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Edição 129
05 de junho de 2008

Por uma boa causa

Pedofilia: desvio sexual, crime e desestruturação familiar

Cinthia Pascueto - AgN/PV

A editoria Por uma boa causa de junho trata de um assunto polêmico, tanto por seus reflexos sociais quanto pelo aspecto pessoal, de intimidade: parafilias. Este é o nome dado aos desvios no comportamento sexual, na qual ocorre do ponto de vista psicológico um desvio na eleição do objeto de desejo. A parafilia pode ser ou não considerada uma anormalidade dependendo das questões culturais em que está inserida. Em outros casos, como o que abordaremos nesta edição, é um distúrbio psicológico que configura um crime: a pedofilia.

Segundo Miguel Chalub, psiquiatra forense e professor associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ, pedofilia é a atração que uma pessoa sente por crianças impúberes, isto é, que ainda não atingiram à puberdade. “Se a pessoa sente atração por uma criança que ainda não atingiu os caracteres sexuais secundários, que não apresenta aptidão para a vida sexual, nós denominamos, de acordo com as definições e legal, de pedofilia”, explica o especialista.

Diagnóstico e legislação

– Normalmente o desejo é por pessoas que já têm atividade sexual, tanto homem quanto mulher. Em princípio uma criança não devia despertar atração sexual nenhuma. Uma das razões básicas disso é a imaturidade sexual do pedófilo, ou seja, a sexualidade dele não se desenvolveu plenamente e ele, então, em vez de ter atração por pessoas maduras nesse aspecto, ele sente atração por crianças que por definição tem uma imaturidade sexual biológica, natural. Mas o pedófilo, por se sentir incapaz de ter uma vida sexual normal com pessoas adultas, ele então procura a criança para com ela ter a satisfação sexual. Essa é a causa principal –, explica o especialista, lembrando que na maior parte dos casos, o agressor não tem essa noção.

Segundo ele, o pedófilo pode tanto ter dificuldades em um relacionamento estável quanto ser casado e com filhos, o que biologicamente aparenta uma saúde biológica e sexual normal. “Apesar disso, ele psicologicamente é imaturo, sente-se psicologicamente incapaz, diminuído, desvalorizado. É como se ele pensasse: ‘Eu não tenho condições de conquistar uma pessoa. Eu não tenho encanto, eu não tenho charme. Mas para uma criança não precisa disso’. A criança pode ser conquistada de maneira muito fácil, com um presente, com um doce, uma promessa. Para a criança não precisa ter nenhuma característica própria, de encanto, de fascínio, como para o adulto o mínimo disso é o necessário” esclarece Chalub.

Pedofilia é sempre uma anormalidade, um crime, o diagnóstico inicial da pedofilia, o desvio sexual, pode ter por trás outro cálculo do quadro mental. “Se realmente houver outro diagnóstico, a pessoa pode não ser considerada legalmente responsável. No caso de um retardo mental ou uma psicose subjacente a essa pedofilia, o indivíduo não tem a capacidade de conquista, ele tem uma limitação intelectual. Então a pessoa não consegue se aproximar de um homem, de uma mulher, nas condições próprias, pois não tem capacidade para isso. Mas da criança, por normalmente não ter noção de uma exigência sexual, ele consegue se aproximar. Apesar da pessoa não ser considerada responsável legal, ainda assim constitui uma anormalidade”, relembra o professor.

No caso da atração sem a consumação do ato, é indicado o tratamento psicológico. A base do tratamento é a psicoterapia, com o intuito de levar o indivíduo ao amadurecimento psicossexual, já que se trata de uma imaturidade sexual, e que pode ser revertida, levando o paciente a atingir a sexualidade plena, abandonando a pedofilia.

Chalub alerta contrapondo às medidas tomadas caso ocorra o crime. “Em alguns estados americanos, o desejo sexual pode ser reprimido através de hormônios bloqueadores, procedimento feito principalmente em homens. A pessoa pode ter essa opção: ou vai para a cadeia, curtir anos de prisão, ou aceita essa castração química, através dessas substâncias que tiram por completo o desejo sexual. No Brasil esse procedimento não é permitido por lei.”

