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Edição 151
06 de novembro de 2008

Faces e Interfaces

Creches públicas e privadas: qual a melhor alimentação?

Luana Freitas

Ao oferecer um ambiente seguro e saudável, as creches escolares contribuem para os primeiros passos no processo de desenvolvimento da criança. Tanto instituições públicas quanto privadas apresentam efeitos sobre a saúde dos pequenos. Para avaliar as diferenças entre a alimentação das crianças que freqüentam estas instituições, as estudantes Luana Monteiro e Raquel Maranhão, do Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), da UFRJ, desenvolveram o estudo “O estado nutricional de crianças que freqüentam creches particulares é melhor do que daquelas que freqüentam creches públicas?”, apresentado na XXX Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ.

Sob a orientação de Úrsula Bagni, Juliana de Carvalho, Natália Torres e Glória da Veiga, as estudantes analisaram o perfil nutricional de crianças entre 24 e 60 meses, matriculados em quatro creches públicas e três creches particulares do município do Rio de Janeiro. Além de informações sobre a escolaridade do chefe das famílias, a situação sócio-econômica e a ocorrência prévia de anemia, foram coletados dados sobre o peso e a estatura das crianças.

Os resultados do estudo revelaram que 79,2% dos responsáveis pelas crianças das creches particulares tinham nível superior completo e 92,7% pertenciam às classes sociais A ou B. Já nas creches públicas, 71,5% dos chefes de família não concluíram o ensino médio e a maioria pertencia às classes C (59,8%), D e E (26,8%). As alunas verificaram ainda que a ocorrência de anemia foi maior entre as crianças que freqüentavam creches públicas, enquanto a freqüência de déficits nutricionais e excesso de peso mostraram-se semelhante em ambas as instituições.

Para falar sobre as diferenças entre o perfil nutricional de crianças que freqüentam creches públicas e as que freqüentam creches particulares, o Olhar Vital convidou a professora e orientadora do estudo, Glória da Veiga, do INJC, e a nutricionista Roseane Moreira Sampaio Barbosa, doutoranda da UFRJ que desenvolve pesquisas sobre guias alimentares para crianças.

Glória da Veiga

Professora do Instituto de Nutrição Josué de Castro e orientadora do estudo

Existem alguns motivos que podem explicar o fato de crianças de creches particulares apresentarem melhor estado nutricional do que aquelas que freqüentam instituições públicas. Acredita-se que crianças de creches particulares pertençam a famílias com melhores condições sócio-econômicas e, por isso, tenham mais acesso a bens e serviços de saúde. Além disso, sua alimentação é mais variada, atendendo às necessidades nutricionais. Dessa forma, a permanência nas creches, se estas oferecerem um bom atendimento e serviço de alimentação, poderia manter ou, até mesmo, favorecer seu estado nutricional.

Por outro lado, crianças que freqüentam creches públicas geralmente vêm de famílias em condições sócio-econômicas desfavoráveis, muitas vezes com dificuldades para suprir as necessidades básicas de saúde e alimentação. Neste caso, as creches teriam um papel fundamental na alimentação e, conseqüentemente, na possibilidade de favorecer o bom estado nutricional destas crianças. Entretanto, nem sempre a permanência nas creches é suficiente para recuperar o estado nutricional já debilitado, que se agrava ainda mais quando a criança volta para casa. Muitas vezes, essas crianças mais pobres estão expostas também a diversos tipos de doenças infecto-contagiosas, o que compromete ainda mais o estado nutricional. 

Ao mesmo tempo, contudo, crianças que freqüentam instituições particulares apresentam maior tendência a excesso de peso. Apesar da perspectiva de que crianças de melhor classe social se alimentem melhor, hábitos alimentares inadequados são observados desde a infância, independente da classe social. Não por uma alimentação escassa, mas por excesso de consumo de alimentos com maior densidade energética, como os ricos em açúcares e gorduras. A ingestão de alimentos “fast food”, doces, balas, refrigerantes e biscoitos, por exemplo, acompanhada do baixo consumo de alimentos mais saudáveis, como frutas e hortaliças, é observada desde a infância. É provável que, devido ao custo, esses alimentos industrializados sejam de melhor acesso para as classes sociais mais elevadas. Portanto, mesmo que uma alimentação mais saudável seja oferecida nas creches, é provável que o período de permanência nas instituições não consiga evitar o excesso de peso ocasionado por hábitos alimentares da família. 

