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Edição 143
11 de setembro de 2008

Ciência e Vida

UFRJ desenvolve alternativa para combater a superbactéria

Marcello Henrique Corrêa

A vilã da crise que provocou a suspensão dos serviços realizados na emergência do Hospital Geral de Bonsucesso no ano passado pode ganhar um adversário à sua altura. Pesquisadores do Laboratório de Microbiologia de Alimentos, do Instituto de Microbiologia Professor Paulo de Góes (IMPPG/UFRJ), têm em mãos a substância capaz de inibir a Enterococcus faecium, bactéria que ganhou o título de “super”, por oferecer resistência aos antibióticos. Quando em estado controlado dentro do organismo de uma pessoa saudável, não traz necessariamente malefícios à saúde. Contudo, em pacientes que acabaram de sofrer uma cirurgia, recém-saídos de terapia intensiva, há maior suscetibilidade à infecção por esse tipo de bactéria.

A nova arma descoberta pelos pesquisadores é oriunda de outra bactéria, do “lado bom” da família dos enterococcus. Trata-se da Entetococcus faecium E86, comprovadamente inofensiva ao organismo humano, segundo Marco Antônio Lemos Miguel, responsável pela pesquisa. “Já elaboramos estudos que demonstram que a bactéria não possui fatores agressivos. Ela age como se fosse um pitbull mansinho”, compara o professor.

De acordo com o pesquisador, a intenção original do grupo era bem diferente, há cerca de quatro anos: encontrar uma alternativa aos conservantes químicos. “A idéia inicial era encontrar uma bactéria que pudesse substituir os conservantes químicos de alimentos e propor uma alternativa natural para manter alimentos isentos de perigo. Entretanto, os experimentos acabaram nos conduzindo a outros objetivos e, quando começamos a testar essa bactéria contra bactérias patógenas de difícil tratamento, percebemos que ela era capaz de inibir todas, de maneira muito eficiente”, relata o pesquisador.

Aplicações

O destino mais provável dos resultados da pesquisa aponta para a criação de fármacos mais eficientes. Para isso, é necessário o apoio da indústria farmacêutica, de acordo com Marco Antônio. “A tendência natural do estudo é produzir um medicamento, constituindo uma opção ao antibiótico convencional. Isso vai servir para combater bactérias resistentes às substâncias tradicionais, ou ainda para aquelas pessoas que não podem fazer uso desses medicamentos”, explica o professor, confiante no sucesso do produto.

Segundo o pesquisador, a possibilidade de que as bactérias desenvolvam resistência à nova substância é remota. Para ele, o uso sistemático dos antibióticos foi o fator responsável pela criação de resistência em populações cada vez maiores de bactérias. “Hoje, antibióticos são usados para engordar animais, proteger plantações contra pragas e, pelo homem, para combater doenças. Não seria o caso dessa substância”, acredita.

Além da tendência de uso na indústria farmacêutica, a substância produzida pela Entetococcus faecium E86 poderá ser utilizada das mais variadas formas. De molho de salada a creme dental, o produto pode estar presente no cotidiano, ajudando na prevenção de infecções. “Se essa bactéria fosse usada em molhos de saladas, por exemplo, poderia minimizar as possibilidades de infecção alimentar. Vimos também que a bactéria tem o potencial de ser utilizada na produção de um creme dental, para combater as bactérias da cárie”, exemplifica o professor.

— Estamos pensando também em impregnar embalagens internamente com a substância, para conservar o conteúdo. Dessa forma poderíamos, por exemplo, aplicá-la no interior de uma caixa de leite e manter o alimento seguro por mais tempo — continua o professor, aumentando ainda mais a lista de possibilidades.

Próximos passos

De acordo com o pesquisador, a substância pode representar um papel importante na luta contra as infecções por bactérias – hoje um dos maiores problemas da saúde pública no Brasil. Entretanto, para que o trabalho esteja completo, há muito que fazer. “O primeiro passo do trabalho já está concluído, que foi a demonstração do efeito reativo da substância contra as bactérias patógenas. Agora precisamos acertar alguns pontos, como a viabilização de produção em alta escala e a verificação de como a substância se comportará em contato com o corpo”, pondera o pesquisador.

Marco Antônio informa que alguns estudos com modelo animal já estão sendo desenvolvidos para avaliar com mais profundidade o comportamento da nova substância. Analisar geneticamente a bactéria é outra prioridade do grupo de pesquisa. O objetivo é melhorar o desempenho da bactéria e tentar utilizar a substância pura, sem a necessidade de ter em mãos a própria bactéria.

Produto nas prateleiras

Para o pesquisador, a alternativa de tratamento será bastante acessível à população, já que o processo de obtenção da substância não é oneroso. “Já existem no mercado bactérias usadas de maneira semelhante à nossa, mas não com a mesma eficácia. Não há nenhum fator que encareça a produção, é simplesmente um processo de fermentação: alimentar a bactéria e colher a substância”, explica.

Apesar de admitir a dificuldade de estipular prazos, Marco Antônio acredita que, em breve, os resultados da pesquisa poderão ser vistos na prática. “Isso vai depender de qual caminho vamos tomar. Se nós começarmos a trabalhar hoje, talvez em cerca de cinco anos, com apoio da indústria farmacêutica, consigamos ter um produto pronto”, avalia o pesquisador.

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