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Edição 155
04 de dezembro de 2008

Faces e Interfaces

As verdades e os mitos sobre o hormônio da juventude

Cília Monteiro e Marcello Corrêa

Há no seu corpo uma substância que começou a ganhar destaque na mídia e no imaginário popular. Trata-se da deidroepiandrosterona, mais conhecido como DHEA. A sigla tem sido acompanhada de adjetivos otimista, como “super-hormônio” ou “mãe de todos os hormônios”. Tanta fama e prestígio, no entanto, não vieram por acaso.

Já há algum tempo, estudos têm apontado uma relação entre o uso de DHEA diariamente, em comprimidos de 50mg, e a melhora de alguns fatores, como vigor sexual. Além disso, o DHEA seria capaz de evitar os efeitos do envelhecimento e as doenças que chegam com a idade. Atualmente, o DHEA divide opiniões entre pesquisadores: enquanto alguns vêem na substância um potencial terapêutico, outros preferem esperar resultados mais sólidos.

Nesta edição de Faces e interfaces, o Olhar Vital traz as opiniões sobre o assunto de diferentes pontos de vista. Representando a geriatria, o médico Carlos Paixão Júnior, do Hospital Universitário;  para explicar os detalhes do funcionamento do hormônio, o convidado é o endocrinologista João Régis Carneiro, também do HU.

Carlos Montes Paixão Júnior

Chefe do Serviço de Geriatria do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

“O que se sabe sobre o DHEA é que se trata de um pró-hormônio da córtex supra-renal com algumas funções endócrinas. Estas funções são relativamente pouco importantes e com capacidade teoricamente antioxidante. O DHEA tem sua produção diminuída com o envelhecimento e este achado acabou estimulando pesquisadores a tentar estudar se sua reposição poderia beneficiar os idosos ou pessoas com doses hormonais abaixo das encontradas normalmente em adultos mais jovens.

Apesar dessa busca, nenhum trabalho científico de peso, sério, demonstrou evidência de que haja algum benefício em seu uso.  Houve tentativas de uso em idosos frágeis, com câncer, com níveis séricos baixos, sem resultados diferentes do placebo.

Em quantidades normais no organismo, esse hormônio é responsável por manter o equilíbrio dos hormônios sexuais, mas há outros hormônios mais potentes para esse trabalho. É um hormônio de efeito discreto e outras funções deles, além de participar da produção de outros hormônios da supra-renal, não parecem ser relevantes.

Nenhum dos dados que indicam melhora no vigor físico ou aumento da libido foram encontrados em pesquisas com ensaios clínicos controlados, randomizados, ou seja, em trabalhos bem desenhados sobre o assunto. Os resultados foram, portanto, negativos e não há nada que indique que esse hormônio possa ser considerado um “super-hormônio”.

Não se sabe ao certo que tipo de impacto poderia ser causado, inserindo-se um hormônio que não deveria ser produzido, de acordo com a organização natural do organismo. Entretanto, não há evidências de que isto seja um fator relevante.

Falar sobre a questão da busca incessante pela juventude é uma tarefa extremamente complexa.  Há estudos que tentam identificar fatores que promovam o envelhecimento.  Alguns, como produção e resistência insulínica, telomerases, já são conhecidos.  Não se sabe em que medida vários destes fatores, genéticos, metabólicos e celulares, possam se integrar e como interferir com eles.

Pode-se apenas especular sobre as razões da falta de controle da comercialização da DHEA. As pessoas e órgãos que deveriam realizar essa fiscalização devem ser responsabilizadas e procuradas para comentarem o assunto.

A substância não é aprovada e a comercialização deveria ser controlada ou coibida. A utilização desta substância é considerada, sem uma perspectiva de ensaios científicos com aprovação de comitês de ética, má prática médica, passível de punição.

Sobre esse assunto, vale deixar um conselho aos leitores: se for um pesquisador, revise o que já se sabe e tente entender se há ainda algo a ser pesquisado.  Para os leigos, esqueçam a DHEA, ao menos, por enquanto.

