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Edição 144
18 de setembro de 2008

Saúde e Prevenção

Medicamentos à base de anfetamina podem prejudicar a saúde



Heryka Cilaberry

Resultados publicados pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC) revelam a intensa utilização de derivados de anfetamina por brasileiros. Segundo o relatório, o país ocupa o terceiro lugar entre as nações consumidoras desses estimulantes, superado apenas pela Argentina e EUA.

Para João Régis, médico do serviço de Nutrologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCCF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o documento não apresenta muitas surpresas. “O ‘puxão de orelha’ que o Brasil levou esse mês da Organização Mundial da Saúde (OMS) tem se repetido nos últimos anos. Já havíamos recebido recomendações para que prestássemos mais atenção a essas práticas”, afirmou Régis.

Na contramão da maioria dos países desenvolvidos, onde a substância é proibida, o consumo da anfetamina ocorre em larga escala no Brasil devido à grande quantidade de remédios emagrecedores que contêm derivados do composto. Capazes de inibir a fome, esses medicamentos agem no hipotálamo, região cerebral que liga o sistema nervoso central ao endócrino, por isso é extremamente atraente para quem deseja perder peso com facilidade.

Essa busca da saciedade, através das medicações, remete ao período da 1ª e 2ª Guerra Mundial, quando a anfetamina foi largamente utilizada. “No período bélico, ela mantinha os soldados em alerta durante as batalhas, dando a eles sensação de poder necessária ao combate contra os inimigos, além de diminuir a fome. Era uma droga que se encaixava perfeitamente à ocasião”, explicou o médico.

Ao final da 2ª Guerra, a substância passou a ser empregada com outras finalidades, dentre elas a do emagrecimento rápido. Segundo Régis, diversos derivados anfetamínicos são utilizados isoladamente ou misturados a outras substâncias para promover perda de peso, especialmente no Brasil:

– Costumamos ver remédios à base de anfetamina usados com aval e sob prescrição do médico, muitas vezes misturando essas substâncias a outras drogas (como diuréticos, antidepressivos, ansiolíticos e tranqüilizantes) sem nenhum critério e formando as chamadas fórmulas mágicas para emagrecer. É um tratamento inadequado – critica o endocrinologista.

A utilização regular de medicações derivadas pode gerar prejuízos à saúde como arritmias, hipertensão, insônia, alterações de comportamento, depressão, dores de cabeça, tremores, agitação e desidratação. A longo prazo ainda podem ser responsáveis por distúrbios psíquicos.

Além de prejudiciais ao organismo, um estudo realizado por Régis em parceria com José Egídio Paulo de Oliveira, chefe-substituto do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFRJ, comprovou a ineficácia dos medicamentos. No trabalho publicado em 2006, constatou-se que dos 312 pacientes com obesidade mórbida (em preparação para realizar cirurgia bariátrica no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho) entrevistados, 86,5% já haviam usado fórmulas para emagrecer contendo anfetamina. “Se o tratamento realmente funcionasse a longo prazo, as pessoas não estariam na fila de uma cirurgia para a redução do estômago”, afirma Régis.

Outra preocupação advinda dessas medicações é o desenvolvimento da taxifilaxia, fenômeno em que o paciente precisa ingerir doses cada vez maiores da substância para obter efeitos semelhantes aos que conseguia no princípio do tratamento.

– Depois de certo momento, o resultado deixa de apresentar a mesma amplitude do início e, havendo a interrupção da medicação, ocorre o rebote. O paciente volta com ainda mais fome. Esse é o histórico de quem utiliza esses remédios: começa o uso, emagrece, quando pára, ganha peso; recomeça, emagrece, interrompe, engorda. É o conhecido efeito sanfona – esclarece.

O uso ilegal de derivados da anfetamina por caminhoneiros (arrebite) ou para a produção de ecstasy intriga os defensores do veto à utilização dessas substâncias. Questionam principalmente o fato de o Brasil não se manifestar contra a comercialização desses componentes na forma de remédios. Segundo o endocrinologista, a única justificativa dada à manutenção do uso farmacológico é seu baixo custo.

– É um tratamento mais barato, mas quando se trabalha com pacientes, sobretudo acima do peso, a gente tem que olhar adiante. Não posso dizer para um paciente de 30 anos que farei um tratamento funcionar por um ano, mas que, depois disso, não lhe darei garantias. As pessoas estão vivendo mais, precisamos buscar um tratamento a longo prazo – alerta o especialista.

Para quem busca um tratamento contra a obesidade, o ideal é ter em mente que as causas do aumento de peso são individuais, variam de paciente para paciente. De acordo com Régis, o tratamento multidisciplinar, que relaciona o trabalho de um médico, uma nutricionista, um profissional de educação física e um psicólogo ou um psiquiatra ainda é a melhor opção.

– É preciso buscar uma equipe que ajuste todos os parâmetros que por ventura estejam comprometendo determinado paciente. A gente sabe que o excesso de peso tem origem multifatorial: comportamento, genética, alimentação, modo de vida e estado emocional, mas um grupo de especialistas pode encontrar as causas do transtorno – conclui o médico.

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