É um caso raro. No quesito estresse, os policiais batem todos os recordes.

- Já ultrapassaram os controladores de tráfego aéreo há dois anos. A atividade policial é hoje a mais estressante do mundo – explica Pedro Paulo Bicalho, professor de Psicologia Criminal da UFRJ que atuou como psicólogo da Polícia Militar do Rio por quatro anos.

- No Brasil, 70% da categoria vive estressada, diz a psicóloga Lúcia Novaes, vice-presidente da Associação Brasileira de Estresse – O policial é vulnerável porque vive situações imprevisíveis.

Quando sai de casa para trabalhar, o policial nem imagina como terminará o dia – que crime vai combater, onde e como? Sairá vivo de uma operação de risco? A que perigos estará exposto? A imprevisibilidade é o principal detonador de tensão. E aliada à sobrecarga de trabalho, à desvalorização da atividade policial por parte da sociedade e aos baixos salários forma um verdadeiro coquetel de adrenalina capaz de explodir a qualquer momento.

- Irritado, desconcentrado, incapaz de tomar decisões, sensível emocionalmente. Se chegar ao que chamamos de nível de resistência, é assim que o policial fica – alerta Lucia Novaes. O psicólogo Pedro Paulo lembra que policiais abalados podem causar uma série de transtornos ao agir sem pensar, por exemplo.

- Não é porque seja mau policial, ele também sofre as conseqüências disso – observa.

Mesmo fora do expediente, os policiais continuam estressados, pois alem dos problemas comuns a outras pessoas, como baixa remuneração e querelas amorosas e familiares, também sentem medo de represálias e, em alguns casos, precisam manter a profissão no anonimato. Somados, esses fatores causam angústia, problemas gastrointestinais, falhas de memória, depressão, pânico.

Diante de tal cenário, parece óbvio que policiais necessitam de atendimento psicológico freqüente. Mas a realidade brasileira é outra. Apenas Rio, Minas Gerais e Goiás possuem psicólogos integrantes das corporações. No Rio, o primeiro concurso aconteceu em 2002. Em outros estados, esses profissionais são contratados e auxiliam profissionais que já apresentam sintomas graves de estresse.

- É preciso investir em prevenção. O policial deve conhecer os mecanismos causadores de estresse para saber lidar com o problema, reconhecer os sintomas em si e nos companheiros e pedir ajuda – diz Pedro Paulo.


Jornal do Brasil
Domingo, 2 de julho de 2006