Agência de Notícias da UFRJ www.olharvital.ufrj.br
Edição 186
27 de agosto de 2009

Faces e Interfaces

Um avanço para conter o tabagismo

Especialistas opinam sobre a nova lei antifumo


Amanda Salles e Thiago Etchatz


Na última semana, o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral sancionou a Lei 5.517/09, que proíbe o fumo em ambientes fechados de uso coletivo públicos e privados. Em novembro, a regulamentação entra em vigor para os fluminenses, enquanto no estado de São Paulo a lei já vigora. A nova legislação responsabiliza os proprietários de estabelecimentos comerciais, ou mesmo de meios de transporte público, que tolerarem o consumo de qualquer produto fumígeno, aplicando multas que podem variar de R$ 3 mil a R$ 30 mil.

Para discutir a aprovação dessa lei, às vésperas do Dia Nacional de Combate ao Fumo, 29 de agosto, o Olhar Vital convidou Alberto José de Araújo, diretor do Núcleo de Estudos e Tratamentos do Tabagismo (NETT/UFRJ), e Sônia Costa, coordenadora de biossegurança do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ (CCS).

Alberto José de Araújo

Diretor do Núcleo de Estudos e Tratamentos do Tabagismo (NETT/UFRJ)

“Quando se fala desta lei, uma questão precisa ficar bem clara. O projeto vai regular e proibir o fumo em locais e ambientes fechados, portanto não irá proibir o fumante de fumar. Esta é uma lei que visa proteger a saúde daqueles que não fumam e são obrigados a conviver nesses ambientes que não têm ventilação adequada e requisitos para o consumo de cigarro. Dentre os não fumantes atingidos, a lei vai resguardar, principalmente, os trabalhadores de restaurantes e bares, onde há uma incidência maior de fumantes e o ar, consequentemente, é mais poluído e sujeito a mais de 4.700 substâncias nocivas do tabaco, como o cádmio, a pólvora, a naftalina e o formol.

Outro ponto importante a ser destacado é que muitas dessas substâncias estão mais presentes na fumaça que fica no ambiente do que na própria fumaça tragada pelo fumante. Isso se deve ao fato de que a pessoa que fuma tem o benefício do filtro do cigarro, mas os fumantes passivos que recebem a fumaça do cigarro não têm o mesmo benefício. Por isso, os efeitos na saúde de ambos, muitas vezes, podem ser os mesmos.

Os fumantes, por fumarem em grandes quantidades e em um longo tempo, possuem efeitos mais nocivos. Já para os trabalhadores e pessoas que convivem com fumantes, os efeitos podem ser de curto prazo, como tosse, irritação nasal, sinusite, lacrimejamento e dor de cabeça, ou, a longo prazo, câncer de pulmão, enfisema pulmonar e doenças cardiovasculares, que são doenças comuns e iguais a de fumantes ativos. Sabe-se que, hoje, no mundo, o tabagismo passivo é a terceira causa evitável de adoecimento.

As pessoas que fizeram a opção de não fumar, que não são usuárias ativas, não podem pagar o preço pelos diversos prejuízos que o tabagismo traz à sociedade. É uma questão de saúde pública e ao mesmo tempo, econômica. A maioria da população, hoje, é de não fumantes; portanto, a lei trata de uma tentativa mais efetiva de proteger essas pessoas, mas, pelo contrário do que muitos acham, sem fazer uma caça aos fumantes.

A lei proíbe o fumo em ambientes de trabalho fechados, casas de espetáculos, teatros, cinemas, bares, boates, restaurantes, praças de alimentação, hotéis, centros comerciais, bancos, entre outros. Esses ambientes não têm como eliminar a fumaça, por mais que tentem usar a opção da porta fechada em um restaurante com área para fumantes, por exemplo. O ar circula e toda vez que a porta for aberta o ar contaminado pela fumaça vai chegar a todo restaurante. Além disso, se o lugar tiver tapetes, cortinas e ar-condicionado, as substâncias presentes se depositarão no local, deixando o ambiente contaminado.

É necessária uma conscientização da população, para que todos entendam, inclusive os fumantes, que a fumaça e as sustâncias do cigarro fazem mal à saúde de todos, e a lei torna-se um ponto fundamental nesse processo. O fumante que já pensava em parar vai tomar coragem e procurar ajuda; aquele que quer continuar a fumar, vai ter que ir para lugares com circulação de ar, dificultando o consumo indiscriminado. Portanto, a lei é benéfica tanto para os fumantes quanto para os não fumantes.”

