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Edição 091
26 de julho de 2007

Por uma boa causa

Mosquitos infectados têm difícil combate

Julianna Sá

Estima-se que o mosquito seja o inseto de maior relevância quando se trata da transmissão de doenças ao homem, direta ou indiretamente. Vastamente estudado no meio acadêmico, representa um problema de saúde pública, principalmente devido ao fato de algumas espécies possuírem habilidade para localizar o ser humano, se alimentando de sangue e, possivelmente, transmitindo certos patógenos. Por isso, o mosquito, de presença massiva no meio urbano, encerra o ciclo de matérias da editoria Por uma Boa Causa, dedicado aos insetos que oferecem malefícios no convívio humano.

Muitas espécies de mosquito possuem hábito antropofílico, que é a capacidade que alguns insetos têm de localizar atividade humana. Na verdade, tal ação envolve um conjunto de comportamentos e atividades biológicas que, quando combinadas, vão atribuir a determinada espécie, comportamento antropofílico mais ou menos eficiente.

— Esse comportamento é fundamental, porque se essa espécie de mosquito não é somente hematófago, ou seja, se alimenta de sangue, mas é vetor de agentes patógenos, localizar o homem passa a ser definitivo para causar impacto dramático sobre uma população, em relação ao que o mosquito é capaz de causar a esses indivíduos — destaca Mário Alberto Cardoso, professor adjunto do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ.

Existe cerca de um milhão de espécies de artrópodes no mundo, dos quais somente 14 mil se tornaram capazes de se alimentar de sangue. Dentre esses hematófagos, nem todos são vetores de doenças, ou têm comportamento antropofílico marcante. Portanto, numericamente, esses dados seriam pouco expressivos. No entanto, duas espécies em particular apresentam características determinantes para um impacto bastante negativo para a sociedade. O Aedes aegipty, causador da dengue e febre amarela e o Anopheles Gambiae, que, na África, é o principal vetor da malária, além de alimentarem-se de sangue, e terem comportamento antropofílico muito marcado, são vetores de patógenos que podem levar à morte, atingindo severamente a população brasileira.

A história da contaminação no Brasil

No caso do Aedes aegipty, ele migrou do oeste da África para o Novo Mundo entre o século XV e XVI. Isso porque o período teve intenso tráfico negreiro, o que permitiu aos mosquitos se beneficiar dos navios para chegar a outros lugares. Alternativamente, ele também colonizou Portugal e Espanha antes de chegar às Américas.

— Esses dados são importantes porque, além do comportamento do próprio mosquito, o fato de tê-lo transportado aumenta a chance de a espécie se radicar em determinado local. Com a questão da globalização, além da tecnologia, não existem mais navios escravos. Hoje em dia essa locomoção se dá através dos aeroportos, em escala continental e, em escala local, através de elevadores, carros, ônibus, metrô, entre outros.

Atualmente, já se admite colocar barreiras sanitárias que permitam localizar os mosquitos. Isso já é feito nos portos, o que garante algum tipo de controle, mas ainda não é feito em aviões, onde os mosquitos podem eventualmente se locomover. Além desse mecanismo de locomoção artificial que o mosquito faz, ele ainda tem uma capacidade de vôo bastante expressiva, podendo atingir, em 24 horas, uma distância de até 8 quilômetros.

— Outro meio relevante de a doença se espalhar é a possibilidade de contaminação de alguém que esteja se transportando de um local a outro ser previamente picada por um mosquito vetor de patógenos. Dessa forma é possível ter boa parte da população sadia, no local de destino do indivíduo contaminado, também contaminada pela doença — explica o pesquisador.

O sistema de transmissão descrito por Mário Alberto Cardoso confirma-se, por exemplo, na Amazônia. Um paciente com malária pode vir a infectar inúmeros mosquitos da região, reintroduzindo a doença num lugar onde ela não mais existia. Isso se deve principalmente pela aproximação do homem às florestas, onde mosquitos que antes não tinham contato com o homem, eventualmente infectado, agora tem intensa relação. Na década de 30, o mosquito foi transportado diretamente, chegando a provocar mortalidade em até 25% dos casos registrados na região nordeste.

A culpa é da fêmea

Na maioria dos mosquitos, só a fêmea se alimenta de sangue e pode colocar de 30 a 50 ovos para expandir sua presença. Para que isso ocorra, algumas espécies precisam estar próximas ao homem. São as chamadas espécies anautógenas, nas quais a fêmea necessita de sangue para colocar seus ovos.

Se ela encontra um ambiente propício, vai ser capaz de colocar seus ovos em até 72 horas, variando de acordo com a espécie. Assim que esses ovos eclodirem, darão origens a larvas e depois a pupas, que podem ser machos ou fêmeas.

— Os machos ficam, em geral, se alimentando de açúcar ou seiva e as fêmeas, como já foi dito, vai precisar desenvolver sua capacidade de alimentar-se de sangue, para colocar seus ovos. A copulação ocorre antes desse período de amadurecimento, para que elas possam encher a espermateca, para, então, desenvolver comportamento antropofílico.

Novos estudos pretendem aumentar a eficiência no combate

Geneticistas decodificaram o genoma do Anopheles Gambiae em 2002, permitindo conhecer todos os genes que o organismo possui. Nesse caso são 30 mil genes, sendo 79 capazes de captar o odor humano. Para o Aedes aegipt, já é sabido que 131 genes são capazes de nos localizar.

— Os 131 genes precisam ser testados individualmente. O que se faz é silenciar determinada proteína localizadora de odor, para verificar se ainda assim o mosquito será capaz de localizar o homem. A intenção é descobrir o principal marcador responsável pelo comportamento antropofílico do mosquito — garante o professor.

Hoje em dia o que se faz, embora ainda não no Brasil, é criar armadilhas com as substâncias presentes que os mosquitos são capazes de identificar no homem. Desse modo eles seriam atraídos para tais armadilhas, ao invés de localizar o homem. As novas pesquisas são essenciais porque as grandes ferramentas de controle, que foram os inseticidas utilizados desde a década de 40, não funcionam mais, já que os mosquitos criaram resistência. O que se busca são ferramentas para o desenvolvimento de novas fórmulas combinando vários inseticidas. Não há um meio de prevenção efetiva.

— Existem novas tentativas, principalmente com a descoberta do genoma desses insetos. São feitas análises moleculares para silenciar determinados genes e, eventualmente, se for possível, pretende-se liberar mosquitos trangênicos, sem os genes localizadores, no ambiente, mas ainda é uma questão muito difícil, levando-se em conta que não sabemos qual a resistência desses novos mosquitos ao ambiente, entre outros problemas — complementa o especialista.

Há também inseticidas químicos alternativos para o combate. Um deles impede o desenvolvimento do mosquito, então ele não se torna maduro para consumir sangue. Outros podem bloquear a formação da quitina, que é a camada de revestimento externa desse inseto. Além desses, há inseticidas vegetais, que inibem a reprodução dos mosquitos. “É possível também fazer um controle biológico através de outros organismos que possam predar ou parasitar o inseto, matando-o. Não há vírus capazes de fazer isso, mas existem duas baterias altamente estudadas que produzem toxinas capazes de destruir as larvas do mosquito”, encerra Mário Alberto Cardoso.

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