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Edição 093
09 de agosto de 2007

Por uma boa causa

Malhe com cautela

Mariana Mello

A atual fascinação por esportes, somada à crescente valorização da aparência e à busca sem precedentes por um “corpo bonito” e por “qualidade de vida”, desperta não somente nos adultos, mas também em crianças e pré-adolescentes, a procura por academias de ginástica e por escolinhas de esportes coletivos ou lutas. É comum ver, desde cedo, crianças praticando esportes; a musculação e os treinamentos de força, contudo, freqüentemente ainda suscitam dúvidas nos pais: devo permitir que meus filhos “malhem” ou não? Para tentar solucionar a questão, a editoria Por uma boa causa dá prosseguimento ao tema Crianças: pode ou não pode? abordando, nessa semana, a musculação. 

Embora não haja atualmente restrições aos trabalhos de força para crianças, os treinamentos com pesos executados por indivíduos ainda na infância ou na pré-adolescência devem ser cautelosamente acompanhados por especialistas. A opinião é de Alex Pina de Almeida, professor do Departamento de Ginástica da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da UFRJ. Ele garante que essa não é a atividade preferida das crianças — elas mesmas e seus pais geralmente costumam ter mais interesse pela natação, judô, esportes coletivos, tênis, ginástica artística e surf — mas reforça a necessidade de preocupação com os adolescentes:

— A musculação não é uma atividade muito procurada por crianças, pois o ambiente das academias não é dos mais atraentes para esta faixa etária. Os adolescentes, sim, são os mais curiosos em relação à musculação e precisam de supervisão permanente, pois querem resultados rápidos, têm dificuldade de atender às instruções e se deixam influenciar com certa facilidade por ganhos de massa corporal rápida — alerta Alex, que elogia os professores de educação física das academias. “Não há negligência por parte dos instrutores. Pelo contrário: toda vez que uma criança procura a academia para fazer musculação, eles têm a orientação de solicitar a presença de seus responsáveis para obter mais informações sobre os motivos que a levaram a optar por aquela atividade”.

Excessos nunca são bons

O professor da EEFD atenta para o perigo dos exageros. “O trabalho com pesos excessivos pode acarretar lesões ortopédicas graves. Qualquer excesso, em minha opinião, é prejudicial: a utilização de cargas altas e o dispêndio de um tempo longo de treinamento diário na musculação não devem ser permitidos, assim como também não devem acontecer em qualquer treinamento esportivo”. Para Alex, essas sobrecargas se assemelham aos excessos cometidos por crianças no uso da Internet e na alimentação, também altamente nocivos à saúde.

Ele acredita que não há uma idade exata para iniciar a musculação e que esta deve ser conduzida de maneira gradual. "Há muitos anos treinamentos com pesos vêm sendo praticados por pré-adolescentes em países com tradição de ganhar medalhas em modalidades olímpicas de levantamento de peso, como os do Leste Europeu. Nesse caso, os infanto-juvenis treinam com cargas leves, objetivando aprender a perfeita realização técnica do movimento e ganhar resistência muscular e força paulatinamente, "na medida em que vão amadurecendo". Ainda assim, Alex aponta alguns exercícios que podem se revelar arriscados:

— Os exercícios menos recomendados são as elevações acima da cabeça, do tipo desenvolvimento, ou aqueles que trabalham com cargas excessivas, que imponham uma solicitação além das condições físicas do aluno ou atleta e que os impeça de usufruir do treinamento de maneira adequada — enumera o docente. Alex também faz questão de esclarecer que a musculação infantil não impede o crescimento da criança, desde que não objetive a hipertrofia muscular — um experimento de treinamento infantil baseado na hipertrofia, que comprovaria ou não a polêmica, na opinião de Alex, nem mesmo pode ser realizado, pois não seria aprovado pelas comissões de ética.

Atenção a determinados esportes

As crianças que se interessam pela musculação, de acordo com Alex Pina, normalmente são aquelas que praticam algum tipo de esporte competitivo — para elas, já existem até aparelhos especializados, uma linha Kids, lançada por dois conceituados fabricantes de equipamentos de academia. Segundo ele, “os jogos infantis, como piques, amarelinha, queimado, e esportes mais populares, como futebol e voleibol, além de atividades como andar de bicicleta, pular corda e subir em árvores, fazem parte das horas de lazer do cotidiano de grande parte das crianças brasileiras”. 

Esportes como o judô e a ginástica olímpica, que vêm ganhando destaque, principalmente em virtude do sucesso nos recentes Jogos Pan-americanos Rio 2007, merecem algumas observações de Alex. Segundo ele, essas modalidades trazem inúmeros benefícios, como "o desenvolvimento da motricidade, da força, da flexibilidade, da auto-confiança e da socialização", para as crianças que as praticam. Porém, nelas a  demanda por força e sustentação do peso corporal é muito grande, assim como em todos os esportes de competição de alto nível, que às vezes não se revelam tão saudáveis como apregoam ser. Os pais, contudo, não se incomodam que seus filhos pratiquem esses esportes, ao contrário da musculação, que, segundo Alex, somente por ser um exercício mais "artificial e construído", torna-se alvo de críticas:

— Os aprendizes de judô ou ginástica começam muito cedo, por volta dos seis ou sete anos, a fazer exercícios que exigem muita força e resistência muscular. Entretanto, nem de perto os instrutores dessas atividades demonstram preocupação com a saúde semelhante àquela dos professores de musculação, cuja principal característica é o trabalho individualizado. Acredito que o principal problema seja a falta de informação e que, a partir do momento em que esse conhecimento for veiculado pelo professor de Educação Física, na escola, as preocupações diminuirão e as escolhas serão feitas de acordo com os interesses e o perfil de cada criança — reflete Alex. Ele ainda aponta como os principais beneficiários desse esclarecimento as crianças com excesso de peso, pois terão um programa de força controlado e desenvolvido exclusivamente para elas.

Mais incentivo ao esporte é necessário

Pesquisas citadas pelo professor Alex Pina e divulgadas pela agência norte-americana regulamentadora da saúde (U.S. Department of Health & Human Services) em 1996 constataram que menos da metade das crianças e jovens entre seis e 17 anos, nos Estados Unidos, fazem exercícios vigorosos. Além disso, a pesquisa também afirma que 50% dos homens e 65% das mulheres entre 12 e 21 anos não fazem exercícios de força. Para Alex, esses dados mostram-se contraditórios com a realidade:

– Estes são dados da população dos EUA, país no qual a atividade física regular, o aprendizado e o treinamento de diversas modalidades esportivas, bem como a constituição de equipes de exibição e de competição, fazem parte do cotidiano escolar da maioria das crianças e adolescentes – preocupa-se Alex. “No Brasil não possuímos dados semelhantes sobre nossa população, mas também não temos políticas de saúde, esportivas ou educacionais, que abranjam a maioria da população em idade escolar. Isso nos leva a crer que, se fizermos uma avaliação do mesmo tipo em nosso país, devemos encontrar dados ainda mais preocupantes que a pesquisa realizada com a população norte-americana”, conclui Alex.



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