Sônia Costa

Coordenadora de biossegurança do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ (CCS)

“Legislar em benefício da saúde é extremamente louvável, pois se esperarmos que as pessoas tenham o bom senso de não prejudicar a saúde do próximo fica complicado. Chegou-se ao ponto de legislar, de dizer ‘olha, o cigarro não pode ser utilizado em ambientes fechados’, porque a literatura médica nos inunda de exemplos de como o cigarro faz mal. Não só por quem optou pelo cigarro, mesmo consciente dos prejuízos à saúde, mas por aqueles que são fumantes passivos e pagam pelo prejuízo sem ao menos ter o outro lado da moeda, que seria o prazer.

A pessoa procura o cigarro porque precisa de uma determinada compensação. Eu não sabia até então, mas numa conferência do professor Alberto Araújo, médico que dirige o Núcleo de Estudos de Tratamento do Tabagismo (NETT), descobri que pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o tabagismo é considerado uma doença neurocomportamental. A pessoa que depende do cigarro se sente bem, a nicotina provoca alterações comportamentais de bem-estar, relaxamento.

Porém, uma vez que é uma lei a gente não discute, acata. As patologias dos fumantes passivos são exatamente as mesmas dos ativos. No ano passado, na Jornada de Controle do Tabagismo e Promoção da Saúde no Centro de Ciências da Saúde, foi mostrado para a comunidade acadêmica o resultado de uma pesquisa conjunta entre o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e o Instituto de Estudo de Saúde Coletiva (IESC) com o NETT. E ali ficou flagrante que mais de 2.500 pessoas morrem por ano por serem fumantes passivos.

Como coordenadora de biossegurança do CCS, é nosso papel, bem antes de essa lei ser promulgada, tentar controlar o uso indiscriminado do cigarro em qualquer ambiente do centro. Promovemos a I Jornada de Controle do Tabagismo e Promoção da Saúde no CCS, que teve aceitação muito boa. Conseguimos a parceria com o NETT e podemos oferecer aos fumantes do CCS, que desejam parar de fumar, um tratamento dentro do nosso prédio.

Durante a jornada, eu e outra pessoa nos submetemos ao teste do monoxímetro, um aparelho que mede o teor de monóxido de carbono nos pulmões. Eu não sou e nunca fui fumante, mas havia respirado o fumo de várias pessoas aqui no CCS e fiquei muito espantada quando soprei o aparelho. Fui classificada como fumante leve, tinha dez ppm (parte por milhão) de monóxido de carbono nos meus pulmões.

O que ainda cria polêmica é quando as pessoas dizem que ‘está proibido fumar dentro do prédio por intolerância dos não fumantes’. Na verdade não se trata de ‘eu gosto ou não gosto’. Eu sei que isso faz mal, eu sou adulto, assumo o ato de fumar, mas eu não posso impor as consequências da minha opção àqueles que optaram por outro estilo de vida. Não é tolerar ou deixar de tolerar, é respeitar o próximo.

Se vivêssemos em uma sociedade em que houvesse mais respeito ao outro, essas leis seriam desnecessárias. As leis existem porque o nosso jeito de ser é um pouco egoísta. Toda essa legislação é porque nós ainda não somos capazes de impor os nossos próprios limites.

Sou fundamentalmente otimista, penso que o ser humano pode sempre melhorar. Falamos muito de células-tronco, o que podemos fazer de bonito com elas em prol da saúde das pessoas. Isso remete a uma evolução muito rápida no campo da ciência, mas, talvez, o ser humano esteja um pouco atrasado na parte do altruísmo, de respeitar o outro. Isso começa no lar, na fase de criança. Com o tempo essas leis vão se tornar obsoletas.

É um trabalho de conscientização. Eu não fumo do lado de fora porque é uma lei, eu fumo do lado de fora porque eu não quero causar mal ao próximo. Estamos caminhando para viver em um mundo mais civilizado e no qual as pessoas não tentem burlar isso. Eu não posso burlar o respeito que tenho por alguém, porque eu quero que aquela pessoa também me respeite. Fumar dentro do prédio significa sabotar a saúde daqueles que estão no meu entorno, sabotar também o trabalho da Comissão de Biossegurança, que tem investido muito nessa campanha.”

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