Dessa forma, acredito que, para ajudar a promover a saúde das crianças, é fundamental que a alimentação oferecida nas creches, tanto públicas quanto privadas, atenda às necessidades nutricionais das crianças não apenas em calorias, como também em macro e micronutrientes, como ferro, vitamina A e zinco, dentre outros. Particularmente em relação à anemia, é importante que alimentos ricos em ferro, como os de origem animal e as leguminosas (feijão), sejam oferecidos diariamente. Alimentos ricos em vitamina C, que favoreçam a absorção do ferro, também são recomendados.

É de extrema importância ainda que haja um monitoramento do estado nutricional das crianças de forma a identificar os casos que necessitam ser acompanhados e encaminhados para uma assistência nutricional mais individualizada, possibilitando assim o tratamento e a prevenção dos agravos nutricionais observados.

Roseane Moreira Sampaio Barbosa

Doutoranda do Curso de Nutrição da UFRJ

A pré-escolaridade caracteriza-se por uma fase na qual ocorrem diversas modificações do padrão alimentar. Hábitos errôneos, nessa faixa etária, podem conduzir a problemas nutricionais em curto prazo, tais como o comprometimento do crescimento e o desenvolvimento na infância, bem como facilitar o aparecimento de doenças na fase adulta. Atualmente, mediante o estilo de vida contemporâneo da população, expresso principalmente pela inserção da mulher no mercado de trabalho, as creches vêm surgindo como uma boa opção de instituição para a assistência a crianças em idade pré-escolar, que passam a maior parte do seu dia nesses locais.

Estudos realizados em creches públicas na cidade do Rio de Janeiro parecem apontar que os principais problemas de saúde em crianças são: anemia ferropriva, hipovitaminose A, parasitoses, déficit e excesso de peso, além de alterações precoces nas concentrações séricas de lipídios. Dois deles mostraram alta prevalência de anemia em crianças menores de 5 anos. Outro estudo, realizado em uma creche pública em Paraty, também encontrou alta prevalência de anemia em crianças de 2 a 3 anos, sendo 74,3% nas meninas e 48,5% nos meninos. Outra carência nutricional detectada no município do Rio de Janeiro encontrou 34,3% de hipovitaminose A em crianças, destacando maior percentual na faixa de 2 a 3 anos.

Além do baixo nível sócio-econômico dessas famílias, outro fator que pode contribuir para esse perfil nutricional de crianças nesta faixa etária de creches públicas é o consumo alimentar inadequado. Apesar de a creche fornecer quatro refeições diariamente, é necessário que os responsáveis sejam orientados quanto à alimentação adequada na residência, principalmente nos finais de semana e na formação de hábitos alimentares saudáveis. Especialistas determinaram o consumo alimentar de crianças de 2 a 3 anos que freqüentam creches públicas, e observaram baixo consumo de legumes, frutas, leite e derivados, cereais e alto consumo do grupo dos açúcares (balas, refrigerantes, refrescos industrializados com alta concentração de açúcar). Apesar das melhores condições sócio-econômicas de crianças matriculadas em creches particulares, verificou-se alta prevalência de sobrepeso em crianças de 2 a 3 anos. As crianças consumiam excessivamente carnes, leite, leguminosas, cereais e açúcares.

Com o objetivo de melhorar a qualidade da dieta de populações foram desenvolvidos guias alimentares como importante ferramenta de educação alimentar e nutricional. Atualmente estou desenvolvendo um guia alimentar para crianças de 2 a 3 anos de creches públicas da 7ª CRE, baseado na recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estabelece etapas de elaboração. Estas etapas são: escolha da representação gráfica, identificação dos problemas de saúde, avaliação dos padrões de consumo alimentar, estabelecimento dos objetivos nutricionais e estabelecimento das mensagens do guia.  Futuramente, esse guia poderá ser utilizado nas creches públicas do município do Rio de Janeiro com objetivo de orientar pais e recreadores na elaboração de uma alimentação saudável. Além disso, poderá ajudar os profissionais de nutrição responsáveis pelo planejamento dos cardápios destinados às crianças desta faixa etária.

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