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Edição 155
04 de dezembro de 2008

Notícias da Semana

História das doenças: entender o passado e construir
o futuro

 

Beatriz Cruz e Cília Monteiro

O III Seminário História das Doenças teve início nesta quarta-feira (3/12), no auditório Hélio Fraga, com a mesa de abertura seguida da primeira conferência. Trata-se de um evento promovido em colaboração da UFRJ com a Fundação Oswaldo Cruz. “O tema abordado, ‘História das doenças’, vem atraindo um número cada vez maior de pesquisadores. Corresponde a uma área de interesse de historiadores, médicos e outros profissionias da sáude”, relata Diana Maul, coordenadora de Extensão do Centro de Ciências da Saúde (CCS) e organizadora do evento.

Paulo Elian, vice-diretor de Patrimônio Cultural da Casa de Oswaldo Cruz, constatou que atualmente já existe uma rede social de pesquisadores dos objetos de estudo de história das doenças. “É um campo de pesquisa que vem crescendo, e este evento representa uma expressão disto. Esta parceria é de grande satisfação para a Fundação Oswaldo Cruz, gostaria de dar os parabéns às professoras Diana e Dilene”, declarou. Dilene Raimundo do Nascimento, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz que também ajudou na organização do evento, reafirmou a importância da integração promovida pelo seminário entre as duas instituições e destacou sua satisfação em trabalhar com a professora Diana Maul. “A cada edição do seminário observamos um maior interesse no tema. Para nós, que nos dedicamos a esta área de estudo, isto é bastante importante”, acrescentou.

Antonio Ledo, diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ, ressaltou a tradição acadêmica da UFRJ, que para ele deve ser valorizada e ter continuidade. “É uma grande honra ter sido aluno do decano Almir Valladares e de outros professores que estão aqui”, observou o diretor. Quanto ao tema tratado no seminário, considera de extrema importância: “Não podemos pensar o futuro sem entender ou refletir sobre o passado. Acredito que isto deva ser trazido para a nossa graduação. É interessante participar desta discussão para conhecer não somente a história das doenças, mas também dos homens envolvidos com elas”, explicou Ledo. Ele ainda lembrou que esta é a última atividade relacionada à comemoração dos 200 anos da Faculdade de Medicina. “A professora Diana Maul teve uma contribuição mais do que expressiva no processo de organização destes eventos, foi incansável e coordenou a comissão”, apontou.

- Me lembro que quando estudava História, decorava uma série de coisas que acabava não tendo utilidade. Acho que o importante da disciplina é resgatá-la e refletir com um ensinamento frisado no que está acontecendo no presente, para a construção do futuro. A História não é um conjunto de pessoas, datas e instituições. É um conjunto de ações, palavras ditas, obras que se eternizaram. Tenho expectativa de que o presente estará sempre sendo melhor que o passado, e que temos que construir um futuro certamente melhor ainda – discursou Almir Fraga Valladares, decano do CCS, que também destacou a importância do trabalho realizado por Diana Maul, que ele considera impactante na universidade como um todo.

A conferência

A primeira conferência, “Tráfico atlântico: fontes para o estudo dos escravizados”, foi ministrada por Mariza Soares, professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ela fez uma breve introdução histórica acerca do tráfico de escravos, explicando que o comércio atlântico se estendeu do século XV ao XIX, envolvendo aproximadamente 12 milhões de escravos trazidos da África para as Américas. De acordo com a professora, cerca de 15% deste número morreu na travessia. Dos sobreviventes, mais de quatro milhões desembarcaram no Brasil.

Mariza Soares explica que o interesse pelas condições de transporte dos escravos e pelos métodos adotados para fazê-los chegar vivos ao seu destino final é recente, embora o comércio atlântico já possua estudo mais avançado. Segundo ela as fontes têm se mostrado cada vez mais férteis para o avanço da pesquisa e vêm sendo utilizadas tanto por historiadores quanto por médicos. “O campo da pesquisa histórica por várias razões é muito segmentado, cada país tem seu repertório documental, sua condição historiográfica e na maior parte das vezes focaliza apenas informantes nacionais. Há, portanto uma tendência a fazer coincidirem fontes documentais, temas e línguas”, explica a professora.

Nas diferentes historiografias nacionais, foi percebida uma grande variedade tanto nas práticas terapêuticas, quanto nas formações dos profissionais de saúde que trabalhavam nas embarcações dos escravos. Entre as mais importantes fontes para o estudo do tratamento dado aos escravos nas embarcações, estão os diários de viagem, especialmente os de bordo, escritos principalmente por cirurgiões, na maioria em inglês ou francês.

Mariza falou ainda sobre o barbeiro, explicando que embora hoje ele seja apenas o profissional que cuida de barba e cabelo, no passado seu trabalho também abrangia o atendimento de pequenas doenças, prática de sangrias e, algumas vezes, dentista. De acordo com a professora, os barbeiros também trabalhavam embarcados, mas ainda não se sabe muito a respeito do que exatamente exerciam e suas condições. A pesquisadora foca seu estudo na relação entre barbeiros e cirurgiões no Brasil, ao longo dos séculos XVIII e XIX. “Mesmo nas primeiras décadas do século XIX, eles continuavam a ser regularmente requisitados. Mais tarde, já no final da década de 20, ocorre uma perseguição a esta classe. Mas o que está em jogo neste momento é o reconhecimento da implementação de diferentes estratégias e exigências para a formação de um campo de profissionais”, explica Mariza.

Segundo ela, essas estratégias podem ser mais bem percebidas se compararmos, através de documentação, o modo como cada país treinava os profissionais que se dedicavam ao cuidado dos escravos nas embarcações. A professora relata que havia muita tensão entre cirurgiões e barbeiros não só no Brasil, mas na Europa também. Aqui os barbeiros eram quase sempre negros e escravos, enquanto em países europeus eram homens brancos e livres. Com o crescimento do campo médico, no século XVII começou a haver uma qualificação dos profissionais desta área, o que acabou por relegar os barbeiros a uma classe inferior, enquanto a atuação dos cirurgiões cresceu. Por fim, a professora reforça que a história da Faculdade de Medicina é um estudo de caso fundamental para entender a formação de um instituto moderno.

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