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Edição 162
05 de março de 2009

Por uma boa causa

Aceita um cafezinho?

Cília Monteiro

Café: eis a bebida mais consumida no Brasil depois da água. Tanta popularidade só poderia resultar em especulações quanto a seus efeitos no organismo. Insônia, estímulo da memória, prevenção ou aumento do risco de doenças são exemplos. A série Por uma boa causa deste mês busca esclarecer sobre as propriedades do famoso “cafezinho”, um dos elementos mais enraizados na cultura brasileira. Para começar, nada melhor que uma questão responsável por gerar inúmeras discussões: enquanto alguns especialistas afirmam que o café é prejudicial ao coração, outros acreditam que a bebida pode ajudar a prevenir doenças cardiovasculares.

Para Nelson Souza e Silva, professor titular de Cardiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ, a divergência de opiniões em relação ao café acontece devido à dificuldade de realização de um estudo preciso. “Não há uma pesquisa conclusiva. Isolar apenas um componente da dieta para saber se interfere na doença coronariana é irrelevante, pois coexistem muitos fatores atuantes para que a doença se desenvolva”, aponta o professor.

Se a intenção é saber os efeitos em longo prazo, trata-se de uma avaliação complicada. De acordo com o cardiologista, estudos com alimentos geralmente observam uma população, o que implica o fato de que os indivíduos costumam variar bastante sua dieta. “A ingestão de café é muito diversificada. Ainda é preciso ressaltar que quem consome não necessariamente o faz diariamente”, acrescenta.

O professor destacou também que a cafeína não está apenas no café, mas em outros tipos de bebidas, como os refrigerantes e chás, no chocolate, além de diversas drogas. Segundo ele, para se obter um resultado expressivo, deveriam ser avaliadas populações com hábitos alimentares semelhantes, o que normalmente existe por motivos culturais. “Porém, isso está cada vez mais raro atualmente. Assim fica complicado fazer uma associação, já que dificilmente as populações consomem os mesmos alimentos freqüentemente”, observa Nelson.  

— No entanto, é possível dizer que qualquer coisa em exagero faz mal —, indica o cardiologista. Ele apontou que a cafeína, caso ingerida em altas doses, possui ações fisiológicas não apenas no coração e vasos sanguíneos, mas em múltiplos órgãos, como os pulmões ou o cérebro. Pode provocar taquicardia (aumento do número de batimentos cardíacos por minuto), constrição dos vasos, facilitação da contração muscular, relaxamento dos brônquios, “nervosismo”, perda do sono e aumento da atenção, por exemplo. “É um estimulante cardíaco, ou cerebral, digamos assim. Mas dizer que o consumo em longo prazo interfere no desenvolvimento de uma doença coronariana é muito vago, pois os estudos são difíceis de serem feitos”, argumenta o professor. Nelson acredita que não há como precisar um limite para o consumo de cafeína. “Uma xícara, talvez duas por dia. Seis para mim já é um exagero”, expõe o especialista.

Segundo Nelson, se forem realizados estudos experimentais com os elementos do café isoladamente, serão descobertos alguns efeitos fisiológicos como os já mencionados. Mas trazendo isso para o dia-a-dia, como vou dizer que esses elementos são responsáveis pelo que ocorre no indivíduo, principalmente na causa de doenças crônicas ou que se desenvolvem em longo prazo, como é o caso da doença coronariana? Para o cardiologista, definir efeitos de curto prazo é uma coisa, mas o problema se torna muito mais complicado quando se trata de longo prazo. Em sua opinião, é preciso compreender que, do ponto de vista conceitual, o organismo corresponde a um sistema complexo. “Temos uma base genética, com vários genes que controlam proteínas. A combinação genética forma um organismo que se encontra em determinado ambiente”, explica Nelson. Para ele, é a partir da interação entre ser vivo e ambiente que surge a maior ou menor probabilidade de o indivíduo vir a ter uma doença. Essa relação depende do tempo de exposição, é mutável ao longo do tempo e diferente para cada um.  

— As pessoas tendem a raciocinar que uma coisa provoca outra. Isso é relativo, pode ser que sim ou não. É possível que o café seja benéfico para uns e maléfico para outros —, relata o cardiologista. Ele explicou que há um conjunto de fatores interferindo nesse resultado, portanto é necessário observar o indivíduo exclusivamente e sua evolução ao longo do tempo. “Depende de cada um. Tenho que entender qual é a probabilidade daquele indivíduo se beneficiar”, afirma.

E exemplifica: existem fatores, como a obesidade, que tornam mais comum o aparecimento de hipertensão arterial. “Mas isso não é uma verdade absoluta”, diz Nelson. Ele esclareceu que a probabilidade muda de acordo com as alterações genéticas do indivíduo e a combinação de variáveis que o descrevem, como sexo, massa corporal, idade, colesterol HDL, entre outros. “O mesmo pode acontecer em um estudo feito com elementos dietéticos. Aí está a dificuldade em dizer por que a cafeína faz isto ou aquilo. Não se trata só do efeito dessa substância como mais um fator ambiental, mas de sua atuação no indivíduo com base genética única, que vem evoluindo ao longo do tempo, interagindo com múltiplos fatores ambientais. É preciso conhecer a reação do indivíduo, que pertence a uma sociedade, vivendo em um determinado ambiente. Todos (indivíduo, sociedade, ambiente) mutáveis ao longo do tempo. Isso é a Medicina”, conclui o cardiologista.

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