João Régis Carneiro

Médico do Serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho

As pessoas estão sempre em busca da fonte da juventude, da vida eterna, querem algo novo, que lhes dê esperança. Estudos com o hormônio DHEA causaram alvoroço, visto que ele foi proposto como responsável por vários benefícios, como rejuvenescimento.  Alguns estudiosos não consideram o DHEA um hormônio. Trata-se de uma substância produzida pela supra-renal, junto com o cortisol, o hormônio do estresse. O DHEA possui fraca ação androgênica, semelhante à dos hormônios masculinos. É produzido tanto pelo homem quanto pela mulher.

Este trabalho me parece um pouco tendencioso, vê um lado da moeda e não faz uma análise crítica do outro. Podemos considerar o fato de que, com o passar dos anos, existe uma queda da produção deste hormônio. Talvez isto seja uma característica do ser humano, mas não necessariamente significa um problema. Algumas doenças se acompanham da redução da formação do DHEA, como a depressão. Postula-se que talvez esta diminuição tenha a ver com uma maior necessidade da produção de cortisona, que apresenta um efeito mais importante no controle dos aspectos metabólicos.

Em função destas observações, desde a década de 80, muitos trabalhos foram feitos no sentido de buscar um entendimento de possíveis efeitos positivos do DHEA para osteoporose, rejuvenescimento, melhora do colesterol, controle de peso, memória, depressão, entre outros. Procurou-se saber quão interessante seria um tratamento com este hormônio. Isto levou a uma corrida, que resultou em trabalhos positivos e negativos. Com os positivos, as pessoas ficam muito alvoroçadas e isto alimenta o mercado de vitaminas, suplemento e reposições, que é forte. São produtos muito procurados pelas promessas que fazem. A utilização ocorre sem supervisão médica, sem critério, e é preciso análise crítica para saber se isto é relevante.

Ocorre uma queda do hormônio com a idade, mas é lenta e varia de acordo com a pessoa. Medicamentos e condições de saúde do indivíduo interferem na secreção do hormônio. Uma doença crônica leva um favorecimento da produção do cortisol, o que causa queda da secreção de DHEA. A dose entre 25 e 50 mg de DHEA por dia normaliza os valores numa pessoa que apresenta índice baixo. Se tivesse que utilizar alguma dose, seria esta.

Fazer suplemento de DHEA em pessoas idosas saudáveis vale a pena? Existem vários trabalhos muito conflitantes. Um deles mostrou que houve melhora na qualidade de vida, de sensações, mas não na sensibilidade à insulina e composição corporal. Foram demonstrados efeitos em homens entre 50 e 69 anos que estavam com o DHEA baixo e, sob dosagem regular e durante quatro meses, melhoraram humor, vigor sexual e sensação de bem-estar. Outro estudo falhou em demonstrar qualquer benefício do DHEA nestes fatores.

Algumas questões avaliadas neste tipo de trabalho são subjetivas, como são o humor e o vigor. Realizou-se uma pesquisa que utilizava 50mg comparando com placebo e os resultados foram desapontadores. Não houve melhora na sensação de bem-estar, nem na cognição. Em mulheres acima de 70 anos, ocorreu aumento na libido, mas não na densidade mineral óssea. A conclusão é que os efeitos deste hormônio são muito limitados quando comparados ao placebo. Na maioria dos estudos, apenas pessoas saudáveis foram incluídas. Talvez sejam necessários estudos com pessoas mais comprometidas. Mas há uma conclusão de que a queda do DHEA que vem com a idade não necessariamente está associada à queda da sexualidade e da sensação de bem-estar que se observa nas pessoas com o passar dos anos. Como antienvelhecimento, não há evidências até hoje. São poucos estudos, contra uma infinidade que mostra o contrário.

Mulheres precisam prestar atenção nos androgênios, pois podem causar acne e alterações na feminilidade. Existem alguns trabalhos que associam o uso do DHEA em mulheres pós-menopausa à incidência de câncer de mama. Daí nossa preocupação em pesquisar mais sobre o assunto e, se houver um paciente que possa se beneficiar deste hormônio, o risco tem que ser calculado. O declínio da dosagem de DHEA com a idade não é justificativa para uma reposição. É preciso uma definição dos grupos que poderiam se beneficiar.

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