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Edição 173
28 de maio de 2009

Faces e Interfaces

Menina de 10 anos com câncer de mama: quais os motivos?

Beatriz da Cruz e Cília Monteiro

O câncer de mama é uma das principais causas de morte em mulheres em todo o mundo. No Rio de Janeiro, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a taxa estimada para o ano de 2008 foi de 92,77 casos para cada 100.000 mulheres. Entretanto, esse tipo de câncer é bastante incomum antes dos 35 anos e extremamente raro em crianças. Por isso chamou atenção o caso de uma menina de apenas 10 anos da Califórnia, nos Estados Unidos, que teve diagnóstico confirmado de câncer de mama.

Devido à raridade do quadro, especulam-se quais seriam as causas, e se o caso poderia servir como alerta para que os pais se preocupem e providenciem a realização de exames para suas filhas. Para responder a essas e outras questões, o Olhar Vital convidou dois especialistas:

Afrânio Coelho de Oliveira

Mastologista do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

“O que é raríssimo nesse caso é a idade, na qual nem consideramos essa doença. Se você procurar na literatura é um em um milhão, talvez nem exista ainda publicação de casos de câncer de mama aos 10 anos. Pode ser o único ou primeiro caso que exista. Se ela ainda não teve menstruação é ainda mais grave, porque o câncer de mama na maioria das vezes é hormônio-dependente.

Nesta fase, doenças do sistema linfático, dermatológico, linfomas e outros tumores são mais comuns. Portanto, esse caso não deve gerar nenhum alarde. Nunca vi em 25 anos nenhum caso de câncer de mama abaixo dos 17 anos. Aqui no HUCFF, em 30 anos também não houve nenhum caso registrado de câncer de mama aos 10 anos. Esse tipo é, na maioria das vezes, ligado aos hormônios, ou seja, é hormônio-dependente. Então é muito mais comum nas mulheres depois que elas passam a menstruar e mais comum ainda depois dos 40 anos, pois nessa fase já houve bastante tempo de exposição aos efeitos da ação hormonal, que pode ou não formar câncer.

Em mulheres mais novas, esse carcinoma geralmente está ligado a fatores genéticos, que, nesse caso, não dependem do hormônio. A família dela talvez devesse ser estudada caso haja outros tipos de câncer na família. Às vezes a pessoa não sabe, mas pode descobrir que tem uma mãe com linfoma ou uma avó com câncer no ovário. Existe uma síndrome chamada câncer de mama-ovário, que provoca uma tendência hereditária ao desenvolvimento de câncer de mama e ovário em uma família. Essa condição está ligada a um gene, chamado BRCA.

A idade recomendada para que se comece a fazer exames preventivos é depois dos 40 anos para a população em geral. Já quando há casos de câncer na família, os testes clínicos podem começar a partir dos 18 anos de idade, com periodicidade anual.

Com relação à alimentação, é pouco provável que o consumo de substâncias, como o hormônio contido no frango ou outras substâncias artificiais, tenha sido o determinante desse câncer, já que a menina tem apenas 10 anos e, portanto, não esteve exposta a essa alimentação por tempo suficiente. Em vítimas do acidente de Chernobyl, na Rússia, houve muitos casos de câncer de mama, de pele, linfático e muitos outros devido à radiação. Então seria uma hipótese, caso essa menina more em ambiente afetado por um trabalho com químicos ou produtos cancerígenos.

Assim, ela poderia ter tido alguma exposição ambiental a um agente cancerígeno. É uma possibilidade que exigiria a realização de um estudo histórico epidemiológico, para saber onde ela nasceu, cresceu, com o que trabalha o pai dela, se a mãe se expôs a alguma droga durante a gravidez etc. A causa desse câncer deve ser buscada mais na linha genética da família e na linha ambiental.

O que deve ser frisado é a raridade do caso. Essa situação não é uma coisa frequente e não deve gerar pânico nem medo. Provavelmente vai demorar muito até que apareça outro caso, a não ser que esteja surgindo na comunidade da menina um fator ambiental de que a gente não tenha conhecimento. O câncer de mama é, 85% das vezes, ligado a hormônios e mais comum após os 40 ou 50 anos.

