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Edição 150
30 de outubro de 2008

Faces e Interfaces

Antiinflamatórios no combate ao câncer de mama

Cília Monteiro e Luana Freitas

Uma das principais causas de morte entre a população feminina no Brasil desde 1980, o câncer de mama atinge mais de 49 mil mulheres brasileiras por ano, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Embora existam diversos métodos para o tratamento da doença, o diagnóstico precoce, por meio da mamografia e do exame clínico, ainda é a forma mais provável de aumentar as chances de cura.

No último dia 8 de outubro, um estudo publicado na revista científica Journal of the National Cancer Institute avaliou a relação entre o uso de antiinflamatórios e os riscos deste tipo de câncer. De acordo com a análise, o consumo regular de Aspirina seria responsável por uma redução de até 13%, enquanto a ingestão de Advil diminuiria a chances em até 21%. Os resultados, no entanto, ainda não são definitivos. Segundo o coordenador do estudo, Mahyar Etminan, da Universidade de British Columbia, no Canadá, é preciso avaliar os mecanismos biológicos envolvidos nesta relação.

Para falar sobre o câncer de mama e os resultados da pesquisa, o Olhar Vital convidou o ginecologista José Carlos Conceição, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), e a professora Yraima Cordeiro, da Faculdade de Farmácia da UFRJ.

José Carlos Conceição

Chefe do Serviço de Ginecologia do HUCFF

“O câncer de mama se desenvolve a partir dos núcleos das células da mama, por influência de diversos fatores, nem todos conhecidos. Entre eles, os ambientais, que fazem a célula se transformar em maligna. Existe o componente hormonal, considerado importante, pois o estímulo do estrogênio e da progesterona influenciam no crescimento desses tumores. A partir deste desvio da maturação normal da célula, começa a se desenvolver o tumor maligno, que vai aumentando com o tempo.

O sintoma mais freqüente e comum das mulheres que desenvolvem a doença é o nódulo. A paciente que chega ao consultório ou ambulatório com câncer de mama queixa-se principalmente disso. Porém, atualmente almejamos um diagnóstico na fase pré-clínica da doença, em que não existem sintomas aparentes e o próprio médico não palpa nódulo nenhum ao examinar. Seria um processo feito através da mamografia, radiografia da mama realizada com equipamento específico. O exame detecta uma lesão com imagem apenas radiológica, sem manifestação clínica. Diagnosticando nesta fase, a possibilidade de se realizar um tratamento sem a extração da mama é perfeitamente viável. Além disso, há uma chance muito maior de curar a paciente. Então, fazer o diagnóstico na fase em que há nódulo palpável já está fora dos nossos ideais.

Nos Estados Unidos, onde as pacientes possuem um maior acesso à mamografia, a grande maioria dos casos de câncer de mama é detectada nesta fase pré-clínica. No Brasil e no HUCFF, isso ainda não acontece. Temos casos com tumores avançados, nódulos palpáveis, mas isto não é o ideal porque nesta fase é tudo limitado, o tratamento é mais agressivo e invasivo, e as chances de cura são muito menores. Queremos diagnosticar quando a paciente ainda não sente nada.

Embora a doença não faça distinção de sexo. O fato de ser mulher já aumenta o risco, pois a freqüência nelas é cem vezes maior do que nos homens. As pessoas não costumam perceber que o câncer atinge o sexo masculino por serem números pequenos de casos, não significativos. Quem já teve câncer em uma das mamas também tem chance maior de ter na outra. Antecedentes familiares também aumentam o risco do desenvolvimento da doença. Este é um fator muito forte quando o parente teve câncer de mama numa fase precoce da vida. A mãe que teve o câncer com 70 ou 80 anos não representa um fator forte de risco. Mas ainda há outros, como obesidade, mulheres que não amamentaram nem engravidaram ou tiveram o primeiro filho em idade avançada. Estes compõem grupos de risco.

