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Edição 114
31 de janeiro de 2008

Faces e Interfaces

Sol: amigo ou inimigo?

Clarissa Lima

Pesquisas sobre os efeitos do sol na saúde humana são uma constante em todo o mundo. Porém, podem existir diversas linhas de estudo sobre este mesmo tema, gerando conclusões, que, muitas vezes, parecem paradoxais.

O pesquisador norueguês Johan Moan, por exemplo, afirma que o sol – quem diria! – pode prevenir o aparecimento de câncer. Lógico, esta colocação superficial não faz jus aos estudos de Moan. Segundo ele, o sol auxilia na produção da vitamina D, importante nos mais variados processos orgânicos.

De acordo com Johan, em geral, uma pessoa deve se expor ao sol por cinco a trinta minutos, duas vezes por semana. O tempo depende da cor da pele de cada indivíduo.

Mesmo assim, muitos cuidados e informações explicitados em toda a mídia, divulgadora do estudo do norueguês, podem ser mal interpretados pelo público. Para esclarecer a questão dois especialistas da UFRJ dão sua opinião. Afinal, o sol é amigo ou inimigo?

 

Márcia Ramos-e-Silva

Professora da Faculdade de Medicina e chefe do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF)

“Já se sabe desta propriedade da vitamina D há muito tempo. Certamente, o sol em excesso é maléfico para a pele, provoca câncer de pele, manchas, envelhecimento precoce. Mas ele é necessário para o metabolismo desta vitamina, que protege alguns processos internos e que atua também no metabolismo do cálcio nos ossos.

A novidade desta pesquisa, em relação aos tumores, reside na questão dos processos deflagrados pelos genes. O pesquisador afirma que cerca de 200 processos genéticos, dentre eles a multiplicação de células e a liberação de hormônios, por exemplo, dependem da vitamina D que, por sua vez, relaciona-se ao sol.

A comparação entre habitantes do hemisfério norte e do sul feita por Moan também não é nova. Ele avalia ingleses, noruegueses, australianos justamente para demonstrar como as diferenças de localização geográfica interferem na necessidade do sol. Isso é verdade mesmo. Pessoas que moram em lugares onde o frio é muito intenso, o inverno é muito longo ou rigoroso - como nos países nórdicos –, tendem a sofrer mais freqüentemente de distúrbios da parte de humor, de doenças psiquiátricas relacionadas à depressão. Então, neste sentido, o sol realmente é benéfico.

Quanto à idéia de que o sol pode prevenir o aparecimento de câncer, isto se refere ao câncer interno, tumores malignos de mama, na próstata, no pulmão, porque tudo isso tem interferência da vitamina D. Contudo, para metabolizar este nutriente, é preciso de pouco sol. Na realidade, são necessários de cinco a vinte minutos de sol, duas ou três vezes por semana, no horário considerado pior (entre 10h e 16h). E pode ser na perna, no braço, não precisa ser no corpo inteiro. É aí que reside a grande confusão que o povo brasileiro pode fazer: esta quantidade de sol, no nosso país, é pega facilmente no dia-a-dia, principalmente por pessoas que têm vida ativa, que saem para almoçar ao meio-dia, esperam o ônibus debaixo do sol... Esta ‘obrigação’ de pegar sol deve ser pensada nestes lugares mais frios que já comentei, pois é realmente difícil conseguir a quantidade necessária.

Em relação aos negros, existe a proteção natural da melanina, mas, ao mesmo tempo em que protege do sol, ela diminui a metabolização da vitamina D. Portanto, as pessoas negras precisam de mais exposição solar para a realização deste processo. E, embora pessoas negras sofram menos de câncer de pele do que brancos graças à melanina, há dois fatores para os quais quem tem pele mais escura deve ser alertado. Os negros apresentam maior tendência à hiperpigmentação e também há um problema causado pelo excesso de sol que não está relacionado à melanina e por isso atinge a todas as raças por igual que é a imunossupressão. Este fenômeno, causado por quantidades exageradas de sol, leva à diminuição das defesas orgânicas. Por isso, é preciso se proteger sempre, seja a pessoa negra ou branca.

Enfim, o sol realmente é benéfico em certas situações. Entretanto, é preocupante que as pessoas vejam notícias como esta na mídia e pensem que não precisam se proteger. Em doses moderadas, o sol é importante, mas o excesso pode ser muito prejudicial.”

Bruno Vargas Freitas

Oncologista do Núcleo de Pesquisa em Câncer da Faculdade de Medicina da UFRJ

“A vitamina D é formada na pele em um processo fotoquímico, durante exposição solar. Ela tem um importante papel na manutenção dos sistemas orgânicos, como, por exemplo, a regulação dos níveis de cálcio e fósforo no sangue, formação e mineralização óssea, inibição da secreção do hormônio da glândula paratireóide e participação no sistema imune promovendo imunossupressão, fagocitose e atividade anti-tumoral.

O hormônio desta vitamina demonstrou induzir a morte de células de câncer in vitro e in vivo. Apesar de a atividade anti-tumoral do nutriente não ser completamente conhecida, sabe-se que estes efeitos são mediados através dos receptores de vitamina D (VDR) expressados nas células tumorais e pode estar relacionada à sua atividade imunomoduladora. Estes receptores também estão presentes em células de vários órgãos e participam de uma grande gama de processos metabólicos.

Em 2005, antes do estudo em questão, foi publicada outra pesquisa apresentando a correlação entre ingestão diária adicional de vitamina D e resultado na prevenção do câncer: observou-se a redução no risco de desenvolvimento de câncer de cólon de 50%, enquanto em tumores de mama e ovário houve uma diminuição de 30%. Mais recentemente, outro estudo mostrou uma redução de 60% na incidência de câncer de mama, em quatro anos de acompanhamento, em pacientes que recebiam suplementação diária da vitamina.

Os efeitos protetores deste nutriente resultam de seu papel atuante no núcleo celular, regulando o crescimento e a diferenciação celular, a apoptose (morte de células) e vários outros mecanismos ligados ao desenvolvimento de câncer.

Sabendo que a vitamina D contribui para reduzir a incidência de alguns tumores (mesmo não estando ainda totalmente esclarecidos estes mecanismos), como a exposição solar eleva sua quantidade no organismo, em tese poderíamos esperar uma redução na incidência de tumores graças à exposição solar. Vale lembrar, porém, que nos estudos citados foi ministrada oralmente uma suplementação diária da vitamina D, e não somente fez-se exposição ao sol, como o indica a teoria do doutor Moan.

Este tema ainda está em aberto, mas, apesar dos resultados benéficos já encontrados devido à exposição solar, não podemos deixar de lembrar dos malefícios desta exposição sem proteção adequada, como o envelhecimento precoce e tumores de pele. Estudos como estes devem ser analisados com muita cautela, pois podem levar as pessoas a uma exposição exacerbada ao sol, muitas vezes mais prejudicial que favorável à saúde.

Na prevenção ao câncer, o que faz realmente a diferença é um somatório de ações, desde a prevenção primária, como mudança de hábitos pessoais (fumo, álcool, hábitos alimentares), até a detecção precoce (prevenção secundária), através de exames periódicos, das mamas e ginecológico para as mulheres, de próstata para os homens, dentre outras ações preventivas. Estas são atitudes efetivas no controle do câncer.”

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