Na mulher adulta pode ser prevenido. Para isso é preciso evitar o sobrepeso, fazer baixa ingestão de álcool e não usar reposição hormonal depois da menopausa. Ter filhos e amamentar também é um fator de prevenção, pois nessa fase existe a inundação de hormônios que protegem a mama desse processo de alteração celular que o estrogênio (hormônio feminino) de alguma forma provoca.”

Gerson Carakushansky

Médico geneticista, doutor e livre-docente da Faculdade de Medicina (FM) da UFRJ

“Só o fato de o câncer de mama ter ocorrido numa menina de 10 anos não significa necessariamente que haja uma explicação genética para esse raríssimo caso. Existem alguns tipos de câncer que são comuns na faixa pediátrica; porém, o de mama está longe de ser um deles.

Sabemos que cerca de 20 a 30% das mulheres com a doença possuem um parente que foi acometido por esse tipo de câncer. No entanto, somente 5 a 10% das mulheres com câncer de mama têm predisposição hereditária identificável através de exames genéticos.

Mutações nos dois genes responsáveis por esse tipo de câncer são a causa de 3 a 8% de todos os casos e de 15 a 20% dos casos familiares. Os genes BRCA1 e BRCA2, respectivamente encontrados nos cromossomos 17 e 13, são responsáveis pela maioria dos casos de câncer de mama transmitidos através de um modelo de herança autossômico dominante.

Ambos parecem ser genes supressores tumorais, cujos produtos estão envolvidos em manter a integridade do DNA e estabilidade da transcrição. Mutações raras são encontradas nos genes PTEN, TP53, MLH1, MLH2 e STK11. Não sei se, no caso dessa menina, existia história de parentes próximos com câncer de mama, ou se foi realizado um estudo molecular do DNA dela para averiguar a presença de mutação gênica. Também desconheço se a família dela é de origem judaica Ashkenazi, pois essa etnia comprovadamente possui a maior incidência de mutações no gene BRCA1, alcançando o percentual de 8,3%.

A hipótese de uma criança desenvolver câncer de mama é bastante remota. Mesmo porque sabe-se que um dos fatores não genéticos de risco para a doença é a exposição prolongada da mulher aos hormônios estrogênicos. Isso acontece principalmente naquelas que tiveram sua primeira menstruação muito cedo, não tiveram filhos ou entraram em menopausa tardiamente.

Já no caso dessa menina, absolutamente não houve tempo hábil para a exposição prolongada aos hormônios estrogênicos, pois aparentemente ela nem havia entrado ainda na puberdade, sendo que esse fato representa um fator predisponente a menos para o caso dela. No entanto, é apenas um dos fatores predisponentes para o câncer de mama.

Em consonância com os números indicados por estudos internacionais, principalmente feitos nos Estados Unidos e na Europa, a idade média para o diagnóstico de câncer de mama no Brasil está em torno dos 59,3 anos. Pelo fato de a doença estar sendo diagnosticada mais precocemente, havia a falsa impressão de que aqui no Brasil a idade média de início fosse mais baixa do que realmente é. Curiosamente, apenas 25% das pacientes estudadas tinham menos de 50 anos.

Essa foi uma conclusão do Projeto Amazona, desenvolvido pelo Grupo Brasileiro de Estudos de Câncer Mama (Gbecam). O projeto se caracterizou pela coleta de dados epidemiológicos, de diagnóstico, de tratamento e de sobrevida de 4.912 mulheres com câncer de mama. Essa amostra constitui aproximadamente 5% das brasileiras diagnosticadas com a doença no período do estudo, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Por outro lado, é interessante assinalar que os casos com característica hereditária ou familiar costumam ter início em mulheres mais jovens, com menos de 50 anos. Porém, nunca ou quase nunca numa idade tão precoce como aconteceu com a menina.

Em medicina não existe a palavra ‘nunca’. Mas certamente vai demorar para acontecer de novo. Acho que deve ser encarado como um caso isolado e nada preocupante, pois se trata de raridade. A supervalorização desse caso pode causar ansiedade desnecessária nos pais. São absolutamente desnecessárias medidas preventivas em crianças, tendo em vista a raridade da ocorrência. O custo-benefício não justificaria sua aplicação.”

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