No final deste mês será realizado, no Rio de Janeiro, uma feira de jogos eletrônicos com várias arenas onde serão realizados campeonatos de Jogos para PC, consoles e portáteis. O crescimento do mercado de videogames tem chamado a atenção de especialistas que se preocupam com o possível aumento do número de jovens dependentes de jogos. Entre os norte-americanos, por exemplo, a prevalência do “jogo patológico” entre os jovens chega a quase 5%.
Para a maioria desses especialistas, os jogos fazem parte do desenvolvimento normal e provem lazer. Mas quando os jovens se tornam viciados, apresentam problemas de socialização e amadurecimento. Para analisar os motivos que favorecem a dependência e suas principais conseqüências, o Olhar Vital convidou Victor Eduardo Silva Bento, professor do Departamento de Psicometria do Instituto de Psicologia da UFRJ, e o professor Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do Instituto de Psiquiatria (IPUB).
“Não existem jogos que potencialmente viciem mais ou menos que outros, mas é possível ficar viciado. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a definição de um vício ou fármaco-dependência depende da conjunção de quatro fatores: as características do fármaco; a personalidade, o organismo e o contexto social do dependente. Assim, um mesmo jogo poderá gerar vício num indivíduo A e não gerar vício num outro B. A Psicanálise diz que o importante é se considerar o uso que se faz de um objeto, ou ato, pelo sujeito.
Freud dizia que o protótipo dos vícios era o vício masturbatório. Obviamente não estava se referindo aqui a masturbação literal, mas no fato do individuo investir numa mesma idéia, de forma obsessiva e exclusiva. A pessoa se distancia do contato com os objetos da realidade externa para investir, única e exclusivamente, num pensamento próprio compulsivo. Trata-se, portanto, de uma exacerbação dos investimentos narcísicos.
Possivelmente os tempos da pós-modernidade, marcados pela exacerbação da solidão e pelo narcisismo do homem, contribuíram para que o investimento no mundo interno, estimulado pelos videogames, se torne mais atraentes. O objeto da realidade é então substituído por uma espécie de masturbação solitária e mental.
A pessoa foge das situações reais, que sempre a afetam, seja positivamente ou não; para fatos ilusórios que não contribuem para o seu desenvolvimento e amadurecimento psicológicos. Desse ponto de vista, qualquer ser humano necessita do contato com circunstâncias reais para desenvolver seu ego. Nos tornamos psiquicamente mais ricos e evoluídos quando podemos nos relacionar em um nível superior ao narcísico.”
“No Brasil, e em vários outros países, existe uma grande quantidade de pessoas dependentes do jogo no Brasil. Por aqui, o bingo, as máquinas de vídeo-pôquer, jogos de carta, jogo do bicho, corrida de cavalos, loterias e videogames são os mais procurados e não por acaso, os que mais viciam.
Para a maioria dos jovens, o jogo é uma forma de lazer, que associa o desafio às habilidades físicas (como o manejo de teclas e controles) e de raciocínio, e à recompensa pela vitória. Como as situações são simulações, possibilitam, ao jogador, sensações parecidas com desafios reais, sem a necessidade do risco e do treinamento necessário na realidade.
Os jovens têm grande prazer em situações fantasiosas como a simulação de uma corrida de automóveis, um combate, etc. Além disso, os videogames, diferentemente de outros jogos dispensam os equipamentos, o campo e mesmo os adversários reais, o que torna o jogo disponível a qualquer momento. Quanto mais rápida a recompensa maior o poder de dependência do jogo. Quanto maior o poder de facilitar a fantasia, o poder e a vitória maior também o risco.
Alguns jogos ajudam o treinamento de habilidades necessárias na vida diária (como a paciência, a capacidade de saber perder, o espírito de equipe, etc). Mas qualquer dependência é por definição prejudicial, pois sempre há prejuízo e perda do controle. O prejuízo pode vir sob forma de estreitamento do repertório de interesses (o indivíduo negligencia outras atividades como o estudo e outras formas de lazer para se dedicar cada vez mais ao jogo); e negligência com a saúde e outros cuidados (como dormir e se alimentar insuficientemente, cuidar da própria higiene, etc).
A pessoa dependente também fica irritada e inquieta quando tenta diminuir ou parar de jogar; apresenta problemas no relacionamento com os familiares e amigos; e se utiliza do jogo para aliviar sentimentos negativos (como depressão ou ansiedade) sem procurar formas efetivas de resolvê-los. Há casos em que se joga a dinheiro e aí as perdas podem ser grandes.