A legislação brasileira, por sua vez, considera a pedofilia um crime em qualquer circunstância, sendo motivo de prisão. “A punição é pesada, bastando a vítima ter menos de 14 anos para ser considerado um agravante de abuso sexual. Qualquer atentado sexual que envolva pedofilia é um agravante, assim como nos demais países. O que varia são as conseqüências legais, como tempo de prisão, e outros procedimentos, como a castração química”, declara Chalub.

Estatísticas e conseqüências

Esse distúrbio é mais comum em homens que em mulheres, apesar de também ocorrer em pessoas do sexo feminino. “Não é uma questão biológica, é muito mais cultural. Porque o homem tem mais chances de externar sua vida sexual. Em último caso, ele tem a prostituição, por exemplo. Já a repressão sexual e social da mulher é muito maior, o que cria maiores limitações para ela exercer dessa maneira a sua sexualidade”. compara Chalub, acrescentando: “Na mulher geralmente choca menos, porque quase sempre não leva a nenhuma atitude violenta. Se ela não conseguir, fica por isso mesmo. Já com o homem nem sempre isso acontece, pois a sexualidade masculina muitas vezes é carregada de agressividade. Então, se ele é frustrado, em vez de desistir como uma mulher normalmente faria, tenta alcançar na base da violência contra a criança”,

Essa atitude, porém, não é a mais comum. O ato sem violência, não deixa registros evidentes, passando despercebido caso ninguém denuncie, como explica o psiquiatra: “Se não há violência, e a criança muitas vezes não fala nada – por não ter muita noção do que se passou ou porque é ameaçada –, então não aparece. Mas quando há a violência que deixa marcas, uma conseqüência, aí sim, fica mais evidente o ato de pedofilia”.

O professor é enfático ao afirmar que os maiores índices de pedófilos estão, ao contrário de muitas crenças, entre parentes e pessoas mais próximas. “São pais, tios, irmãos mais velhos, padrastos, padrinhos, e pessoas que por alguma razão qualquer têm ascendência sobre crianças, como pediatras, psicólogos infantis, pessoas que trabalham com menores abandonados, cuidadores de crianças, que às vezes até procuram essas capas de benemérito, de ação social, para ter mais acesso à criança”, lista o médico, enfatizando que o pedófilo que a imprensa geralmente caracteriza como o “lobo mau” da história de Chapeuzinho Vermelho, escondido atrás de uma árvore, que se joga em cima da criança quando ela passa, é uma raridade. O mais comum são pessoas próximas.

O professor alerta que dificilmente se percebe que a criança tem sido vítima de pedofilia. “A mídia aponta uma conseqüência catastrófica, na qual a criança fica marcada para sempre. Claro que existem esses casos, mas na maioria das vezes não é assim que acontece. O abuso sexual de crianças é muito mais freqüente do que se pensa”, afirma Chalub, destacando que na maioria dos casos a criança não costuma denunciar, por não sofrer violência, como acontece na maior parte das vezes, ou por ser ameaçada. “Em muitos casos há a conivência da criança, da mãe e do próprio agente, que, enfatizando, pode ser um familiar próximo.”

– Caso a criança apresente algum comportamento estranho, como de evitação de determinada pessoa, pode chamar mais a atenção. Se for identificado, o primeiro passo é separar a criança do pedófilo. A pessoa tem que ser responsabilizada, além de ser submetida à avaliação mental. Em relação à vítima, é necessário conhecer a extensão das conseqüências e que complicações podem desencadear na psicossexualidade futura da criança, como dificuldades de relacionamento na vida sexual –, esclarece o especialista, exemplificando que em relação às meninas, as maiores vítimas da pedofilia, elas podem apresentar na fase adulta frigidez sexual, dor na relação, ausência de libido, entre outros aspectos que podem ser trabalhados em tratamentos psicoterápicos.

– É importante salientar que é errônea essa imagem de que a pedofilia é sempre feita na base da violência contra a criança, da clandestinidade. Na maior parte das vezes é feito no meio familiar, com cumplicidade de alguém desse núcleo. Isso é importante porque mostra uma desorganização familiar, pois se ela própria é conivente, mostra que essa tem uma estruturação ruim, do ponto de vista social. Então essa é a mensagem principal: além do desvio psicológico, os casos de pedofilia são o reflexo de uma má estrutura familiar – finaliza Miguel Chalub.

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