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Edição 155
04 de dezembro de 2008

Microscópio

Eutanásia: a quem pertence a vida?

Luana Freitas

Com o objetivo de promover o debate sobre uma questão que envolve pressupostos éticos, políticos e religiosos, no próximo dia 10, a prática da eutanásia é tema da mesa-redonda que acontece às 10h30 no anfiteatro 9E34 do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da UFRJ. Organizada pelo Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do HUCFF, a palestra conta com a presença dos professores Ricardo Amorim e Rodrigo Siqueira, sob a mediação do também professor da UFRJ Sérgio Zaidhaft.

Segundo Zaidhaft, a palavra “eutanásia” deriva da expressão grega euthanatos, que, etimologicamente, significa “boa morte”. No entanto, encontrar uma definição única para o termo parece praticamente impossível, pois o que cada indivíduo considera como “boa morte” pode variar de acordo com épocas, culturas e legislações. A expressão foi proposta pela primeira vez no século XVII, pelo filósofo inglês Francis Bacon em sua obra “Tratado da vida e da morte”. Mas foi durante a Segunda Guerra Mundial, já em 1939, que a palavra assumiu conotação negativa. Nesse período, foi criado na Alemanha o Programa Nazista de Eutanásia.

– O termo “eutanásia” passou a ser empregado por alguns regimes autoritários na primeira metade do século XX, entre eles, especificamente, o nazismo, que colocava em prática uma espécie de eutanásia social, isto é, pessoas que serviriam apenas para conspurcar a espécie humana mereceriam ser excluídas. Por conta disso, o termo ficou carregado pejorativamente e, até hoje, muitos médicos ao ouvir falar de eutanásia não consideram sequer a possibilidade de discutir o assunto – explica Sérgio Zaidhaft.

O psiquiatra observa que o principal dever médico é salvar vidas. Contudo, com o desenvolvimento da medicina nos últimos cinqüenta anos, a fronteira que define o que é melhor para o paciente tornou-se tênue e fluida. “É justo manter um paciente que, até onde o conhecimento médico nos informa, morrerá em curtíssimo prazo? É razoável submetê-lo a procedimentos que vão apenas prorrogar sua morte, causando mais mal do que bem, sem oferecer em troca nenhuma possibilidade de cura?”, questiona Zaidhaft.

De acordo com o psiquiatra, existem duas formas distintas de eutanásia. No caso da eutanásia passiva, ou ortotanásia, o médico deixa de realizar determinados procedimentos com o objetivo de acelerar a morte do paciente e reduzir seu sofrimento. Já a eutanásia ativa caracteriza-se pelo uso de substâncias que levam o indivíduo à morte. As duas práticas baseiam-se no respeito ao desejo do paciente, de sua família e da equipe médica, o que as diferencia, portanto, do método empregado pelo regime nazista no passado.

A legislação brasileira

Segundo Zaidhaft, a eutanásia hoje é legalizada na Holanda, Bélgica e Suíça. Nesses países, pacientes que não tenham mais chances de viver normalmente podem solicitar à corporação médica a antecipação de sua morte. Após serem examinados por dois especialistas, o pedido é, então, encaminhado às autoridades superiores, que avaliam o caso. No Brasil, no entanto, esta prática ainda é considerada criminosa.

– Ainda estamos muito atrás nessa discussão. Pela legislação, temos direito à autonomia até que nossa vida esteja em risco. No momento em que isso acontece, seu corpo passa a pertencer ao Estado. Passa a ser obrigação do Estado e da medicina salvar a vida de uma pessoa, mesmo que ela não queira.

No ano passado, o Ministério Público Federal do Distrito Federal suspendeu a última resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), de novembro de 2006, que permitia a prática da ortotanásia. De acordo com a Constituição brasileira, o direito à vida é inviolável, sob pena de responsabilização criminal. Porém, embora seja proibida, Sérgio Zaidhaft reconhece que, na prática, a eutanásia acaba acontecendo nos hospitais, o que reflete a necessidade, cada vez mais urgente, de discutir o assunto.  

– No Brasil, a legislação é ambígua. Por um lado, as leis dizem que o dever do médico é lutar para fazer o bem, mas, por outro, não definem de forma clara o que exatamente se considera como benéfico para o paciente. É um termo muito amplo e polêmico, com uma série de pressupostos ideológicos, religiosos e morais em jogo. Por conta disso, às vezes, perde-se a clareza da discussão – conclui o professor.

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