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Edição 090
19 de julho de 2007

Faces e Interfaces

Darwin morreu?


Priscila Biancovilli

Um artigo publicado recentemente pelo físico e matemático Freeman Dyson lançou uma polêmica no ar. Ele defende a hipótese de que estamos entrando no século da biotecnologia, e que a engenharia genética causará efeitos profundos no desenvolvimento econômico e social de todos os povos. No dia que o conhecimento desta área sair das mãos das grandes corporações e se tornar acessível à grande parte da população, a vida no planeta tomará novos rumos. Este mundo vislumbrado por Dyson, de um futuro não tão distante assim, contemplará a livre troca de genes entre todas as espécies existentes. Aquilo que a imaginação humana criar poderá se transformar em realidade, pela hibridização das espécies. Por exemplo, criaremos minhocas turbinadas extraindo metais do solo, algas marinhas modificadas retirando magnésio e ouro do mar, plantas com folhas pretas de silicone em vez de clorofila, para absorver a luz com mais eficiência, entre outras maravilhas.

O que esta suposta conquista significaria, sob um ponto de vista mais amplo? Dyson enxerga nisso o fim da teoria da evolução das espécies, postulada por Darwin. Acaba a idéia da evolução lenta e gradual, e iniciam-se novos tempos, em que o código genético livre determina quais seres vivos passarão a existir.   

Para discutir esta questão, o Olhar Vital convidou Antônio Sole Cava, chefe do Departamento de Genética da UFRJ, e Ricardo Iglesias, professor do Departamento de Biologia.

Antônio Sole Cava

Chefe do Departamento de Genética da UFRJ

“Neste artigo, Freeman Dyson pretende ser visionário, dar sua visão de futuro. Ele deve ser ‘viajante’ porque é um artigo de ficção, praticamente. No entanto, este futuro que Dyson preconiza não se tornará realidade tão cedo. Pelo menos nos próximos 30 ou 40 anos, não sabemos se teremos tecnologia suficiente para domesticar a biotecnologia.

Quando ele diz que temos controle total sobre a evolução, por exemplo, ele se enganou. Hoje os cientistas não conseguem mudar espécies. O que conseguimos é apenas introduzir pequenos trechos de genes, de uma espécie para outra. Aquela espécie que recebeu genes diferentes continuará a mesma.

Ao afirmar que a teoria da evolução não existe mais, Dyson comete um erro. Nem sempre que o homem consegue ‘vencer’ uma lei natural, consideramos que ela deixe de existir. Um exemplo disso é o avião. Por mais que ele seja muito mais pesado que o ar e consiga voar, ninguém dirá que a lei da gravidade deixou de existir em algum momento.

Quando se desenvolvem peixes transgênicos, que não têm o gene regulador do crescimento, eles passarão a crescer desordenadamente. Por exemplo, existem hoje salmões alterados geneticamente, que crescem a uma velocidade muito maior que os peixes normais. No entanto, eles crescerão à custa de outros fatores, como por exemplo, a taxa de reprodução, que será muito menor que o normal. A energia que o organismo do animal normalmente gastaria para produzir ovos e espermas passa a ser direcionada ao crescimento. Isso significa que se esses salmões modificados fossem introduzidos numa cultura de peixes normais, eles logo serão extintos, pois não conseguirão se reproduzir, e serão menos ágeis. Assim, vemos que a intervenção humana não venceu a teoria de Darwin, já que para mantermos esta qualidade geneticamente alterada de peixes, teremos sempre que produzir novos exemplares, sob risco de extinção.

Dyson fala ainda que o século 21 será o da tecnologia verde, contrastando com o século 20, chamado por ele de cinza. Ele diz que estamos prestes a voltar ao campo, em uma interiorização, um êxodo urbano. Eu não acredito nesta hipótese. A tecnologia do campo torna a produção muito mais cara, e só é acessível para as grandes corporações, e não para os pequenos produtores rurais.

Você pode ter daqui a 100 anos uma tecnologia domesticada, mas ela certamente não será para todos. Não se tratará de uma biotecnologia popular. A história da espécie humana sempre diz que quando interferimos de alguma forma no meio ambiente, acabamos degradando a natureza. Por isso creio que a tecnologia verde seja uma grande ilusão. Qualquer tecnologia consome energia, e só isso gera impacto ambiental. Até mesmo as tecnologias mais ‘limpas’, como por exemplo, os painéis solares, geram danos à natureza, pois o material se degrada.

Minha maior esperança é que a sociedade se conscientize sobre os problemas do mundo. Acredito que solução do planeta e do homem não esteja na tecnologia, mas sim no desenvolvimento social. Espero que esta conscientização aconteça antes do mundo acabar”.


Ricardo Iglesias

Professor do Departamento de Ecologia da UFRJ

“Freeman Dyson é um dos mais importantes cientistas do século vinte, mas também se dedica a escrever artigos de futurologia entremeados de ficção científica, como no caso do artigo em tela. O artigo é um exercício de futurologia sobre a construção, por seres humanos, de novas espécies. Dyson é um físico que, ao falar da construção de novas espécies biológicas, está livre dos preconceitos dos biólogos profissionais. Por essa razão, postula candidamente revoluções improváveis para um biólogo, mas justamente pela ausência de preconceitos muitas dessas idéias são interessantes.

Dyson postula uma revolução verde, com espécies de plantas dotadas de folhas de silicone capazes de aumentar a produtividade agrícola em quinze vezes, eliminando a fome do mundo e reduzindo a área de terras usadas na agricultura, que poderiam agora ser utilizadas na recuperação dos ecossistemas naturais. Essas espécies de plantas trariam mais empregos e mais riqueza para as áreas rurais, eliminando a depressão econômica, principal causa da grande migração populacional para as zonas urbanas. Ignorando a dificuldade tecnológica de construir essas espécies, restariam ainda grandes problemas, como, por exemplo, a manutenção do sistema econômico capitalista. Isto sempre exigirá um crescimento da população, inevitável se houver um aumento significativo da oferta de alimentos. Assim, as novas espécies poderiam agravar os problemas ambientais que já temos.

As novas espécies propostas por Dyson estão pensadas para aumentar a riqueza e o bem estar da humanidade. Tratam-se de espécies que funcionam como máquinas para produzir alimento e executar serviços de mineração a baixo custo, pois utilizam apenas a energia solar. A revolução verde de Dyson, em essência, cria um conjunto de espécies que farão o trabalho realizado pelas espécies que existem e realizam esse trabalho nos ecossistemas preservados. A proposta, de certa forma, é pertinente, pois a economia capitalista globalizada nos promete destruir todos os ecossistemas naturais em pouco tempo e nesse pouco tempo não será possível desenvolver a tecnologia necessária para criar essas novas espécies. Ainda que os habitantes das zonas temperadas tenham que viver entre plantas com folhas pretas, pois seriam mais eficientes para captar a luz solar.

Admitindo que seja viável a construção dessas novas espécies, que aspecto teria o mundo? Eu diria deprimente, por isso é melhor lutar agora para preservar a natureza que ainda nos resta, preservar nossa Amazônia, nosso Cerrado, nossa Caatinga e nossa maravilhosa Mata Atlântica ainda em estágio ainda recuperável, do que acreditar na salvação através da biotecnologia”.

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