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Edição 168
16 de abril de 2009

Faces e Interfaces

Fitoterapia na saúde pública: qual a vantagem?

Beatriz da Cruz e Cília Monteiro

O poder das plantas para tratar doenças é conhecido pelo homem desde a antiguidade. Diversas tribos e civilizações aprenderam a utilizar as ervas e plantas disponíveis ao seu redor para aliviar o mal-estar, amenizar dores ou mesmo curar enfermidades. Com o avanço da medicina surgiram remédios sintéticos, mas ainda assim o uso das chamadas plantas medicinais não desapareceu.

Atualmente existem os fitoterápicos, medicamentos obtidos exclusivamente de matérias-primas ativas vegetais, tidos como vantajosos por apresentarem baixa toxicidade. O Ministério da Saúde anunciou recentemente que vai disponibilizar fitoterápicos na rede pública, por terem a vantagem de serem menos agressivos ao organismo. Para esclarecer sobre esses remédios e falar sobre a iniciativa do Ministério, o Olhar Vital convidou os especialistas Ricardo Kuster, do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN), e João Régis Carneiro, médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF).

Ricardo Machado Kuster

Professor do Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais (NPPN) da UFRJ

“Fitoterápicos são medicamentos produzidos com um ou mais extratos vegetais, padronizados, obtidos de plantas consideradas medicinais. Ou o emprego direto da planta ou plantas secas em uma determinada formulação farmacêutica, como cápsula, comprimido e outras, com objetivos medicinais. Entretanto, a utilização medicinal de moléculas isoladas a partir do fitoterápico caracteriza o fitofármaco.

Os fitoterápicos são produzidos por indústrias farmacêuticas do ramo. O método mais utilizado pela indústria fitofarmacêutica é submeter a planta medicinal a procedimentos de extração, sendo a percolação o mais comum e, com os extratos obtidos, proceder a manipulação farmacêutica. Os extratos vegetais contêm inúmeras substâncias químicas. Algumas ou várias delas podem ser as responsáveis pelo efeito farmacológico atribuído à planta. O tipo de formulação vai depender da aplicação do produto.

Ginkgo biloba, para insuficiência cérebro-vascular e suas manifestações funcionais, é um dos fitoterápicos mais utilizados mundialmente. Outro exemplo é Punica granatum, a romã, utilizada para infecções de garganta. Já Hypericum perforatum, a erva-de-São-João, atua como antidepressivo. Panax ginseng é estimulador da performance física e mental. E Calendula officinalis age como cicatrizante tópico. Esses são alguns exemplos de fitoterápicos.

O uso milenar de plantas medicinais pelos diversos povos do planeta conduziu a uma seleção natural daquelas que realmente podem auxiliar a humanidade no tratamento de suas enfermidades. Ainda hoje, no auge da tecnologia industrial, inúmeros povos as utilizam como única forma de restabelecimento da sua saúde. A comprovação científica das atividades farmacológicas atribuídas a essas plantas economiza muitos recursos financeiros que seriam utilizados para a descoberta de medicamentos não originados de plantas.

A principal diferença entre os fitoterápicos e os medicamentos ditos sintéticos é que esses são quimicamente definidos, dentro da ideia farmacêutica de princípio ativo. Por exemplo, a aspirina, utilizada como analgésico, é um medicamento que tem como base a molécula ácido acetilsalicílico. Já os fitoterápicos são um conglomerado de substâncias químicas que exercem também uma ação farmacológica. Mas, na maioria das vezes, não se sabe qual delas é o real princípio ativo. É bem provável que não exista um princípio ativo, mas um sinergismo de ação entre as diversas moléculas.

Como plantas são organismos vivos, a síntese de suas moléculas depende do ambiente em que elas estão inseridas. É possível que determinada planta, em certa época do ano ou estação climática, não produza a classe de substâncias importantes para sua ação farmacológica. Por isso a padronização de extratos vegetais, garantindo a presença dessas substâncias, é primordial para que o fitoterápico exerça a sua função. E assim seja considerado um medicamento de qualidade, eficaz, que possa substituir outros medicamentos.

Precisamos encarar o fitoterápico como um medicamento, em toda a sua extensão, com sua atividade biológica e também toxicológica. Dependendo do caso, a utilização pode ser maléfica. Existem, por exemplo, evidências de que o uso concomitante de Hypericum perforatum com antirretrovirais seja nocivo. Nada se pode dizer a respeito de efeitos colaterais enquanto estudos epidemiológicos são conduzidos para determinar atividades iatrogênicas de fitoterápicos. Esses mesmos estudos existem para alguns outros medicamentos não derivados de plantas.