Quanto à pesquisa, nunca tinha ouvido falar sobre o uso de antiinflamatórios para prevenção, então eu desconheço. Por enquanto acho muito difícil, sabemos que antiinflamatórios não são uma medicação inócua, possuem efeitos colaterais e pode levar a complicações. Precisava-se saber a relação de risco e benefício. O que posso indicar é prevenção primária, feita para tentar evitar a doença.

Como existe uma relação com fatores ambientais, já se sabe que alguns pesticidas possuem uma ligação claramente estabelecida com a doença. Mulheres que foram expostas a determinados produtos apresentaram maior incidência de câncer de mama. Além disso, é recomendável uma alimentação saudável, sem gorduras, rica em fibras e vegetais, que ajuda na prevenção. Outro problema é o alcoolismo, mulheres que consomem muito álcool apresentam um risco maior. São medidas praticamente alimentares que poderiam ser tomadas para evitar a doença. A prevenção secundária é a mamografia, que pode funcionar como um diagnóstico precoce.”

Yraima Cordeiro

Professora adjunta do Departamento de Fármacos da Faculdade de Farmácia da UFRJ

“Recentemente foi publicado um manuscrito no periódico The Journal of the National Cancer Institute por pesquisadores espanhóis e canadenses que avaliaram, estatisticamente, o impacto do tratamento com antiinflamatórios não-esteroidais (AINES) no risco do desenvolvimento de câncer de mama. Estes compostos são denominados AINES, pois diferem de compostos esteróides que também apresentam atividade antiinflamatória, os corticóides.

Esta meta-análise se baseou em resultados de 38 estudos anteriores, realizados entre 1966 e 2008, onde se examinou a associação entre o uso de AINES e o risco de câncer de mama em um total de 2.788.715 pacientes. O termo meta-análise se refere a um estudo estatístico onde são combinados e avaliados resultados de estudos anteriores sobre uma determinada hipótese científica.

A ação antiinflamatória dos AINES se baseia amplamente na inibição da atividade de uma enzima chave no processo inflamatório, a ciclooxigenase, a COX. Esta enzima participa da síntese das prostaglandinas, que são mediadores da inflamação. A COX existe no organismo sob duas formas principais: a COX-1, que é a forma constitutiva, pois se encontra amplamente expressa em praticamente todas as células de mamíferos; e a COX-2, que é uma enzima induzida, está nos locais onde ocorre um processo inflamatório, mas não em tecidos não-inflamados.

Nesta meta-análise, foram incluídos AINES inibidores específicos da COX-2 e inibidores não-específicos, como o ibuprofeno (Advil) e a Aspirina. Os autores confirmaram a relação inversa entre estes fatores, ou seja, a ligação entre o uso de AINES e o risco de câncer de mama. Esta é a maior avaliação estatística já realizada sobre o assunto.

Entretanto, antes de se prescrever o uso de AINES para a prevenção da doença, deve-se considerar o atual desconhecimento sobre os mecanismos moleculares que levam os compostos a reduzir o risco desse tipo de câncer. A inibição da COX como um dos mecanismos pelos quais os AINES possam reduzir esse risco ainda é hipotética. O uso tanto de AINES seletivos para COX-2 (os coxibes), quanto de AINES não-seletivos (que inibem também a isoforma COX-1) apresentou resultados semelhantes. Sendo assim, no momento, não se pode ainda determinar qual o ponto-chave desta via inibitória.

Deve-se descartar ainda a possibilidade de que os efeitos observados possam ser independentes da inibição de COX pelos AINES e envolvam outros alvos. Estudos avaliando AINES individualmente poderão dar mais informações sobre a associação benéfica entre seu uso e a redução no risco câncer de mama. Em vista da importância deste tipo de câncer, uma das principais causas de morte entre mulheres no mundo todo, a análise publicada mostra-se extremamente válida, sendo necessário ainda rever cuidadosamente o possível uso de tais medicamentos para este fim.”

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