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Edição 096
30 de agosto de 2007

Argumento

Justiça inclui cirurgia de mudança de sexo na tabela do SUS


Julianna Sá

Considerada pelo Ministério Público como um direito constitucional, a cirurgia para transexuais, que consiste na mudança de sexo fisiológico, passa a fazer parte da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Tendo deixado de representar um procedimento experimental e tendo, hoje, o reconhecimento do Conselho Federal de Medicina, a decisão ainda levanta questionamento por parte dos leigos. Ainda crendo que a cirurgia é uma opção meramente estética e plástica, alguns debates revelam que o SUS não deveria arcar com o procedimento. O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ) realiza a operação e tem, inclusive, um programa exclusivamente voltado para atender os pacientes que sofrem com a transexualidade.

Esse tipo de cirurgia teve a primeira resolução no Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1997, autorizando universidades e centros de pesquisa a realizar a operação de transformação do que se denomina transexual masculino para feminino. Isso significa que indivíduos geneticamente classificados como de sexo masculino podem adequar a genitália ao que eles consideram como sendo o sexo psicológico.   

A segunda resolução a respeito do tema ocorreu em 2002, também através do CFM, devido ao sucesso desse tipo de cirurgia, o que autorizou que tal processo, de masculino para feminino, fosse expandido para qualquer hospital, mas que a cirurgia de transexual feminino para masculino ainda ficaria restrita às universidades e centros de pesquisa.

— Aqui no Hospital Universitário o programa existe há dez anos. Desde que saiu a resolução, em 97, fomos procurados por um paciente que foi operado em 2000. Então, há dez anos integro o Programa de Atendimento a Pacientes Transexuais e Cirurgia de Transgenitalização, do qual fazem parte uma cirurgiã plástica, um urologista, um psiquiatra e uma psicóloga — explica o coordenador do programa e responsável pelo atendimento psiquiátrico aos pacientes, o professor Sérgio Zaidhaft. No início, também era feito um acompanhamento endocrinológico, que atualmente é feito por meio de um órgão do estado.

A vinculação do procedimento ao SUS, com liberação de recursos consiste, basicamente, numa legitimação financeira de um processo já executado em diversos hospitais do país, como é o caso do HUCFF.

— Essa cirurgia não tinha uma rubrica do SUS que garantisse ressarcimento ao hospital por seus gastos de centro cirúrgico, técnicas e aparelhagem, além de instrumental. Como é composta por vários procedimentos, antes, o hospital repassava as cirurgias subdivididas, ou seja, retirada de testículos; orquiectomia, amputação de pênis; penectomia — exemplifica o coordenador do programa.

No entanto, não era suficiente, já que a cirurgia compreende outros processos além dos citados, como a construção de uma neo-vagina. Esse procedimento, especificamente, não consta na tabela do SUS. Na verdade, tal resolução do Ministério Público, exigindo que o SUS inclua a cirurgia vai apenas oficializar, em termos de financiamento para esses hospitais, essas cirurgias que já são feitas em São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Vitória.

O professor ainda destaca a importância que a cirurgia tem na vida do indivíduo transexual, que nada tem a ver com estética. “Todos são pessoas com uma história característica de transexualismo chamada Transtorno de Identidade de Gênero e a característica marcante consiste em um desconforto acentuado com o sexo anatômico, desde a infância e do reconhecimento como indivíduo”, observa Sérgio Zaidhaft.

Nenhum desses indivíduos nega ou desconhece o seu sexo anatômico. O que acontece, na verdade, é que essa percepção é acompanhada de um enorme desconforto em relação à identidade sexual, ao seu sexo subjetivo. Todos eles sofrem muito por conta do conflito pessoal, da aceitação familiar e por conta de todos os conflitos sociais que decorrem do transtorno.

— Muitos casos registram amputações em casa e até mesmo suicídio, devido ao desespero dessas pessoas. Essa resolução, desde 97, abriu uma esperança de um tratamento que possa trazer o mínimo de conforto e de tranqüilidade para esses pacientes — garantiu o psiquiatra.

A resolução, porém, estabelece algumas exigências. O tratamento deve ter, no mínimo, dois anos de acompanhamento psiquiátrico, o que é um tempo que pode parecer grande, mas que, se tratando de uma cirurgia radical, exige uma avaliação séria e consistente, já que não há o como reverter a cirurgia.

— Aqui no hospital o acompanhamento é não somente prévio, mas posterior à cirurgia, que demanda uma adaptação à nova realidade. Consegue-se, inclusive, atualmente mudar o nome dessas pessoas através de um acordo feito com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, para onde os pacientes saem diretamente encaminhados. Antes, a mudança dessa identidade civil era um processo bastante complicado — complementa Sérgio Zaidhaft.

Restrições

Para ser classificado como transexual e ter direito à cirurgia, o paciente não pode ter nenhum outro transtorno psiquiátrico que comprometa seu juízo. “Já tivemos um paciente que não reconhecia o seu sexo biológico, mas esse não é um paciente transexual, o que ele tinha era uma negação do próprio pênis, não se reconhecia como homem”, encerra o coordenador. É preciso também que o paciente seja maior de 21 anos e não tenha doenças graves, embora haja questionamento quanto ao fato de um paciente HIV positivo poder ou não sofrer a operação. No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho ainda não houve registro de casos como esse.


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