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Edição 147
09 de outubro de 2008

Ciência e Vida

UFRJ estuda quadro de estresse pós-traumático entre soldados brasileiros no Haiti


Sofia Moutinho –AgN PV

O grupo de pesquisa de Transtornos Relacionados ao Estresse do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB) vem desenvolvendo, desde 2005, um estudo com os soldados brasileiros em missão de paz, no Haiti, para determinar neles a incidência de estresse pós-traumático. O contingente de militares enviados ao Haiti é o maior desde a Segunda Guerra Mundial. As tropas brasileiras vêm atuando para garantir a estabilidade política e a transição democrática naquele país, em situação de conflito desde fevereiro de 2004, quando o presidente Jean-Bertrand Aristide foi derrubado do poder. Dos 17 países participantes da missão, o Brasil é que possui tropas nas áreas consideradas mais perigosas, nas três maiores favelas da capital, Porto Príncipe, onde a fome e a pobreza são generalizadas. Situações de risco fazem parte da rotina dos soldados brasileiros, provocando neles marcas psicológicas profundas.

O grupo de pesquisa, em parceria com o Exército brasileiro, pretende investigar os fatores que contribuem para o transtorno e, a partir da identificação, estabelecer protocolos de treinamento mais eficientes para as futuras tropas. “A idéia é entender melhor como voltam os soldados brasileiros do Haiti. A preocupação de oferecer um melhor tratamento e encaminhamento para esses soldados não é só nossa, mas do Exército também. Precisamos saber o que acontece com eles no Haiti para sabermos como agir quando eles retornam e como preparar outros militares, antes de partirem. Focamos não só o tratamento, mas a prevenção”, disse Wanderson Souza, doutorando do IPUB e integrante do grupo de pesquisa.

O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) é uma perturbação psíquica de ansiedade que se manifesta após um evento fortemente ameaçador vivido pelo indivíduo. Além de constantemente recordar do trauma, o doente revive a tragédia com todo o sofrimento original e, por isso, evita determinados locais e situações associadas àquela experiência. “Um especialista consegue identificar bem, mas uma pessoa sem treinamento pode confundir esse quadro com depressão, porque o doente evita novo contato com o trauma, pode evitar sair de casa, por exemplo”, disse Souza. Os sintomas são variados e vão de insônia e recorrentes pesadelos até irritabilidade, flash back do evento traumatizante e dificuldade de concentração. O tratamento é basicamente farmacológico, aliado à psicoterapia na qual o paciente é estimulado a enfrentar seu trauma através da exposição, real e imaginária, às situações que lembrem o evento traumatizante.

– Algumas pessoas podem desenvolver os sintomas um ou dois meses depois do trauma, mas há pessoas que só vão sentir os efeitos do trauma depois de 10 anos – contou Souza.

Ele também destacou que esse transtorno ainda é pouco explorado pelos pesquisadores. “Não são conhecidos os fatores que levam uma pessoa a desenvolver o TEPT. Avaliamos os possíveis fatores de risco para o seu desenvolvimento. Muitas pessoas passam pelo mesmo estresse, como um tsunami, um furacão ou uma explosão, mas não são todas afetadas pelo transtorno pós-traumático”, disse Souza. Ele acrescentou a impossibilidade de determinar se existe na mulher uma propensão à doença ou se as mulheres desenvolvem o transtorno por serem mais recorrentemente alvos de agressões, como o estupro.

Casos de TEPT ocorrem não apenas em locais de conflito militar. No Brasil, em razão da violência urbana, a incidência do transtorno também é grande. Porém, não existem dados oficiais sobre o aumento ou queda nas estatísticas entre a população brasileira. “O nosso grupo está agora estudando Rio de Janeiro e São Paulo; não temos dados anteriores, por isso não podemos saber se aumentou ou não. Apenas comparamos com os dados de outras partes do mundo” disse Souza.

O grupo de pesquisa de Transtornos Relacionados ao Estresse é dividido nas áreas clínica – ocupada com o tratamento ambulatorial de pacientes –, epistemológica – relativa à pesquisa de campo – e psicofísica – em laboratório, estuda os hormônios e alterações imunológicas relacionadas ao estresse. Wanderson Souza atua na área epistemológica, com o projeto Estudo Prospectivo do Impacto da Violência na Saúde Mental das Tropas de Paz Brasileiras – Fatores de Risco e de Resiliência Emocional, do qual participam outros três pesquisadores. Souza é responsável pela avaliação psicológica dos soldados enviados ao Haiti.  

Cada soldado da missão de paz passa, voluntariamente, seis meses no Haiti. A avaliação psicológica é feita em três etapas: a primeira, antes de o soldado partir; a segunda, quatro meses depois da partida, e a terceira, quando ele retorna. Por enquanto, ainda não há um resultado final, mas Souza revelou que a incidência de TEPT analisada entre os soldados vem sendo menor que o esperado. No primeiro grupo analisado, de 138 homens, apenas dois regressaram com o transtorno, representando cerca de 1,4%. Esse valor é muito menor que a faixa de 6,5% a 11% encontrada em estudos semelhantes de outros países. “Para esse grupo, a situação era tranqüila ou, comparada com outras missões de paz, o treinamento foi muito bom e as pessoas estavam mais preparadas”, comentou Souza. Ele acredita, no entanto, que esse percentual possa aumentar devido à progressão da gravidade dos conflitos haitianos nos últimos anos.

Souza contou que vários fatores podem incitar o desenvolvimento da doença, embora não sejam cientificamente comprovados.  Quanto maior a quantidade de conflitos com armas de fogo, possivelmente maior será a chance de ele manifestar o TEPT. Porém o pesquisador estuda outra variante, capaz de gerar o mesmo efeito sem que o soldado tenha passado por muitas situações de risco: o desafeto. Este fator é característico da personalidade individual do paciente, que costuma avaliar qualquer circunstância de modo negativo. Grosso modo, são os pessimistas.

Segundo o pesquisador, os soldados que, antes de partir ao Haiti, criam uma expectativa negativa e já começam a pensar que tudo dará errado são, portanto, mais propensos a desenvolver o TEPT. Mesmo que não se deparem com muitos riscos, estes militares têm a mesma chance de sofrer o transtorno. A pesquisa ainda em andamento está prestes a entrar em uma nova fase, quando será analisado um contingente maior de soldados.

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