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Edição 172
21 de maio de 2009

Faces e Interfaces

Contraceptivo masculino: o poder nas mãos dos homens?

Cília Monteiro

A pílula anticoncepcional feminina passou a ser comercializada nos anos 60, marcando o início de uma verdadeira revolução entre as mulheres. A eficácia da droga se consolidou e hoje ela é essencial na vida de muitas pessoas. Mas agora a novidade é outra: contraceptivos masculinos. Pesquisas estão sendo realizadas em vários países em busca de um método anticoncepcional para os homens.

Um exemplo é a China, que está desenvolvendo uma injeção de testosterona. Tudo indica que a eficácia da fórmula é semelhante à da pílula feminina. Outros grupos também estão testando versões de um contraceptivo masculino, baseado na combinação de testosterona e progestogênio. Os resultatos também estão sendo positivos.

Para explicar sobre o funcionamento do novo método, sua eficácia e seus riscos, o Olhar Vital convidou os especialistas Mário Vaisman e Maria do Carmo Borges.

Mário Vaisman

Professor titular de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

“O contraceptivo masculino provavelmente trabalharia com testosterona, inibindo a produção de espermatozoides. Dois tipos de ação são possíveis nas drogas. Pode-se ter uma droga com ação no nível dos hormônios de hipotálamo-hipófise, que estimula o testículo a funcionar, a produzir espermatozoides. A forma seria bloquear quem estimula o testículo, pois não sendo estimulado ele para de produzir. A outra maneira é usar drogas que agem diretamente no testículo, inibindo a produção direta de espermatozoides.

Essas drogas podem trazer malefícios, mas, desde que se tenha segurança de uso e que sejam testadas, podem ser muito boas. Como qualquer medicamento, se for na dose errada, pode causar problemas. Será possível elaborar, além de injeções, medicamentos orais também. O problema é que hoje em dia o uso de drogas derivadas da testosterona por via oral traz maiores efeitos colaterais, em função da passagem pelo fígado. Hepatite tóxica seria um exemplo.

Eu diria que é mais prático poder fazer uma injeção mensal, ou uma dessas preparações que se possa usar por até seis meses. Se tiver eficácia, é até mais seguro poder usar poucas vezes do que um medicamento que se tem que tomar todos os dias, até quando falamos de prevenção em massa.

Não tenho dúvida de que, comparando com os contraceptivos femininos, os masculinos poderiam alcançar o mesmo nível de eficácia. A filosofia vai ser a mesma, a questão toda é da toxicidade, dos efeitos e da eficácia.

De uma maneira geral, dependendo do tipo de ação da droga, é pouco provável que a não-produção de espermatozoides seja irreversível. Mais uma vez comparando com a pílula: a maioria das mulheres que usa, se antes de começar não tinha nenhum problema de fertilidade, ao parar vai continuar não tendo. Geralmente as mulheres que apresentam problemas não sabiam que tinham antes de começarem a tomar o comprimido.

Considero válido o desenvolvimento desse contraceptivo, faz parte até da briga pela igualdade. Sem dúvidas, vai trazer bom resultado. Se houver um casal que queira evitar filhos, eles terão o direito de escolher quem vai fazer o quê. Hoje, para não ter filhos, o homem tem que fazer vasectomia, o que na enorme maioria das vezes é irreversível. E ainda existem casos de mulheres com problemas graves, que não podem usar contraceptivo de forma nenhuma. São vários casos de utilidade para o contraceptivo masculino.

Acho que os homens vão procurá-lo, inclusive avaliando pelo ponto de vista legal. Hoje em dia se sabe quem é o pai de qualquer criança. Outra coisa também é a vida moderna, de casamentos desfeitos. Acho que abre um leque de perspectivas. Estou falando de um ponto de vista teórico. O contraceptivo masculino também pode ser importante para o planejamento familiar responsável. A China usa muito, li que tiveram uma experiência ótima, sem grandes efeitos colaterais e com reversibilidade.

Tudo é uma questão de tempo e experiência, é um caminho interessante. No entanto, há o problema das doenças sexualmente transmissíveis. Atualmente, muitos homens usam camisinha não por uma questão de responsabilidade em relação à transmissão de doenças, mas porque querem evitar filhos. Na hora que deixa de existir esse risco, pode ser que haja negligência em relação à camisinha, que é a única maneira de prevenir doenças sexualmente transmissíveis. Tudo tem sempre dois lados. O ideal é que seja um uso em conjunto.”

Maria do Carmo Borges de Souza

Especialista em Reprodução Humana e responsável pelo setor de Reprodução Humana do Instituto de Ginecologia da UFRJ

“Há pelo menos 20 anos se fala em contraceptivo hormonal masculino. Tem que ser algo ‘antitestículo’, ou que diminua a ação de testosterona, ou alguma coisa específica com ação de autoimunidade no testículo para produção de espermatozoides. Com isso haveria diminuição de espermatogênese.

Provavelmente seria algo que inibiria a formação e maturação do espermatozoide. Não poderia ser simplesmente um antitestosterona, pois o homem teria uma diminuição importante de libido, além de ações não desejáveis à vida normal.

Assim como existem várias opções de contraceptivos femininos, via oral e injetável, por exemplo, potencialmente com o masculino seria a mesma coisa. Mas se as drogas ainda não estão no comércio, é porque por enquanto não se chegou a uma fórmula eficaz e segura. A melhor fórmula será aquela que permitirá a ação da espermatogênese, sem mudar a vida do indivíduo.

Quando se fala em uma medicação, até ela poder chegar a ser usada clinicamente, passa por quatro fases de estudo. A minha impressão é de que essas drogas às vezes chegam à fase dois, mas da três não passam. Sempre se fala na China, em locais de grandes populações, mas até então não se tinha nada concreto.

Um método anticoncepcional tem que ser seguro, dando a contracepção que a pessoa busca; tem que ser barato, para poder ser universal; e ainda tem que ser reversível. Eu acredito que haveria procura por um método anticoncepcional masculino. O homem deve aderir se for desenvolvida uma boa opção.

No entanto, é preciso lembrar que isso não muda nada em relação ao uso da camisinha, que é uma barreira contra doenças sexualmente transmissíveis. Tem que ser uma ação em conjunto entre os dois métodos.

Considero a iniciativa de se desenvolver um contraceptivo masculino extremamente válida. Espero que se chegue a um consenso, pois já são muitos anos de estudo.”

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