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Edição 110
06 de dezembro de 2007

Microscópio

Crianças surdas rompem barreiras e representam peça teatral

Marcello Henrique Corrêa

Talvez isso passe despercebido por quem tenha audição perfeita, mas a falta desse sentido afeta muito mais a vida do que apenas não ter a percepção dos sons. Quando o problema é com crianças, tudo pode se tornar ainda mais complexo. Foi pensando nisso que o ambulatório de surdez-voz do serviço de Fonoaudiologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho organizou uma peça teatral com as crianças e jovens assistidos pelo Hospital.

À frente desse projeto, está Lidia Becker, mestre em teatro e fonoaudióloga, que se desdobra para fazer os ensaios e organização do evento, com o apoio da monitora Carla Argollo. A peça é exibida no próximo dia 19 de dezembro, de manhã e à tarde, no auditório da Biblioteca do Centro de Ciências da Saúde.

— Esse trabalho tem o propósito de ajudar a eclodir a fala dos participantes, ajudando-os a se situar e compreender tudo em torno — explica Lidia. A professora lembra, para eles, o primeiro idioma é a Libras (Língua Brasileira de Sinais) e o Português constitui uma segunda língua. Por isso, durante a peça, há uma professora de Libras, que se comunica com eles, que explica o que está havendo.

Apesar de terem em comum a deficiência auditiva, o grupo é bastante heterogêneo. Além da idade (desde crianças de cinco anos até adolescentes), os pequenos atores apresentam graus diferentes de surdez. “São graus de deficiência diferentes. Uns nasceram assim, outros ficaram surdos por razões externas”, comenta a professora. Segundo ela, outro fator importante é o tempo de terapia de cada um. “Alguns são trabalhados desde bem pequenos. Por outro lado, outros, infelizmente, não conseguiram atendimento, então começaram a ser trabalhados já maiores e, por isso, o entendimento deles do mundo é muito mais lento”, completa a professora.

— Estamos estimulando a fala e procurando extrair das crianças o que eles podem apresentar de oralidade — afirma Lidia. Contudo, o trabalho foi feito com muito cuidado, para que esse estímulo seja adequado às capacidades e limitações de cada um. Enquanto uns falam pouquíssimo ou nada, outros já apresentam uma melhora mais efetiva, como no caso do narrador da apresentação, um adolescente freqüentador do ambulatório por 12 anos e que já demonstra uma capacidade de fala significativa.

Lídia explica que tudo foi trabalhado dentro de um contexto coerente, para que fizesse sentido para eles. A peça tem como tema um dia comum de uma criança, representa a rotina: acordar, ir ao parque, brincar. “Dentro de cada atividade na peça, a idéia foi estimular ao máximo a fala, fazer com que eles falassem o máximo de coisas possíveis, dentro das possibilidades de cada um”, esclarece a professora.

Considerando suas limitações auditivas, o trabalho escolhe outro caminho para estimular o entendimento de mundo das crianças. A chamada metodologia multisensorial busca a compreensão do mundo dada a eles através de outros sentidos. “Nós exploramos muito essa parte corporal, rítmica. Isso ajuda muito a regular o movimento”, conta a professora, explicando que a criança surda apresenta dificuldades de equilíbrio e de percepção de espaço, que podem ser superadas ou atenuadas com a prática de atividades desse tipo.

Além do estímulo aos sentidos, o trabalho também auxilia na sociabilização das crianças. Por exemplo, os mais velhos ajudam os mais novos em determinadas cenas. Do mesmo modo, é estimulada a noção de respeito, de cada um para o tempo e o espaço do outro.

Os objetivos do trabalho, dessa forma, vão além de estimular a fala, isoladamente. Segundo Lidia, as crianças estão em um momento de estruturação do pensamento, em que precisam aprender a idéia de narrativa. “Dentro dessa perspectiva, nosso objetivo é, no caso dos menores, por exemplo, que eles aprendam uma historinha e saibam contá-la, de maneira lógica”, exemplifica a professora.

A fonoaudióloga explica que a deficiência auditiva afeta também significativamente a noção de tempo. “Como eles não escutam, a noção de tempo é a mais tardia que eles conseguem obter na construção do entendimento, que a gente chama de linguagem. O método multisensorial entra aí como um meio de estímulo à estruturação do pensamento”, esclarece Lidia.

A peça teatral está inserida em uma série de trabalhos feitos pelo ambulatório de surdez-voz. Além dessa atividade, as crianças assistidas pelo HU assistem a aulas de Libras, participam de atividades pedagógicas e recebem atendimento fonoaudiológico. “A idéia é sempre fazer uma atividade que mobilize as pessoas, provoque um envolvimento”, explica Lidia, que espera mostrar aos pais das crianças – principal público da exibição – as perspectivas positivas do futuro dos filhos.

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