Certamente a iniciativa do Ministério da Saúde é válida. Mas não pode haver desprezo ou descuido sobre os incentivos à pesquisa. É preciso que essas plantas continuem sendo estudadas em seus diversos aspectos, como farmacologia, química, toxicologia, clínica, agronomia, entre outros. O uso popular da planta é um mecanismo de seleção natural, mas a validação dessa aplicação precisa continuar a ser realizada. Além disso, as escolas de medicina precisam ensinar a fitoterapia para que o médico possa receitar os fitoterápicos.

O uso de fitoterápicos proporciona melhor aproveitamento dos recursos naturais, além de ser um incentivo ao meio produtivo, científico e cultural do país. Se esse estímulo for mantido em longo prazo, independente de governos, muitos resultados poderão ser alcançados para a melhoria geral da saúde da população. São exemplos a criação de hortas medicinais e o desenvolvimento do parque industrial farmacêutico. Isso geraria o desenvolvimento de um comércio de fitoterápicos e provocaria a mudança de uma mentalidade médica muito focada nos interesses dos grandes parques industriais farmacêuticos.”

João Régis Ivar Carneiro

Médico do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“Fitoterápico é um composto desenvolvido a partir de determinada planta, mais notadamente daquelas que não fazem parte da nossa alimentação. Há anos o ser humano se utiliza desses compostos para combater as mais diversas doenças, e o exemplo clássico dessa prática pode ser encontrado nas sociedades indígenas.

Vários exemplos de medicamentos tradicionais foram desenvolvidos a partir de compostos do reino vegetal – o ácido acetilsalicílico se origina da casca do salgueiro.  Os digitálicos, medicamentos utilizados para o tratamento da insuficiência cardíaca, também derivam de uma planta. O Gingko biloba tem ação comprovada no tratamento de distúrbios da memória e do labirinto. Postula-se que o uso do composto in natura, além de exercer efeitos semelhantes aos do principio ativo isolado, teria menor potencial para desenvolver efeitos colaterais.

Em teoria são menos agressivos ao organismo, porém seguindo o mesmo raciocínio seus efeitos terapêuticos não são tão marcantes se comparados aos medicamentos tradicionais.  Em algumas situações o custo/benefício do seu emprego pode ser positivo.

O aparecimento de algum tipo de efeito colateral é possível. Na manipulação ou na conservação dos fitoterápicos pode haver contaminação por micro-organismos que têm potencial para causar infecções de pele ou diarreia.  Algumas plantas podem ser venenosas e, por não estarem catalogadas, podem ter efeitos colaterais pouco conhecidos. Muitas das plantas comercializadas como fitoterápicos não foram estudadas de forma adequada, sendo assim são pouco conhecidos seus efeitos terapêuticos e colaterais.

Essas plantas têm sua prescrição muitas vezes baseada em conceitos populares, muito próximos do curandeirismo.  Outra questão preocupante reside na deficiente fiscalização do real conteúdo das cápsulas comercializadas e manipuladas como fitoterápicos. Há relato de análises de fitoterápicos que não continham exatamente o que era descrito na formulação e estavam contaminados por fezes de insetos. É preciso haver uma relação de confiança entre o consumidor e a farmácia que manipula tais compostos.

Mesmo sendo um produto natural, seus efeitos não devem ser menosprezados. Se houver menosprezo do potencial de desenvolvimento de efeitos colaterais por determinada substância, seu usuário poderá deixar de prestar atenção em alguns sintomas  que podem ser resultado de uma intoxicação pela substância em questão. O uso crônico de sene ou de cáscara sagrada, aparentemente inofensivos, pode constituir fator de câncer colorretal em pacientes predispostos, enquanto a cavalinha pode inibir a absorção de tiamina, cuja deficiência acarreta distúrbios neurológicos e do aparelho cardiovascular.

Como médico de formação tradicional, basicamente alopata, acho que cada paciente deve receber atendimento personalizado, individualizado. Uma citação de um famoso médico do século XVIII, sir William Osler, merece nossa atenção:  ‘É mais importante conhecer o paciente que é portador da doença do que a doença que o acomete.’  São muitas as variáveis que podem interferir no julgamento da melhor alternativa terapêutica para determinado paciente frente a uma moléstia específica.  Acho também fundamental que qualquer profissional de saúde que se dedique ao estudo e à prescrição de medicamentos fitoterápicos deva ter uma boa base de conhecimento da medicina tradicional para evitar o mau uso desses compostos  e conhecer os limites da sua utilização.”

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