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Edição 101
04 de outubro de 2007

Saúde em Foco

Pimenta inspira anestésico que não paralisa

Junção de princípio ativo do alimento com molécula pode revolucionar tratamentos.
Dupla afeta apenas neurônios que sentem dor, deixando os demais em atividade.

Ficar o tempo todo consciente e com capacidade de movimento durante uma cirurgia complicada? Fácil: é só colocar um pouquinho de pimenta no anestésico. Parece um absurdo, mas é o que uma equipe de pesquisadores americanos parece ter conseguido em experimentos com ratos. Ao combinar uma molécula hoje usada apenas para experimentos com neurônios e o "princípio ativo" da pimenta vermelha, que produz a sensação de ardor do condimento, eles podem ter criado uma nova geração de anestésicos, que bloqueiam apenas a dor, sem afetar o resto do sistema nervoso.

A pesquisa, capitaneada por Clifford Woolf, do Hospital Geral de Massachusetts (Costa Leste dos EUA), está na edição desta semana da revista científica "Nature". Aliás, faz todo sentido que a equipe de Massachusetts tenha conseguido esse feito, já que o hospital americano foi o primeiro do mundo a realizar uma anestesia geral com éter, em 1846.

No entanto, passado um século e meio de uso da técnica, ela continua funcionando mais ou menos da mesma maneira. Os anestésicos funcionam bloqueando a passagem de sinais químicos em todos os neurônios do corpo ou da região que recebeu anestesia local, de forma indiscriminada. O único jeito de mudar isso seria desativar apenas os neurônios ligados à sensação de dor -- e aí é que entra a pimenta-vermelha.

O que acontece é que a capsaicina, a substância do condimento que induz a sensação de dor e "queimadura", afeta de forma seletiva os canais moleculares formados por uma proteína, a TRPV1. Esse tipo de canal só existe na membrana dos neurônios sensíveis à dor e funciona como um condutor de mensagens, indicando às células a presença do estímulo doloroso. A capsaicina da pimenta-vermelha força esses canais a se abrirem.

Os pesquisadores injetaram nos ratinhos de laboratório uma mistura de capsaicina e de um tipo de anestésico o qual, normalmente, só funciona quando é injetado diretamente dentro dos neurônios. Acontece que, dessa vez, a capsaicina enfiou o pé na porta e deixou a passagem livre para esse anestésico, por assim dizer -- ele entrou com facilidade nos neurônios. Mas só nos neurônios sensíveis à dor: tanto que os roedores continuavam respondendo ao toque e andando normalmente, embora não sentissem mais os estímulos dolorosos.

Ainda falta muito trabalho antes que a idéia possa ser aplicada em humanos -- é preciso achar uma formulação que não cause ardência inicial, como a pimenta faz, por exemplo. Mas os pesquisadores se dizem confiantes de que isso vai ser possível em breve.

On-line G1, 04 de outubro, Editoria Ciência e Saúde

link original: http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL144496-5603-71,00.html

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