• Edição 040
  • 14 de junho de 2006

Faces e Interfaces

Brincadeira perigosa

Taisa Gamboa

No final deste mês será realizado, no  Rio de Janeiro, uma feira de jogos eletrônicos com várias arenas onde serão realizados campeonatos de Jogos para PC, consoles e portáteis. O crescimento do mercado de videogames tem chamado a atenção de especialistas que se preocupam com o possível aumento do número de jovens dependentes de jogos. Entre os norte-americanos, por exemplo, a prevalência do “jogo patológico” entre os jovens chega a quase 5%.

Para a maioria desses especialistas, os jogos fazem parte do desenvolvimento normal e provem lazer. Mas quando os jovens se tornam viciados, apresentam problemas de socialização e amadurecimento. Para analisar os motivos que favorecem a dependência e suas principais conseqüências, o Olhar Vital convidou Victor Eduardo Silva Bento, professor do Departamento de Psicometria do Instituto de Psicologia da UFRJ, e o professor Marcelo Cruz, coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do Instituto de Psiquiatria (IPUB).

 

Victor Eduardo Silva Bento

Professor do Departamento de Psicometria do Instituto de Psicologia da UFRJ

“Não existem jogos que potencialmente viciem mais ou menos que outros, mas é possível ficar viciado. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a definição de um vício ou fármaco-dependência depende da conjunção de quatro fatores: as características do fármaco; a personalidade, o organismo e o contexto social do dependente. Assim, um mesmo jogo poderá gerar vício num indivíduo A e não gerar vício num outro B. A Psicanálise diz que o importante é se considerar o uso que se faz de um objeto, ou ato, pelo sujeito.

Freud dizia que o protótipo dos vícios era o vício masturbatório. Obviamente não estava se referindo aqui a masturbação literal, mas no fato do individuo investir numa mesma idéia, de forma obsessiva e exclusiva. A pessoa se distancia do contato com os objetos da realidade externa para investir, única e exclusivamente, num pensamento próprio compulsivo. Trata-se, portanto, de uma exacerbação dos investimentos narcísicos.

Possivelmente os tempos da pós-modernidade, marcados pela exacerbação da solidão e pelo narcisismo do homem, contribuíram para que o investimento no mundo interno, estimulado pelos videogames, se torne mais atraentes. O objeto da realidade é então substituído por uma espécie de masturbação solitária e mental.

A pessoa foge das situações reais, que sempre a afetam, seja positivamente ou não; para fatos ilusórios que não contribuem para o seu desenvolvimento e amadurecimento psicológicos. Desse ponto de vista, qualquer ser humano necessita do contato com circunstâncias reais para desenvolver seu ego. Nos tornamos psiquicamente mais ricos e evoluídos quando podemos nos relacionar em um nível superior ao narcísico.”

Marcelo Cruz

Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (PROJAD) do Instituto de Psiquiatria da Universidade

“No Brasil, e em vários outros países, existe uma grande quantidade de pessoas dependentes do jogo no Brasil. Por aqui, o bingo, as máquinas de vídeo-pôquer, jogos de carta, jogo do bicho, corrida de cavalos, loterias e videogames são os mais procurados e não por acaso, os que mais viciam.

Para a maioria dos jovens, o jogo é uma forma de lazer, que associa o desafio às habilidades físicas (como o manejo de teclas e controles) e de raciocínio, e à recompensa pela vitória. Como as situações são simulações, possibilitam, ao jogador, sensações parecidas com desafios reais, sem a necessidade do risco e do treinamento necessário na realidade.

Os jovens têm grande prazer em situações fantasiosas como a simulação de uma corrida de automóveis, um combate, etc. Além disso, os videogames, diferentemente de outros jogos dispensam os equipamentos, o campo e mesmo os adversários reais, o que torna o jogo disponível a qualquer momento. Quanto mais rápida a recompensa maior o poder de dependência do jogo. Quanto maior o poder de facilitar a fantasia, o poder e a vitória maior também o risco.

Alguns jogos ajudam o treinamento de habilidades necessárias na vida diária (como a paciência, a capacidade de saber perder, o espírito de equipe, etc). Mas qualquer dependência é por definição prejudicial, pois sempre há prejuízo e perda do controle. O prejuízo pode vir sob forma de estreitamento do repertório de interesses (o indivíduo negligencia outras atividades como o estudo e outras formas de lazer para se dedicar cada vez mais ao jogo); e negligência com a saúde e outros cuidados (como dormir e se alimentar insuficientemente, cuidar da própria higiene, etc).

A pessoa dependente também fica irritada e inquieta quando tenta diminuir ou parar de jogar; apresenta problemas no relacionamento com os familiares e amigos; e se utiliza do jogo para aliviar sentimentos negativos (como depressão ou ansiedade) sem procurar formas efetivas de resolvê-los. Há casos em que se joga a dinheiro e aí as perdas podem ser grandes.

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