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Edição 156
11 de dezembro de 2008

Faces e Interfaces

Reposição hormonal: a resposta para a libido feminina?

Beatriz Cruz e Luana Freitas

Problema comum no relacionamento a dois, a perda de desejo sexual, ou libido, pode afetar o sexo feminino em qualquer idade. De acordo com a pesquisa "Estudo Sexual da Vida do Brasileiro", realizada em 2003 pela professora Carmita Abdo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 8% das mulheres por volta dos 25 anos apresentam falta de libido. Quando chegam aos 60, esse índice aumenta para 19,5%.

Segundo especialistas, a diminuição do desejo sexual está relacionada, principalmente, a causas psicológicas ou desequilíbrios hormonais. Neste último caso, contudo, o tratamento à base de hormônios, um dos temas do último Congresso Internacional da Endocrinologia, ainda divide opiniões.

Dessa forma, para falar sobre a perda de desejo sexual e o uso da testosterona, hormônio sexual masculino, em mulheres com esse problema, o Olhar Vitalconvidou o endocrinologista Mário Vaisman, chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e o ginecologista Paulo Canella, professor de ginecologia da UFRJ.

Mário Vaisman

Professor titular de endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFRJ e chefe do Serviço de Endocrinologia do HUCFF

“Primeiro, é preciso diferenciar a mulher em idade fértil, que menstrua regularmente, daquela que está na menopausa. São duas fases independentes. No caso de mulheres que apresentam todos os seus hormônios funcionando em níveis adequados, a perda de desejo sexual é, de uma forma geral, um problema muito mais psíquico do que orgânico. Dessa forma, se o organismo não apresenta distúrbio hormonal, não é necessário realizar a reposição. Já na menopausa, quando ocorre a falência ovariana, o organismo pára de secretar os hormônios sexuais femininos, principalmente o estradiol. Além disso, pára de secretar ainda a testosterona, hormônio masculino produzido também pela mulher em pequenas quantidades.

Muitas pessoas advogam o uso de androgênio, termo que engloba os hormônios sexuais masculinos, em mulheres pós-menopausa porque acreditam que isso está relacionado, principalmente, à libido e ao orgasmo. O problema está no fato de que nem todas as mulheres precisam desse tipo de tratamento. Essa questão do desejo sexual pode estar ligada ao estado psíquico da paciente. Por isso, é muito difícil dizer exatamente o que acontece devido à falta de hormônio ou devido à mulher estar numa fase geralmente em torno de 50 anos, casada já há muitos anos, com os filhos saindo de casa e em perceptível decadência física.

Na menopausa, algumas mulheres podem se beneficiar do uso de androgênio, especialmente a testosterona. No entanto, é necessário, a princípio, verificar se a reposição hormonal normal, com estrogênio e progesterona, já resolve o problema – e, na maior parte das vezes, resolve, o que significa que apenas um subgrupo das mulheres pós-menopausa apresentaria realmente um benefício maior ao usar testosterona.

Portanto, o importante é adequar os tipos de tratamento a cada mulher, isto é, conhecer bem a paciente, saber quais são suas expectativas e o que a incomoda efetivamente. É preciso discutir ainda os riscos e benefícios da terapia, uma vez que existem diversos mitos e fantasias sobre isso. A reposição hormonal não é uma fórmula, ou seja, não é ‘usar para todos ou não usar para ninguém’.

O fundamental é entender o que a paciente deseja e discutir com ela as possibilidades terapêuticas, já que, como todo tratamento, existem riscos. No uso de androgênio, por exemplo, pode acontecer uma androgenização na mulher em termos de pêlo, mudança de estrutura física e, até mesmo, aceleração de alguns processos metabólicos. O tratamento não é inócuo e cada caso deve ser avaliado exaustivamente”.

Paulo Canella

Professor Titular de Ginecologia e chefe do ambulatório de sexologia do Instituto de Ginecologia da UFRJ

“A sexualidade tem uma origem sempre psicossomática, envolve o corpo e a mente. Um problema emocional na maioria das vezes é percebido por alterações orgânicas. Ter relações sexuais sem desejo, sem libido acaba por uma má lubrificação vaginal e assim vai haver desconforto, ardência ou mesmo lesão vulvo vaginal. Caso haja uma infecção vaginal a relação sexual desencadeia dor e perda da libido. A maioria das perdas de libido em mulheres jovens deriva de problemas emocionais e relacionamentos desgastados ou inadequados.

O exame físico é feito para descartar causas orgânicas ou diagnosticá-las e tratá-las. Quando essas causas, raras em jovens e que na maioria das vezes não influem na libido não existem, a indicação é de psicoterapia e quando o tratamento identifica problemas no parceiro ele deve também ser tratado.

O uso da testosterona em mulheres, entretanto é excepcional e as jovens que menstruam não têm deficiências hormonais. As menstruações só podem existir com boa função ovariana.

Há relatos de déficits de testosterona em mulheres menopausadas, mas sua influência na sexualidade é, na prática, nenhuma perto dos demais fatores a serem responsáveis pelo problema (déficits hormonais ovarianos, parceiro não colaborador, auto-estima baixa, medo de envelhecer, perda da capacidade de seduzir e depressão, entre outros).

Mesmo quando a dosagem da testosterona livre está muito abaixo do esperado e a psicologia pôde determinar que não houvesse problemas emocionais e conjugais, os resultados do uso da testosterona são ruins a longo prazo. Na maioria das vezes a resposta é semelhante à de um placebo. A testosterona é fundamental nos homens em níveis normais, porém quando esses níveis são elevados além do normal por hormonioterapia, não há correlação entre níveis de testosterona e aumento da libido, porém déficit acentuado do androgênio reduz a libido no homem. A transposição desse fato para as mulheres, porém não é correta, porque não há semelhança entre as ações androgênicas no homem e na mulher, elas têm funções diferentes em cada sexo.

Além disso, os efeitos são muitos e graves: virilização da mulher, aumento do clitóris, dos pêlos, barba e pomo de adão, acne, seborréia, e alteração nos níveis de colesterol, aumentando o colesterol ruim, o HDL. A idéia de que o uso de testosterona, em especial por longo prazo seria capaz de dar à mulher libido é falsa, a libido feminina é resultado de múltiplos fatores, pessoais, relacionais, educacionais, sociais, culturais.

Há ainda uma relação entre o uso excessivo e inadequado de hormônios e o câncer, mas as mulheres que tomam hormônios por os terem baixos não correm riscos elevados. Já as que os tomam e já tem produção natural de hormônios adequada acabam super expostas e, então, o risco de câncer tende a aumentar. O uso generalizado de reposição hormonal é arriscado. Porém o uso em mulheres em que há indicação e acompanhamento médico é perfeitamente seguro”.

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